quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

PUZZLE

„Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias.”
Ruy Belo


Para Nuno Nunes


1. Na mesa a luz desenhava-me
desenhava-se escondia-se
e prolongava a penumbra.
A penumbra deslizava tentadora
pelo vão das escadas. Sonhadora
até às águas furtadas da luz.
Sobre a mesa um livro
muito antigo compra recente
no alfarrabista do centro da cidade.
Um aquário fictício e a luz
a luz transparente dos olhos.

2. Um relógio de cuco um canário
todas as horas do dia
todos os domingos do dia
e uma ilha deserta próxima
vizinha do teu e do meu coração.
Na mesa da luz meu amor
um pensamento de Cristo
que cresce para mim parece-me.
As barbas o rosto as palavras
a poesia e o fado devem sabê-lo.

3. No aquário um rio do passado
no relógio afluentes de hoje
na mesa as cores materiais
um álibi elefante de porcelana
um rio que passa e nos leva.
– Voltarei voltarei! Ouve-se no vento.
As acácias crescem nas margens do rio
crescem nas margens do corpo
crescem nas margens do mundo.
A cadeira de ferro forjado
onde pousam as folhas da luz
dos corações do mundo. Meu amor!

4. Escrevo no escuro corre corre cavalinho
Por cima da mesa dos olhos
da hora certa dos relógios da boca
por entre margens e rios de domingo.
A luz e a penumbra multiplicam-se
dividem-se em pequenos novelos
de pequenas bagas de sol.
Corre corre cavalinho meu amor!
Por entre a luz por entre a sombra.


Budapeste, 29.10.1986.

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