Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Noli me tangere de Ticiano.
- Sem querer correr o risco da blasfémia
Não me toques que me desafinas
desafinas o piano, o pianoforte
da minha tranquilidade
e abstinência de séculos.
Mesmo não sendo tua intenção
traz-me de volta até ao coração
a vivência, a vida vivida sem morte
desses momentos maravilhosos (MM
- Maria Madalena, Marilyn Monroe)
que há muito eu quero esquecer.
E deixar dormir no subterrâneo da ilusão
na gruta não iluminada da desilusão.
O "Noli me tangere" de Ticiano
que vimos em Londres na National Gallery.
Recordar Picasso (PP) sem pregar a abstinência
ou não lhe tocar que queima, pelo contrário
se inspirou no "Noli me tangere" de
Correggio
- quadro exposto no Museu do Prado em Madrid.
A emocionante tela La vie, 1903 do período azul
- Retrata o seu grande amigo Carlos Casagemas
que antes se tinha suicidado e deixou Pablo
inconsolável.
A partida dos amigos deixa vazios com mágoas infinitas.
A vida e a morte, modelo e musa, amada mulher
do princípio ao fim da nossa breve passagem pela
terra.
- PP não se pode queixar, foi dos que mais viveu (1881-1973)
Modigliani (36anos), Van Gogh (37 anos) e Klimt (56 anos).
Touch me
now, I close my eyes
And dream
away (Roxette)*
Se digo
"Don’t touch me there"
porque sem querer troquei de canção
e seja em que língua for, não acredites
devo ter bebido gin tónico a mais
ou comido algo que me fez mal.
O que eu quero dizer é, Não pares!
Olha-me e entendes todo o meu mundo.
continua, continua até ser noite, até ser dia
*It Must
Have Been Love
do
filme Pretty Woman (1990)
Dizem que gostos não se discutem
e que não há duas pessoas iguais
- cada cabeça sua sentença.
Uns multiplicam o pão e há outros
que preferem multiplicar os pobres
- preferem perpetuar a pobreza.
Fazem precisamente o contrário
das suas teorias e das suas ideias
- das suas promessas redentoras.
Mudando de assunto imaginando
estar perto de ti e pensando
em que dizer para te surpreender
abro o guarda-roupa e digo
- Diz-me o que vestes
e eu digo-te o que mostras
o que devias guardar para depois.
É tão bom observar indiscreto.
Prefiro-te nua ou quase nua
ou vestida de serviços mínimos
do que de design arejado e inovador.
Sabes bem que não há gostos iguais.
Se eu tivesse nascido em Budapeste
teria sido canalizador ou contabilista.
Se tivesse nascido na cidade de Lisboa
teria sido moço de recados e alfaiate.
Teria estudado numa escola industrial
e com tempo aprendido uma profissão
emprego numa sociedade comercial
subindo a pulso com espírito de missão.
Pessoa respeitada e útil à sociedade
com trabalho e clientes satisfeitos
teria sido um conhecido costureiro
a tesoura masculina, o fato da cidade.
Para a arte da confeção não se perder
teria casado com uma colega modista
a crédito ido de férias e comprado casa.
Seria um mundo a sério, uma vida a valer.
Pode ser que por milagre tenha sorte
mas quem é pobre, quem nasceu pobre
dificilmente algum dia deixará de o ser.
Andar sempre com o credo na boca
seja pela doença ou da renda da casa
as prestações e os estudos das crianças
da alimentação, do vestir ou desemprego.
No mundo de hoje como já foi antes
o que conta é a demagogia e o verbo
e são normalmente os ricos e abastados
que falam, dizem representar os pobres.
A mim dói-me e é tão triste assistir calado
ver como os mais pobres se deixam levar.
De que falam estes iluminados? Pelo Duce?
Como Lénin? Outro qualquer demagogo?
Deixem-me parafrasear García Marquez
- El día en que la mierda tenga algún valor
los pobres nacerán sin culo. Assim, Gabo!
Falava de pudor em pó como quem fala
de sabonete líquido inventado à medida
e feito para da cintura para baixo escorrer
- devagar pois o dia ainda é uma criança.
Para lavar cuidadosamente as pernas
a quatro mãos e a vinte e dois dedos
que mesmo com a tração às quatro rodas
- a atração para ser verdadeira é a dois.
Espalhava o pó de talco cor-de-rosa claro
pela saída do pescoço e entrada do peito
e dizia: está um belo dia para passear
- mais para amar do que para trabalhar.
No bairro degradado não havia tanto luar
como quando à noite arranjada saía de casa
para melhorar as finanças tremidas da família
- tanta boca para comer, tanta para calar.
Chegou cedo e a más horas
e encontrou a mulher
na cama com um desconhecido
- Querida o que é que se passa aqui?
- Querido não é o que parece.
- Vi-o na rua tão triste e abandonado
que o trouxe pela mão para casa
para lhe dar uma sopa
consolar-lhe a alma e aconteceu.
- Se é assim como dizes fizeste bem.
Foste mais uma vez solidária e humana.
Continuem, eu volto mais tarde.
É tão bonito quando se é compreensivo.
É tão bom viver nestes tempos modernos.
As arrumações começaram pelos armários do
corredor
e continuaram pelas gavetas e guarda-roupas do quarto.
Não sabiam que armário vinha da velha palavra arma.
Armário, cofre ou guarda-armas de quem as tinha.
Saíram do armário com estrondo e espanto dos outros
- Ele gostava de homens e ela gostava de mulheres
era assim há muito tempo, entre eles, mas em segredo.
Casados mais de vinte anos, continuaram bons amigos.
Da palavra armário ocorreu-me arminho
pele de arminho macia, fofa e mimosa
e daquela loiraça muito gira e vistosa
que trocava a lama da floresta pela cama.
Veio a saber-se mais tarde que era agente da kgb
andava sempre perdida pelos melhores hotéis
e o seu destaque era o casaco pele de arminho.
que em tempos idos teria sido símbolo da pureza.
- Por baixo tinha uma bata acinzentada
e não usava nem tapa montinhos
nem calcinha stop, aqui tens de esperar
até eu dizer que está verde, podes avançar.
Belcanto. As muitas teorias da conspiração que por aí
abundam
pelo seu letal veneno acabarão por matar, por assassinar.
Não sejamos ingénuos, não tentem compreender o absurdo
não se deixem enganar pelo belcanto das serpentes.
Ovo de serpente com várias cabeças como um dragão
hidra-anão símbolo do mal que cresce sem parar
se não lhe cortarmos as cabeças uma a uma.
Não será trigo limpo farinha amparo, mas com coragem
vamos fazer das suas cabeças decepadas e queimadas
das cinzas o melhor estrume das nossas terras agrícolas.
Não penses em te suicidar! Mata as serpentes dos
belcantos!
- Pode ver-se a olho nu em miniatura o réptil já
concebido.
É só uma questão de tempo e de ocasião. Há sempre.
Do filme Ovo da serpente (1977) de Bergman.
Belcanto um restaurante ao lado da Ópera em Budapeste.
Era muito caro, mas comia-se e cantava-se bem.
Os empregados traziam cantando os pratos à mesa.
Caso para dizer viva a cultura da voz e do estômago.
2024 - 2025