Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta
continuarei a escrever. Clarice Lispector
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta
continuarei a escrever. Clarice Lispector
Um cálice de aguardente para te trazer de volta
para me ajudar a guardar-te nos meus braços
para haver lenha quando as noites frias acabarem
e da distância as manhãs fechadas abrirem os olhos.
Recordar-te como te escondias feminina
como se no prédio fosses a nova inquilina
- Como quem corajosa subias ousada a colina.
Recordar-te como desaparecias na neblina
e os teus olhos de gata eram a lamparina
- Feita luz aparecias nua por detrás da cortina.
Um cálice de aguardente para te trazer de volta
tu que dizias que eu era o sal e a tua gasolina
para me ajudar a guardar-te nos meus braços
resina do meu pinhal sabor da doçura mais fina.
Por um prato de lentilhas
vende o pai e vende a mãe
vende o avô e vende a avó.
Vende o cão e vende o sapo.
Por um prato de lentilhas
vende os cornos e a alma
vende a ilusão da mentira
vende a própria mulher.
Hipoteca a vida da filha
prometida e pré-vendida
ainda antes de nascer
ainda antes de a fazer.
Aqui é um hábito muito antigo
que por significar abundância
é comum no primeiro dia do ano
comer-se um prato de lentilhas.
Abre os olhos carroça que a mula vai apressada
e para lá chegar eu tenho tempo de sobra.
Não tanto como Gaudi, o arquitecto de Barcelona
mas tempo suficiente para parar e para almoçar
com todos os vagares que a pança merece.
A conversa é sempre a mesma sempre condimentada
a puxar para o meio, abaixo do peito acima do ventre
se não falta nada para dar ao dente e sentar à mesa.
Se local novo olhar à volta ver que comem os outros
pedir para começar meia garrafa, um copo de vinho
tinto
um café e um digestivo para ajudar a digestão.
Para ajudar a constatar que as nossas barrigas
são o melhor estímulo para a satisfação ou
insatisfação
dos homens e das mulheres de ontem de hoje de sempre.
Por ser um bom exemplo disso não me vou esconder.
Uma taça de gelado italiano para gente gulosa
com bom gosto porque não há gelado melhor.
Uma taça de champanhe francês para gente boa
com paladar desenvolvido e dinheiro para gastar.
Uma taça de salada de fruta para amigos da horta
que trocam um doce de ovos pela natureza-viva
que sabem da importância da saúde e da comida.
Sabem se agora se cuidam, amanhã tem mais vida.
Sabem do grande irmão e outros filhos da puta
as rascas teorias da conspiração teórica e prática
do regresso sufocante orwelliano da mão-morta.
Mão a menos maçaneta vai bater a outra porta.
Uma caneca de cerveja alemã com salsichas
as linguiças de Nuremberg com couves roxas
e repetir a caneca, há coisas piores na vida.
Nem falar do incansável pedinte em mim
a pedinchar e a juntar bases de cerveja.
Lembras-te do sítio da primeira cerveja que bebeste comigo?
Não era bebida que estivesses habituada, valeu-me com
cerejas
da simpatia com que nos atendiam, como se metiam contigo.
Tínhamos vindo de uma festa para continuamos a
celebração.
As voltas que o mundo deu, as canecas que eu já bebi.
Como poderei eu esquecer os seus brincos fantasia
cerejas ou ginjas aos pares a caírem sobre os ombros
a realçar o seu pescoço alto que convidava a beijar.
2024 – 2025…