quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

METRO

„Quand on n’a que l’amour
a offrir à ceux-lá”
Jacques Brel


1. Eram quase 18 horas noite cerrada fazia frio.
No Metro da Praça Felszabadulás esperava Victor.
Muitos policias fardados e disfarçados
muito seguros de si abordavam as gentes
sobretudo as que esperavam como eu.
Pouco simpáticos pediram-me a identificação
afastaram-se dois metros e escreveram tanto
tanto que tive vontade de oferecer a minha
esferográfica não fosse a tinta não chegar.

O poder policial-partidário-militar-politico-estrangeiro
quis demonstrar a razão da sua força.
Bem avisaram à menina da casa que anda no liceu
– não andar na rua no dia 23! Não é aconselhável!
Assim sim. Assim a população todo o país
fica a saber quem manda de quem é o poder.
Trinta anos depois da revolução húngara de outubro.

2. Com Victor como sempre em conversa prolongada
bebemos litro e meio de vinho tinto mais um copo
comemos uma saborosa especialidade húngara
local onde já não íamos há muito
jovem universitário de preço acessível.

3. Eu decidi escrever de perfumes corpos
sabonetes e outras coisinhas assim.

Um corpo. Um corpo bem lavadinho
um corpo perfumado um corpo sem cheiro a cú.
Um corpo limpo um corpo sem o medo
forte do orgasmo ou sangues inoportunos.
Um corpo muito bem depilado e perfumado
mas com muitos pêlos nos sovacos
com muitos pêlos noutras zonas. Um corpo
sem cheiro sem falar no bagaço e bebidas afins.
Os corpos não cheiram a álcool. Os corpos não!
Talvez os sexos se embriagados.

Os sexos e talvez as bocas. Os corpos não!
No fim já se sabe é tudo uma grande mistura
vómitos e ressaca confusão de corpos opostos
de sentimentos e ilusões de baterias descargadas.
Um corpo lavadinho perfumado sabonetes
verniz e desodorizante. Verniz vermelho
representante exclusivo da luz do futuro!

4. Um corpo sem atalhos sem ruas estreitas
sem sujidade e maus cheiros. Muitos
montinhos de cães e cadelas domésticas.
Um corpo sem língua alguma saliva
sem saber a corpo sem sabor à vida.

Um corpo reciclado e um rosto cosmético
bem pintado e disfarçado de falso maquilhado.
Um corpo assim e assado muito bem passado
batatas fritas e salada salsichas e mostarda.
Um corpo de estábulo de porco de vaca de carneiro.

5. Corpo estatal perfumado corpo manso. Até quando?


Budapeste, 24.10.1986.

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