Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
2024 - 2025
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
2024 - 2025
Que queres de um campo de urtigas?
Searas de trigo, vinhas e cachos de uvas?
Pão e vinho? Em que mundo vives?
Quando amanhã de vez nos faltar a água
mata a sede com as ervas secas do velho rio.
Os mais clássicos lavam as meias à mão
os outros mais modernos lavam-nas ao pé.
Os mais agressivos preferem a pontapé
eu fico com elas calçadas como inspiração.
Aprendi recentemente um conceito novo
sobre a corrupção vertical e horizontal.
Sentada e nua jurava por toda a sua roupa
ser apenas transparente como a arte erótica.
Se nas montanhas não apanhastes chuva
desce até ao vale e colhe malmequeres
junta os pedaços de sol com carinho
e da planície do coração oferece o raminho
a quem ansiosa te espera apaixonada.
Os outros não sabiam e eles não queriam
que se soubesse e fosse motivo de conversa
que antes do primeiro encontro já se conheciam
como se tivessem dez verões de namoro.
Como se vivessem juntos há muito anos.
Persistente a paixão abriu todas as portas
e foi devidamente documentada e comprovada.
A doçura das suas palavras avulso e amargas
foi detalhadamente divulgada e promovida.
A festa que anunciava foi apresentada
comunicada pelos olhos lindos da remetente
apreciada e valorizada pelo destinatário eleito.
Foi como sempre precisa e criativa e inventiva
como um espelho que à luz reflecte e ilumina.
Simplíssimo tributo a Jorge Mario Bergoglio
mais conhecido por Francisco, Papa do povo.
"O tu o nadie" escreveu Jorge a Amalia
quando tinha apenas 12 anos e acrescentou
"Si no me caso con vos, me hago cura".
Foi certamente um puro sentimento
uma linda história de amor de criança
uma paixão precoce e antes do tempo.
De um menino que tinha olhos para ver
e coração aberto para sentir e imaginar.
Um lindo amor que não se concretizou
Infantil, não se fez adolescente ou adulto.
Em contrapartida para nem tudo se perder
sessenta e tal anos depois tivemos um “porteño"
morador do humilde bairro das Flores
e desde sempre fervoroso do seu San Lorenzo.
Argentino, o primeiro papa latino-americano
da história milenar da sagrada igreja católica.
Tivemos e pudemos admirar, aplaudir e gostar
mesmo os não crentes e ateistas como eu.
Obrigado Francisco, Papa vindo do "fim do mundo".
Desfiladeiro desfolhado da garganta profunda
Desfile descartável de vaidade saloia e antiquada
Para dizer que gajo importante me coube ser
Ter vindo ao mundo para ser gente e convencer.
Podia continuar com prosa que ninguém vai ler
Lembrar que vim até aqui de burro a motor japonês
Que me mandei pintar do avesso para me refazer
Com as paredes de um sol de abril talvez português.
Dizer que é em Bled com esta paisagem maravilhosa
Mais de postal ilustrado do que invenção da alma
Que os pensamentos sobre o mundo me veem à cabeça
Me perturbam, mas não me tiram da vida aqui tão cerca.
Apesar de morar há muito num dos países vizinhos,
ontem foi a primeira que me encontrei e apreciei
caminhei pela obra-prima do senhor escultor Radovna
rio que com o seu metódico trabalho de anos e anos
esculpiu magistralmente o desfiladeiro Vintgar e lhe deu fama.
Comecei a escrever este apontamento
algures no trilho da Cascata Mostnica
e o rio de montanha com o mesmo nome
onde o elefante que se perdeu veio matar a sede
no caudal das águas que alimentam o Lago Bohinj.
Uma deliciosa queda de água quase anónima
logo no início e no final de uma difícil subida.
Chama-se ponte do diabo porque para um precipício
com aquela altura e perigo não havia mais ninguém
com tomates para a construir que não fosse o diabo.
Matreiro e velhaco impôs uma condição
a alma do primeiro a atravessar a ponte
seria sua propriedade para a eternidade.
O bispo da terra decidiu contornar o assunto.
O sacrificado foi um cão enganado por um osso.
Se fosse agora seria o bonito caía a ponte e a
Trindade
os amigos dos animais não deixariam a coisa pela lenda.
Para amenizar o conflito fala do que vistes
- As pedras não crescem nas árvores
mas as árvores crescem nas pedras.
No caminho de Savica é proibido pescar
desaconselhável desejar peixe frito
fotografar e partilhar avisos de zona
- Pela gargalhada aqui há gato
porque nesta terra escreve-se cona.
Não me levam a mal, mas por vezes é bom recordar
- Em Mostnica e Savica o eco barulhento das águas
fazia-me lembrar o mar da Nazaré a labregar.
Olhar o passo para não tropeçar e cair
parar para ver e apreciar tanta beleza
que à nossa volta se oferecia gratuita.
Caminhar de mochila às costas tem mais encanto
quando se caminha por sítios de deslumbrar.
Depois de ontem posso dizer com um sorriso
que já não morro sem ter bebido água do rio.
Andamos em trilhos junto e entre os Alpes Julianos
com o ponto mais elevado com quase três mil metros.
Caminhadas com partidas e chegadas a Bovec.
Ali o passo mais alto é a ligação
entre os vales dos rios Sava e Soča.
Passo ou colo que bonita expressão.
Coloca as tuas mãos quentes em mim
e eu colo os meus lábios húmidos nos teus.
Sítio dos amantes dos desportos radicais
sítio de aventuras fluviais e amantes actuais.
Imaginar que aqui neste local tão pacífico
pela sobrevivência com armas e granadas
que há 100 anos se matavam uns aos outros.
Hoje há ecossistemas para tudo
pessoas e animais, cartões e caixas automáticas
plantas e oceanos, serras e alguns desertos.
Antes terá sido um bairro com autocarro
casas pré-fabricadas da idade pré-moderna
agora somos em terra uns ecopontos perfeitos.
Ecossistemas em que o eco da mãe ou madrasta
a natureza está em baixo, perigosamente em baixo
mas o ego individual nunca esteve tão em cima.
Temos também ecossistemas de ciência e inovação
da vinha e do vinho, ecossistema religioso e
financeiro.
O ecossistema de primeiro foi o ovo ou a galinha.
Ecossistemas das palavras roubadas ou mal-usadas.
Salvo raras excepções somos uns autênticos
papagaios.
Por ser míope uso óculos e para ouvir
aparelhos nos dois ouvidos, sem eles
estaria na cave o tempo quase todo.
Tomo também vitaminas para continuar
a magicar e a pensar pela minha cabeça
as vitaminas da vida e do mundo à volta.
Como gosto de reflectir para ter opinião
não posso estagnar, tenho de evoluir
e no verbo com alguns estrangeirismos.
Entre as things de que eu mais gosto
é quando nos meetings em que participo
cada segunda palavra ser importada
tem classe e sobretudo tem conteúdo.
Das minhas aquisições mais recentes
e para o futuro shortlist do meu texto
no workshop destacaria em power point
a importância do Mainstream & Main Street.
Europeu e americano, ocidental e liberal.
A corrente do pensamento dominante
enfiada à martelada nas lojas da rua principal.
Discutida ao detalhe no último brainstorming.
A tasca é a alma da aldeia disse o outro
um espantalho das paprikas e beringelas
e que por graça do pai Viktor é ministro.
A ideia é pôr o povo de volta do bota-abaixo
distribuir uns tostões para adiar as ressacas
e prolongar a cirrose e a vida das tabernas.
Feita a crítica política ao novo programa
de arrebanhar votos com aguardente
e continuar mais uns anos no poleiro.
Vamos lá mudar de diapasão e de tema
contra dogmas não há milagre ou mensageiro
e cada povo tem o governo que merece.
Serviço ao cliente não é à mesa é ao balcão
o dinheiro é de plástico e sotaque estrangeiro
o mata-bicho e um cigarro em cada mão.
A pensar no criminoso-camarada Vasily Blokhin*
Inimigo do povo, tiro na nuca
Inimigo do partido, tiro na nuca
Inimigo da revolução, tiro na nuca
Inimigo da classe operária, tiro na nuca
Inimigo da pátria soviética, tiro na nuca
Inimigo do homem novo, tiro na nuca
Inimigo do marxismo-leninismo, tiro na nuca
Inimigo da amizade entre os povos, tiro na nuca
Inimigo da Internacional comunista, tiro na nuca
Inimigo da limpeza étnica, tiro na nuca
Inimigo da degola dos kulaks, tiro na nuca
Inimigo da verdade sobre Katyn, tiro na nuca
Inimigo da liquidação dos inimigos, tiro na nuca
Espalha mentiras sobre Holodomor, tiro na nuca
É judeu ao serviço do imperialismo, tiro na nuca
Quer abrir os olhos aos idiotas úteis, tiro na nuca
Ciumento das vodka-orgias de Béria, tiro na nuca
Desertor-traidor de Stálin Pai dos povos, tiro na nuca.
*Esta é a terceira versão de texto que escrevo sobre o camarada Blokhin (1895-1955) um dos melhores exemplos do que foi ser comunista e agente da polícia política na URSS. Um criminoso brutal, metódico e implacável. O melhor exemplo do homem novo comunista.
Vasily Blokhin executou dezenas de milhares de prisioneiros pelas suas próprias
mãos, incluindo cerca de 7.000 prisioneiros polacos durante o
Massacre de Katyn, na primavera de 1940, o que faz dele o pior carrasco de que
há registo na história mundial.