Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Diz Rita, minha amada
na nossa Terra Santa
porque é o mundo
connosco tão injusto
tão duro com o nosso Amor?
Não somos Romeu nem Julieta
Páris e Helena, Tristão e Isolda
- nem a triste tristeza do isolamento.
Não somos Lara e Jivago na Rússia
nem Ilse ou Rick em Casablanca.
Somos tão só Tamar e Mahmoud
uma judia e um palestino sem nome.
Dois jovens que se conheceram
se apaixonaram irremediavelmente
e se deram perdidamente um ao outro.
Porque não podemos nós fazer
das pedras e do pó dos caminhos
campos de oliveiras, pomares de laranjeiras
e do barro construir e erguer a nossa casa
cuidar do nosso jardim e da nossa horta?
Minha israelita de mel insubmissa
que o nosso Amor nunca acabe
e eu possa viver contigo a vida inteira
criar filhos e depois ver os netos crescer.
Rita não te esqueças - o sonho nunca morre!
Tamara, doce doçura como a vitória impossível
a renúncia anunciada e a conquista temporária
eterna só no sonho mais improvável e mais
ingénuo.
- Castanha de caju e amêndoas recheadas para
despistar.
Para disfarçar a dor da melancolia triste
a tristeza que inunda e sufoca a alma
a hospedaria da monotonia mais ausente.
- Dizer adeus à inocência perdida.
Abram os olhos e olhem ao vosso redor
não é a abundância do leite, mel e frutos
a terra prometida por deus que vos espera.
- É tempo de acordar de vez minha flor.
"Entre a Rita e os meus olhos, uma espingarda"
Ele o Poeta, voz da resistência palestina, destacado
militante da OLP.
Ela alistou-se nas forças armadas de Israel, depois membro
da Mossad.
O abismo entre os dois jovens amantes não parou de
crescer.
O seu Amor não conseguiu sobreviver à realidade das suas
vidas.
Um dia os seus olhos afastaram-se e não se voltaram a ver.
Hostil a nossa cidade não nos recebeu de volta
e nos subúrbios não encontramos onde pernoitar
onde pudéssemos festejar-nos pela última
vez.
Eu poder dizer adeus aos teus olhos de mel
ao teu corpo e à tua alma de minha gata felina.
Ali não havia mais do que apatia.
O silêncio pesado da casa vazia
tinha tomado o sofá-cama da alegria
ignorando a pureza do nosso amor.
Custa escrever, mas nem a nossa buganvília
esperou por nós e secou antes da nossa melodia.
"Ah Rita! O que terá afastado os meus olhos dos teus."
Quand tu prépares ton petit-déjeuner, pense aux
autres.
(N'oublie
pas le grain aux colombes.)
Quand tu mènes tes guerres, pense aux autres.
(N'oublie pas ceux qui réclament la paix.)
Pensava no tempo ainda tão morno e tão cálido.
Vestia-se das minhas palavras e dos meus beijos
corria o fecho da saia comprida de linho.
Escondia os seus olhos de melaço profundo
por detrás das negras pestanas da noite.
Os lábios pintados com o seu sorriso agridoce
Entrevia um amanhã que era definitivo
um passado sem nós para não recordar.
Sem o nosso amor, sem a nossa alegria.
Sem nenhuma das nossas promessas.
Valeria a pena recomeçar a viver
tentar recriar o nosso mundo sonhado
feito de dedos lisos e de mãos abertas
de braços meigos e abraços apertados.
Feitos da nossa biografia perdida.
Quand tu comptes les étoiles pour dormir, pense aux autres.
(Certains n'ont pas le loisir de rêver.)
"Pense aux autres". Traduit de l’arabe (Palestine)
par Elias Sanbar
Descobri a poesia de Mahmoud Darwich
- sobretudo a poesia militante e de combate -
através de traduções para francês
nos fins dos anos oitenta do século passado.
Mais tarde com o filme-documentário
Write down,
I am an arab (2014)
conheci a vida do poeta e a história de amor
com a jovem judia Rita (Tamar Ben-Ami).
Este filme comoveu-me por acreditar
que o amor e a paz, a ilusão das palavras
podem ser mais fortes do que a guerra.
Essa comoção aumentou com a nossa visita
de sete dias a Israel, Palestina, Terra Santa.
Durante esses dias fiquei a saber que a paz
e o entendimento ali nunca serão alcançados
não haja ilusões. Não tenhamos ilusões.
Não quero nem podia morrer sem deixar escrito
sem duas ou três pinceladas do que senti e sinto.
Amor e paz - Ilusão das palavras
Budapeste, 28-30 de março
Para o livro "De mim ficam as Palavras"