segunda-feira, 31 de março de 2025

Amor e paz - Ilusão das palavras

 

Para o livro "De mim ficam as Palavras"


Tamar e Mahmoud

 

Diz Rita, minha amada 

na nossa Terra Santa 

porque é o mundo 

connosco tão injusto 

tão duro com o nosso Amor? 

 

Não somos Romeu nem Julieta 

Páris e Helena, Tristão e Isolda 

- nem a triste tristeza do isolamento.

Não somos Lara e Jivago na Rússia 

nem Ilse ou Rick em Casablanca.

 

Somos tão só Tamar e Mahmoud

uma judia e um palestino sem nome.

Dois jovens que se conheceram  

se apaixonaram irremediavelmente 

e se deram perdidamente um ao outro.

 

Porque não podemos nós fazer 

das pedras e do pó dos caminhos 

campos de oliveiras, pomares de laranjeiras 

e do barro construir e erguer a nossa casa 

cuidar do nosso jardim e da nossa horta?

 

Minha israelita de mel insubmissa 

que o nosso Amor nunca acabe 

e eu possa viver contigo a vida inteira 

criar filhos e depois ver os netos crescer.

Rita não te esqueças - o sonho nunca morre! 


Tamara

 

Tamara, doce doçura como a vitória impossível 

a renúncia anunciada e a conquista temporária 

eterna só no sonho mais improvável e mais ingénuo. 

- Castanha de caju e amêndoas recheadas para despistar. 

 

Para disfarçar a dor da melancolia triste

a tristeza que inunda e sufoca a alma

a hospedaria da monotonia mais ausente.

- Dizer adeus à inocência perdida.

 

Abram os olhos e olhem ao vosso redor

não é a abundância do leite, mel e frutos 

a terra prometida por deus que vos espera.

- É tempo de acordar de vez minha flor.


Rita e a espingarda


"Entre a Rita e os meus olhos, uma espingarda"

 

Ele o Poeta, voz da resistência palestina, destacado militante da OLP.

Ela alistou-se nas forças armadas de Israel, depois membro da Mossad.

O abismo entre os dois jovens amantes não parou de crescer. 

O seu Amor não conseguiu sobreviver à realidade das suas vidas. 

Um dia os seus olhos afastaram-se e não se voltaram a ver.

 

Hostil a nossa cidade não nos recebeu de volta 

e nos subúrbios não encontramos onde pernoitar

onde pudéssemos festejar-nos pela última vez. 

Eu poder dizer adeus aos teus olhos de mel 

ao teu corpo e à tua alma de minha gata felina.

 

Ali não havia mais do que apatia. 

O silêncio pesado da casa vazia

tinha tomado o sofá-cama da alegria 

ignorando a pureza do nosso amor.

 

Custa escrever, mas nem a nossa buganvília 

esperou por nós e secou antes da nossa melodia.

"Ah Rita! O que terá afastado os meus olhos dos teus." 

Pense aux autres (Pensa nos outros)

 

Quand tu prépares ton petit-déjeuner, pense aux autres. 

(N'oublie pas le grain aux colombes.) 

 

Quand tu mènes tes guerres, pense aux autres. 

(N'oublie pas ceux qui réclament la paix.)

 

Pensava no tempo ainda tão morno e tão cálido. 

Vestia-se das minhas palavras e dos meus beijos

corria o fecho da saia comprida de linho.

 

Escondia os seus olhos de melaço profundo

por detrás das negras pestanas da noite.

Os lábios pintados com o seu sorriso agridoce

 

Entrevia um amanhã que era definitivo 

um passado sem nós para não recordar.

Sem o nosso amor, sem a nossa alegria. 

Sem nenhuma das nossas promessas.

 

Valeria a pena recomeçar a viver

tentar recriar o nosso mundo sonhado

feito de dedos lisos e de mãos abertas 

de braços meigos e abraços apertados. 

Feitos da nossa biografia perdida.


Quand tu comptes les étoiles pour dormir, pense aux autres. 

(Certains n'ont pas le loisir de rêver.) 

"Pense aux autres". Traduit de l’arabe (Palestine) par Elias Sanbar


Ilusão das palavras

 

Descobri a poesia de Mahmoud Darwich 

- sobretudo a poesia militante e de combate -

através de traduções para francês

nos fins dos anos oitenta do século passado.

 

Mais tarde com o filme-documentário 

Write down, I am an arab (2014)

conheci a vida do poeta e a história de amor 

com a jovem judia Rita (Tamar Ben-Ami).

 

Este filme comoveu-me por acreditar 

que o amor e a paz, a ilusão das palavras 

podem ser mais fortes do que a guerra.

Essa comoção aumentou com a nossa visita 

de sete dias a Israel, Palestina, Terra Santa. 

 

Durante esses dias fiquei a saber que a paz 

e o entendimento ali nunca serão alcançados

não haja ilusões. Não tenhamos ilusões. 

Não quero nem podia morrer sem deixar escrito

sem duas ou três pinceladas do que senti e sinto.

 

Amor e paz - Ilusão das palavras

Budapeste, 28-30 de março 

 

Para o livro "De mim ficam as Palavras"