quinta-feira, 17 de abril de 2025

Com Liszt e Chopin

Porque a música penetra mais fundo na alma. Platão


Para o livro "De mim ficam as Palavras"

Liebestraum No. 3 (Sonho de Amor) de Liszt

 

"Ama, ama enquanto puderes"

enquanto a amada te esperar

enquanto a paixão continuar 

e o vosso amanhecer desejares.

 

Ama, ama enquanto fores vivo

enquanto te sentires renascer 

quando o seu olhar te sorrir

e convidar para a rua do prazer. 

 

Ama, ama enquanto souberes 

que o seu coração bate em ti 

que este Amor não morre por si

por ela estás pronto a tudo deixares.

 

Ama, ama até ao último sopro 

sempre o vosso primeiro momento 

e recorda que um minuto com ela

é mais do que uma vida com outra.


Rapsódia Húngara No. 6 de Liszt

 

Ó Meu Amor, aconteça o que acontecer 

por muitas mágoas que sintas e tenhas 

mágoas por mil razões sedimentadas

barco afundado carregado de pedras.

 

Para a despedida, para a tua partida 

que fria e impiedosa a vida justifica

peço-te, nunca me deixes abandonada

sozinha e perdida à beira da estrada. 

 

Perdida, triste e por dentro escurecida

entre uma terra nova e outra desconhecida

a meio caminho entre a dor, o amor e o nada

sem saber o rumo nem tão pouco o futuro.

 

E é tão bom quando fazemos as pazes 

quando as fúrias, as guerras e os ciúmes 

dão lugar à paz e corremos para o reencontro.

 

E nos despimos para nos vestirmos um do outro 

adormecemos lado a lado cansados e felizes

- A descansar em cinzas ao gosta do Bom Deus.

 

Ó Meu Amor, nunca te vou esquecer 

- Os teus olhos são a noite no mar 

- São o mar na noite, no dia da noite.


Rapsódia Húngara No. 2 de Liszt

 

Devagar devagarinho com a transparência dissimulada 

como quem não quer a coisa e com a finesse 

que só uma dama, uma mulher tem e sabe usar 

se o assunto lhe interessa e pensa valer a pena. 

 

Foi-o envolvendo e seduzindo (ele pensava o contrário).

Um dia depuseram as armas e tiraram as teimas 

desarmados e abraçados multiplicaram o pão e o beijo

juntaram-se e não podia ter sido refügio mais valioso. 

 

Na flor da vida e para não fazer as coisas pela metade 

deixa-me adormecer contigo e sonhar ao teu lado 

seres a minha toutinegra e eu ser o teu pintassilgo 

casar-me contigo para esta e quantos vidas tivermos.

 

Fazer uma grande festa de casamento com toda a aldeia 

dançarem contigo a menyasszonyi tánc (dança da noiva)

beber o último copinho de aguardente com os amigos 

e nessa noite serei teu, serás minhas, uma alma seremos.


La Campanella de Liszt

Parte dos "Grandes Études de Paganini”

 

O seu corpo na erva, no chão deitado

era a apanha antecipada da azeitona 

Florido um caloroso teclado de piano.

 

A sua alma nos trabalhos da vindima

era a cesta cheia das sílabas da boca

A carícia dos dedos nas cordas do violino.

 

Afirmava com a sua malícia: é agora ou nunca

vamos pecar agora que ninguém se importa 

Não há quem pense em nós, na nossa festa.

 

Ali próximo do monte no sopé do sonho em voo a planar 

da imaginação à sombra da parreira a crescer sem parar

Não falar não olhar não desdizer não apalpar nem se atrasar, 

 

Esse perfume indesmentível da falésia ou da vertigem 

a coragem e a voragem da loucura incontrolável a arder

Da subida vertical da ascensão ao céu pagão do prazer.  

 

Se os pactos com o demónio fossem todos assim 

e se o diabo em figura de gente fosse Paganini

dedos magros e compridos que mais ninguém tinha 

quantos de nós não seríamos devotos do diabo... 

 

Se não fôssemos moleiros ou aguadeiros do moinho 

(para quem não saiba Liszt em português é farinha 

o nome de Liszt seria Francisco Farinha)

quantos de nós não seríamos padeiros da padaria... 

 

A partir de 1830, Liszt (1811- 1886) vive em França e torna-se amigo 

de Frédéric Chopin (1810-1849) e de Niccolò Paganini (1872-1840)

músicos-compositores que influenciaram a sua música para piano.

Chopin-Nocturne No. 20 (in C Sharp Minor)

 

Chegava pé ante pé feito bailarino 

em silêncio da proximidade da vida

da planície ausente, da noite fechada.

 

Chegava com um ramo de rosas brancas

com uma caixa de fósforos para iluminar

um breve sorriso invisível e tímido na mão. 

 

Sabia que ela iria reconhecer o perfume 

da namorada natureza que vinha com ele 

que o rosto imaginado ficaria para depois.

A razão podia explicar a força desse lume.

 

Sentia que um dia a noite madrasta dos olhos 

se faria mãe com um coração doce e grande.

Deixa que entregue os olhos do meu coração 

Ó meu amado benfeitor fica comigo para sempre.


Chopin-Ballade No. 1 (in G Minor)

 

Se fosse seara seria uma espiga de milho 

Namorava às escondidas com o centeio 

E passava o tempo a fazer ciúmes ao trigo.

 

Na festa das bruxas, no baile das raparigas 

Espontânea adorava surpreender as formigas 

Com migas, grãos de café e bolachinhas. 

 

Vinha de dentro, era das irmãs a mais meiga 

Tinha mais amigas do que um concerto gratuito 

Mas também não se escondia de uma boa briga. 

 

Nunca se sente cansada, visitada pela fadiga

Está sempre disponível para o seu prometido 

E ainda hoje é nos seus braços que se abriga.


Chopin-Grande Valsa Brilhante Op.18 (in E flat major)

 

Foi quando aceitámos o perfume do vento

e a brisa nos protegeu com o seu véu

porque tecíamos as surpresas do tempo.

 

Porque pedaços da pele das tuas rendas

se prenderam ao coração das minhas silvas

cantamos o mosto do corpo, o altar do amor.

 

Como estamos de pé no piano, nota de roda-mão: 

Chamava-se Maria Wodzińska e tinha 17 anos

e era de uma beleza que convidava a escrever.

 

Foi a primeira paixão conhecida de Fryderyk

em segredo estiveram comprometidos 

mas o casamento acabou por ser cancelado.

 

Um século e meio depois numa outra capital

outra Maria também da Polónia tinha 18 anos 

e apesar da dedicação também não se casou.

 

Não andava nem se deitava sem o crucifixo 

com Jesus da Nazaré bem acomodado no vale  

que separava e juntava os rijos e belos peitos. 

 

Para ter reservado um lugarzinho assim.

Infiel inofensivo, quem me dera a mim

ter sido eu também injustamente crucificado.

e merecer por isso em terra alheia, o paraíso. 


Fantaisie-Impromptu, Op. 66 de Chopin

 

Seria pelo desleixo das roupas 

da maquilhagem pouco cuidada

como para disfarçar tanta alegria 

a felicidade desenhada no rosto

 

que afaga o peito 

que enobrece a alma 

que acicata o gosto 

e desperta sentimentos.

 

Por um instante o olhar parece ausente 

perdido algures entre memórias e desejos.

A mão meiga que toca no cravo vermelho

talvez por ser abril e passear por Lisboa.

 

Ali se perdeu com ela pelas suas ruas estreitas

com a melancolia tardia de algum sefardita

pelos labirintos miradouros e ruelas de Alfama 

pelas tabernas, travessas e becos da Mouraria. 

 

Nada levava a pensar que aquela linda moça 

estava ali para te ouvir te acompanhar e confirmar.

Pelo menos o piano não magoa os dedos como as guitarras.

E eu levei isso muito a sério: Frédéric Chopin


Chopin-Polonaise Heróica , Op. 53 (in A flat major)

 

Deixa o medo fechado em casa 

por detrás do roupeiro, no fundo 

da gaveta e perde a chave da porta. 

 

Escolhe a espada com coragem 

está na hora de se fazer à estrada.

Pátria nem que seja a última viagem. 

 

Não é tempo de discutir a cor da madeixa

feita à medida da mentira para enganar. 

O sexo dos anjos ou os cornos alçados 

do cabresto cabrão do criminoso czar.

 

Vive-se uma época em que o heroísmo

precisa de inspiração, de força e de vigor 

como disse a sua famosa amante e protectora.  

Se possam desfraldar bandeiras como esta. 

 

Budapeste, janeiro-abril 2025