Porque a música penetra mais fundo na alma. Platão
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Porque a música penetra mais fundo na alma. Platão
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
"Ama, ama enquanto puderes"
enquanto a amada te esperar
enquanto a paixão continuar
e o vosso amanhecer desejares.
Ama, ama enquanto fores vivo
enquanto te sentires renascer
quando o seu olhar te sorrir
e convidar para a rua do prazer.
Ama, ama enquanto souberes
que o seu coração bate em ti
que este Amor não morre por si
por ela estás pronto a tudo deixares.
Ama, ama até ao último sopro
sempre o vosso primeiro momento
e recorda que um minuto com ela
é mais do que uma vida com outra.
Ó Meu Amor, aconteça o que acontecer
por muitas mágoas que sintas e tenhas
mágoas por mil razões sedimentadas
barco afundado carregado de pedras.
Para a despedida, para a tua partida
que fria e impiedosa a vida justifica
peço-te, nunca me deixes abandonada
sozinha e perdida à beira da estrada.
Perdida, triste e por dentro escurecida
entre uma terra nova e outra desconhecida
a meio caminho entre a dor, o amor e o nada
sem saber o rumo nem tão pouco o futuro.
E é tão bom quando fazemos as pazes
quando as fúrias, as guerras e os ciúmes
dão lugar à paz e corremos para o reencontro.
E nos despimos para nos vestirmos um do outro
adormecemos lado a lado cansados e felizes
- A descansar em cinzas ao gosta do Bom Deus.
Ó Meu Amor, nunca te vou esquecer
- Os teus olhos são a noite no mar
- São o mar na noite, no dia da noite.
Devagar devagarinho com a transparência dissimulada
como quem não quer a coisa e com a finesse
que só uma dama, uma
mulher tem e sabe usar
se o assunto lhe interessa e pensa valer a pena.
Foi-o envolvendo e seduzindo (ele pensava o contrário).
Um dia depuseram as armas e tiraram as teimas
desarmados e abraçados multiplicaram o pão e o beijo
juntaram-se e não podia ter sido refügio mais valioso.
Na flor da vida e para não fazer as coisas pela metade
deixa-me adormecer contigo e sonhar ao teu lado
seres a minha toutinegra e eu ser o teu pintassilgo
casar-me contigo para esta e quantos vidas tivermos.
Fazer uma grande festa de casamento com toda a aldeia
dançarem contigo a menyasszonyi tánc (dança da noiva)
beber o último copinho de aguardente com os amigos
e nessa noite serei teu, serás minhas, uma alma seremos.
Parte dos "Grandes Études de Paganini”
O seu corpo na erva, no chão deitado
era a apanha antecipada da azeitona
Florido um caloroso teclado de piano.
A sua alma nos trabalhos da vindima
era a cesta cheia das sílabas da boca
A carícia dos dedos nas cordas do violino.
Afirmava com a sua malícia: é agora ou nunca
vamos pecar agora que ninguém se importa
Não há quem pense em nós, na nossa festa.
Ali próximo do monte no sopé do sonho em voo a planar
da imaginação à sombra da parreira a crescer sem parar
Não falar não olhar não desdizer não apalpar nem se
atrasar,
Esse perfume indesmentível da falésia ou da vertigem
a coragem e a voragem da loucura incontrolável a arder
Da subida vertical da ascensão ao céu pagão do
prazer.
Se os pactos com o demónio fossem todos assim
e se o diabo em figura de gente fosse Paganini
dedos magros e compridos que mais ninguém tinha
quantos de nós não seríamos devotos do diabo...
Se não fôssemos moleiros ou aguadeiros do moinho
(para quem não saiba Liszt em português é farinha
o nome de Liszt seria Francisco Farinha)
quantos de nós não seríamos padeiros da padaria...
A partir de 1830, Liszt (1811- 1886) vive em França e
torna-se amigo
de Frédéric Chopin (1810-1849) e de Niccolò Paganini
(1872-1840)
músicos-compositores que influenciaram a sua música para
piano.
Chegava pé ante pé feito bailarino
em silêncio da proximidade da vida
da planície ausente, da noite fechada.
Chegava com um ramo de rosas brancas
com uma caixa de fósforos para iluminar
um breve sorriso invisível e tímido na mão.
Sabia que ela iria reconhecer o perfume
da namorada natureza que vinha com ele
que o rosto imaginado ficaria para depois.
A razão podia explicar a força desse lume.
Sentia que um dia a noite madrasta dos olhos
se faria mãe com um coração doce e grande.
Deixa que entregue os olhos do meu coração
Ó meu amado benfeitor fica comigo para sempre.
Se fosse seara seria uma espiga de milho
Namorava às escondidas com o centeio
E passava o tempo a fazer ciúmes ao trigo.
Na festa das bruxas, no baile das raparigas
Espontânea adorava surpreender as formigas
Com migas, grãos de café e bolachinhas.
Vinha de dentro, era das irmãs a mais meiga
Tinha mais amigas do que um concerto gratuito
Mas também não se escondia de uma boa briga.
Nunca se sente cansada, visitada pela fadiga
Está sempre disponível para o seu prometido
E ainda hoje é nos seus braços que se abriga.
Foi quando aceitámos o perfume do vento
e a brisa nos protegeu com o seu véu
porque tecíamos as surpresas do tempo.
Porque pedaços da pele das tuas rendas
se prenderam ao coração das minhas silvas
cantamos o mosto do corpo, o altar do amor.
Como estamos de pé no piano, nota de roda-mão:
Chamava-se Maria Wodzińska e tinha 17 anos
e era de uma beleza que convidava a escrever.
Foi a primeira paixão conhecida de Fryderyk
em segredo estiveram comprometidos
mas o casamento acabou por ser cancelado.
Um século e meio depois numa outra capital
outra Maria também da Polónia tinha 18 anos
e apesar da dedicação também não se casou.
Não andava nem se deitava sem o crucifixo
com Jesus da Nazaré bem acomodado no vale
que separava e juntava os rijos e belos peitos.
Para ter reservado um lugarzinho assim.
Infiel inofensivo, quem me dera a mim
ter sido eu também injustamente crucificado.
e merecer por isso em terra alheia, o paraíso.
Seria pelo desleixo das roupas
da maquilhagem pouco cuidada
como para disfarçar tanta alegria
a felicidade desenhada no rosto
que afaga o peito
que enobrece a alma
que acicata o gosto
e desperta sentimentos.
Por um instante o olhar parece ausente
perdido algures entre memórias e desejos.
A mão meiga que toca no cravo vermelho
talvez por ser abril e passear por Lisboa.
Ali se perdeu com ela pelas suas ruas estreitas
com a melancolia tardia de algum sefardita
pelos labirintos miradouros e ruelas de Alfama
pelas tabernas, travessas e becos da Mouraria.
Nada levava a pensar que aquela linda moça
estava ali para te ouvir te acompanhar e confirmar.
Pelo menos o piano não magoa os dedos como as guitarras.
E eu levei isso muito a sério: Frédéric Chopin
Deixa o medo fechado em casa
por detrás do roupeiro, no fundo
da gaveta e perde a chave da porta.
Escolhe a espada com coragem
está na hora de se fazer à estrada.
Pátria nem que seja a última viagem.
Não é tempo de discutir a cor da madeixa
feita à medida da mentira para enganar.
O sexo dos anjos ou os cornos alçados
do cabresto cabrão do criminoso czar.
Vive-se uma época em que o heroísmo
precisa de inspiração, de força e de vigor
como disse a sua famosa amante e protectora.
Se possam desfraldar bandeiras como esta.
Budapeste, janeiro-abril 2025