Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Dá-me tempo, mais umas semanas
de paciência para sem pressas
de manhã à noite poder-te mostrar
e com o meu olhar fazer-te acreditar
que tenho este mundo e o outro
para te receber e nos abrigar do vento.
Mundo que inventei entre pão e migalhas
entre beijos nossos e muitas palavras.
Permite-me que traga para a mesa
as melhores lembranças do futuro
enquanto levemente te acaricio o rosto
e tu me seduzes com o teu perfume de rosa.
"Deixa-me ser um poema
serei casa e palácio, água e pão
serei o mistério de vida
que se deleita na tua mão."
Se me deixares pegar-te pelo braço
serei vinha e pomar de laranjeiras
serei horta e plantação de oliveiras.
Farei do regresso um eterno abraço.
Ao desfolhar as notas e apontamentos
que tinha guardado para o presente incerto
encontrou um excerto que lhe fez lembrar
outros dias menos distantes, mais afirmativos.
"Foi em travessa
de porcelana portuguesa
que ao seu homem toda nua
se ofereceu no tampo da mesa."
Sim, na conversa desenvolta e fluída
lábia era coisa que não lhe faltava
e quando em condimentado aconchego
tinha sempre troco no bolso do mamilo.
Ninguém lhe passava a mão pelas costas de graça
quando jeitosa e segura de si afirmava com graça
- Bebo leite magro porque tenho o sangue gordo
dizia com um sorriso bonito, um sorriso maroto.
Não te esqueças de mim
quando a distância for muita
e a esperança for pouca
do amor se cultivar no jardim.
Não te esqueças de mim
quando os dias são noites escuras
e as manhãs já não tropeçam em nós
nas madrugadas sem te chamar jasmim.
"Não te esqueças de mim
quando no copo do teu vinho tinto
vires desenhar um outro sorriso.
Teu labirinto, teu absinto."
Lembra-te de mim, nunca te esqueças
mesmo de improviso, mesmo só por instinto
o teu melhor vinho são das uvas do meu corpo.
Para ti a areia fina do meu sorriso não tem fim.
Nessa época havia uma canção
que mal se ouvia na rádio
talvez por excesso de erotismo
numa terra de costas para o mundo.
Talvez por sermos muito pudicos
num país desde sempre adiado
ou os brandos costumes elogiados
de um pequeno povo tão resignado.
A letra dizia “Tu que fazes
do meu coração a tua morada
dos meus seios o teu passeio
dos meus olhos o teu jardim
Que fazes da minha boca teu pão
da minha água teu vinho,
do meu prazer uma canção.”
Parece que comprometia a alma da nação.
Foi quase excomungada
por uma padralhada que só via pecado
onde o amor era cantado
onde quase nua a paixão se sentia
e o prazer dos amantes se mostrava.
Não era preciso ser muito perspicaz
para ver que aquela amizade
era do melhor que havia por ali.
As surpresas ainda vinham a caminho
e já os adjectivos se iam esgotando
com a sua pertinência e encantamento.
Escrevia em verso e com rimas gostosas
que ficavam, não passavam despercebidas.
Experiente sabia destacar-se como poucas.
“Madura, dizem de ti
como se estar madura
não fosse sinónimo de doçura.”
Apetecia saltar as regras da discrição
apetecia comentar e perguntar-lhe a sorrir
qual era a parte mais doce da sua fruta.
Perguntar com quem estava a sonhar
e imaginar a resposta mais adocicada
- A sonhar como seria viver contigo.
Dá-me um minuto de atenção
mesmo que esse minuto se faça horas e dias
tu já tenhas há muito desligado o telefone
e eu continue a falar sem parar nem respirar.
Há muito tempo que te queria dizer
que esta nossa linda aventura
tão pouco comum, tão fora de caixa
não pode acabar só assim
sem um último encontro, uma despedida.
Sei muito bem, não preciso que repitas
que tudo tem um princípio e um fim
como há tempos que a ribeira vai cheia
e outros que está seca sem pinga de água.
Não é por isso que o pintassilgo deixa de
cantar.
Quero que saibas de uma vez por todas
faminta e despida de qualquer tola autoestima
"sem ti não há sol que me aqueça
nem pão que me apeteça".
"Se queres Amor que te esqueça
devolve-me o amor que te dei.
Eu só te posso esquecer
se esquecer que te amei."
Anda vem para a roda dançar
manda a tristeza para bem longe
sente o rodopio ali à volta da fonte
e não te importes se não sou o teu par.
Sente de perto os odores fortes da festa
os calores que colam a pele ao vestido
os alertas tímidos do coração adormecido
adeus velha paixão e depois começa outra.
Não te esqueças que a vida é um sopro
e quando damos por ela já está de saída
não desperdices os momentos de alegria
e faz do novo romance a tua nova fantasia.
Leitor que nunca me vais ler
sabes é em ti que estou a pensar
é para ti que estou a escrever.
Escrevo sabendo quão ingrato
é o papel do autoproclamado
escritor anónimo e desconhecido.
Como já antes escrevi não é por não ser lido
nem saberem de mim que vou desertar
as palavras com que me levanto e caminho.
Hoje com um jovial e acrescido optimismo
gostaria de afirmar que não conheço
ninguém que seja feliz sozinho.
Não estou a dizer que não há pessoas
que estão sozinhas e são felizes
mas eu não conheci nem as conheço.
Procura em cada dia a felicidade
o carinho que faz bem e faz viver
a ternura que não tem tempo nem idade.
Procura o amor verdadeiro
aquele que quanto mais se dá
mais há para dar no armazém do coração.
A amizade que como uma boa cola,
cola tudo o que há de melhor entre nós
cola os sentimentos e a festa da vida
Sim é-se muito mais feliz
se a felicidade for partilhada e se multiplicar.
Vale a pena manter abertas as portas da vida.
"Já fui alameda
praça, largo, avenida.
Já fui caminho, vereda
e hoje se sou beco sem saída
em mim tenho ainda abertas
todas as portas para a vida"
Quem foi que inventou
que a paixão faz crescer asas
e se verdade ensina a voar e sonhar?
Quem foi que escreveu
que grata a resiliência das almas
alimenta a perfeição das palavras?
Quem foi que espalhou ao vento
que o amor quando chega
fica em nós até ao nosso último dia?
"Meu amor como te dizer
que as saudades de ti
faz-me pouco a pouco morrer."
São excertos e migalhas
de um passado que se foi
que saiu de casa de mochila às costas
que partiu para não mais voltar.
Excertos e Migalhas (2025)
Para o livro “De mim ficam as Palavras”