quinta-feira, 17 de julho de 2025

Excertos e Migalhas

 

Para o livro "De mim ficam as Palavras"

Deixa-me ser um poema

 

Dá-me tempo, mais umas semanas

de paciência para sem pressas 

de manhã à noite poder-te mostrar 

e com o meu olhar fazer-te acreditar

 

que tenho este mundo e o outro

para te receber e nos abrigar do vento.

Mundo que inventei entre pão e migalhas 

entre beijos nossos e muitas palavras.

 

Permite-me que traga para a mesa

as melhores lembranças do futuro

enquanto levemente te acaricio o rosto 

e tu me seduzes com o teu perfume de rosa.

 

"Deixa-me ser um poema

serei casa e palácio, água e pão 

serei o mistério de vida 

que se deleita na tua mão."

 

Se me deixares pegar-te pelo braço 

serei vinha e pomar de laranjeiras

serei horta e plantação de oliveiras.

Farei do regresso um eterno abraço. 


Porcelana portuguesa


Ao desfolhar as notas e apontamentos

que tinha guardado para o presente incerto

encontrou um excerto que lhe fez lembrar 

outros dias menos distantes, mais afirmativos.

 

"Foi em travessa   

de porcelana portuguesa  

que ao seu homem toda nua  

se ofereceu no tampo da mesa."

 

Sim, na conversa desenvolta e fluída

lábia era coisa que não lhe faltava 

e quando em condimentado aconchego 

tinha sempre troco no bolso do mamilo.

 

Ninguém lhe passava a mão pelas costas de graça 

quando jeitosa e segura de si afirmava com graça 

- Bebo leite magro porque tenho o sangue gordo 

dizia com um sorriso bonito, um sorriso maroto. 

Não te esqueças de mim

 

Não te esqueças de mim

quando a distância for muita

e a esperança for pouca

do amor se cultivar no jardim.

 

Não te esqueças de mim

quando os dias são noites escuras

e as manhãs já não tropeçam em nós

nas madrugadas sem te chamar jasmim.

 

"Não te esqueças de mim  

quando no copo do teu vinho tinto 

vires desenhar um outro sorriso. 

Teu labirinto, teu absinto."

 

Lembra-te de mim, nunca te esqueças 

mesmo de improviso, mesmo só por instinto

o teu melhor vinho são das uvas do meu corpo.

Para ti a areia fina do meu sorriso não tem fim.


Do meu prazer uma canção

 

Nessa época havia uma canção 

que mal se ouvia na rádio 

talvez por excesso de erotismo 

numa terra de costas para o mundo. 

 

Talvez por sermos muito pudicos 

num país desde sempre adiado 

ou os brandos costumes elogiados  

de um pequeno povo tão resignado. 

 

A letra dizia “Tu que fazes 

do meu coração a tua morada

dos meus seios o teu passeio

dos meus olhos o teu jardim 

 

Que fazes da minha boca teu pão

da minha água teu vinho,

do meu prazer uma canção.”

Parece que comprometia a alma da nação. 

 

Foi quase excomungada

por uma padralhada que só via pecado

onde o amor era cantado

onde quase nua a paixão se sentia

e o prazer dos amantes se mostrava.


Madura sinónimo de doçura

 

Não era preciso ser muito perspicaz 

para ver que aquela amizade 

era do melhor que havia por ali.

 

As surpresas ainda vinham a caminho 

e já os adjectivos se iam esgotando 

com a sua pertinência e encantamento.

 

Escrevia em verso e com rimas gostosas 

que ficavam, não passavam despercebidas.

Experiente sabia destacar-se como poucas.

 

“Madura, dizem de ti

como se estar madura 

não fosse sinónimo de doçura.” 

 

Apetecia saltar as regras da discrição 

apetecia comentar e perguntar-lhe a sorrir 

qual era a parte mais doce da sua fruta.

 

Perguntar com quem estava a sonhar 

e imaginar a resposta mais adocicada 

- A sonhar como seria viver contigo.


Sem ti não há sol

 

Dá-me um minuto de atenção 

mesmo que esse minuto se faça horas e dias

tu já tenhas há muito desligado o telefone

e eu continue a falar sem parar nem respirar. 

 

Há muito tempo que te queria dizer

que esta nossa linda aventura 

tão pouco comum, tão fora de caixa

não pode acabar só assim 

sem um último encontro, uma despedida.  

 

Sei muito bem, não preciso que repitas

que tudo tem um princípio e um fim

como há tempos que a ribeira vai cheia 

e outros que está seca sem pinga de água.

Não é por isso que o pintassilgo deixa de cantar.  

 

Quero que saibas de uma vez por todas

faminta e despida de qualquer tola autoestima 

"sem ti não há sol que me aqueça

nem pão que me apeteça".


Se queres Amor que te esqueça

 

"Se queres Amor que te esqueça 

devolve-me o amor que te dei. 

Eu só te posso esquecer  

se esquecer que te amei."

 

Anda vem para a roda dançar

manda a tristeza para bem longe 

sente o rodopio ali à volta da fonte 

e não te importes se não sou o teu par.

 

Sente de perto os odores fortes da festa 

os calores que colam a pele ao vestido 

os alertas tímidos do coração adormecido

adeus velha paixão e depois começa outra.

  

Não te esqueças que a vida é um sopro

e quando damos por ela já está de saída

não desperdices os momentos de alegria

e faz do novo romance a tua nova fantasia.


Já fui alameda

 

Leitor que nunca me vais ler

sabes é em ti que estou a pensar

é para ti que estou a escrever.

 

Escrevo sabendo quão ingrato 

é o papel do autoproclamado 

escritor anónimo e desconhecido. 

 

Como já antes escrevi não é por não ser lido 

nem saberem de mim que vou desertar

as palavras com que me levanto e caminho.

 

Hoje com um jovial e acrescido optimismo

gostaria de afirmar que não conheço

ninguém que seja feliz sozinho.

 

Não estou a dizer que não há pessoas 

que estão sozinhas e são felizes

mas eu não conheci nem as conheço.

 

Procura em cada dia a felicidade 

o carinho que faz bem e faz viver

a ternura que não tem tempo nem idade.

 

Procura o amor verdadeiro 

aquele que quanto mais se dá 

mais há para dar no armazém do coração. 

 

A amizade que como uma boa cola, 

cola tudo o que há de melhor entre nós 

cola os sentimentos e a festa da vida 

 

Sim é-se muito mais feliz 

se a felicidade for partilhada e se multiplicar.

Vale a pena manter abertas as portas da vida.

 

"Já fui alameda  

praça, largo, avenida. 

Já fui caminho, vereda 

e hoje se sou beco sem saída 

em mim tenho ainda abertas 

todas as portas para a vida"


As saudades de ti

 

Quem foi que inventou 

que a paixão faz crescer asas

e se verdade ensina a voar e sonhar?


Quem foi que escreveu 

que grata a resiliência das almas

alimenta a perfeição das palavras?

 

Quem foi que espalhou ao vento 

que o amor quando chega 

fica em nós até ao nosso último dia?

 

"Meu amor como te dizer 

que as saudades de ti 

faz-me pouco a pouco morrer."

 

São excertos e migalhas 

de um passado que se foi

que saiu de casa de mochila às costas

que partiu para não mais voltar.

 


Excertos e Migalhas (2025)

Para o livro “De mim ficam as Palavras”