Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
(Para continuar)
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
(Para continuar)
As últimas semanas serviram para se soltar
libertar-se da teia onde se tinha deixado enfiar.
Estava na varanda a fumar um cigarro e a pensar
não tinha de estar a olhar para o sentido das
palavras
para as segundas leituras das metáforas mais rudes
para as afirmações que pudessem cair mal ou magoar.
Pensar devia ser uma grande tontice, escrevê-lo ainda
mais
mas pela primeira vez na vida sentia-se nada discípulo
quer dizer não ter de estar a olhar para os efeitos
colaterais
das suas ideias, das suas dúvidas e das suas palavras.
Palavras escritas em papel, no telemóvel ou no computador.
Palavras, dúvidas ou distâncias que no final podem parar no lixo.
A imaginação tem coutos que não chegam
nem aos tornozelos maltratados do irmão.
- Com os ventos do contra clero tão fortes
quando coitados os bispos já não pensavam
no coito, no repolho repolhinho por comer.
Não podiam acoitar-se por dá aquela palha
com a freira mais tenrinha do convento
para isso até servia a macia do palheiro
não fosse o diabo tecê-las, acabar no degredo.
Como é costume o mundo mudou para pior
com essa gentalha logo a pensar que é gente.
Põem-se a inventar e a agitar os agitadores
de coutadas e das noitadas mal dormidas.
Esquecem-se que não faziam mais que andar
em grupo à procura dos ninhos de gambozinos.
Coito ou couto tão diferentes como o dia da noite
se não houver noites brancas e roxas madrugadas.
Para passar no exame de língua
pago a peso de ouro, de rara platina
andou semanas a estudar e praticar
o condicional do verbo bem fazer
ou fazer com muito prazer.
Passou com nota máxima e distinção
com uma resposta que até o professor
considerou ser um exemplo a seguir.
Sabia que se tivesses os olhos abertos
e olhasses para mim irias guardar na memória
o momento em que os meus lábios se fecharam.
Mais tarde quando visses uma fotografia desse dia
irias-te lembrar e também pensarias que ninguém
a não ser nós sabia o que a minha boca fazia.
Talvez soubesse,
mas parece que não sabia
que não devia arriscar
não devia dar um passo
maior do que a perna.
Mas queria tanto
dar um salto à canguru
que o máximo que conseguiu
foi dar um salto de caranguejo.
Para sua grande tristeza
nunca mais se voltaram a encontrar.
Meu Amor estou no aeroporto, acabei de chegar
não te disse nada porque quis fazer uma surpresa.
Sabia muito bem que não podia faltar, estar longe
estar ausente neste momento tão especial para ti.
Manda-me a morada para eu dizer ao taxista.
Acordou. Tinha adormecido no avião e teve pena
de acordar, do sonho não continuar, não se
realizar.
No dia seguinte acalentou a derradeira esperança
que na cidade da paixão o sonho fosse a
realidade.
Conclusão de quem anda há muitos anos por
aqui
e vê o que muitos outros não veem ou não querem ver.
- Não há cego maior do que aquele que o amor não deixa
ver
cego pela cegueira irracional e profunda da ilusão intelectual.
Estava a refazer o seu jogo de cintura
para de vez lhe chamar a atenção
e aos poucos ia perdendo a compostura
com ofertas de vida e asas de paixão.
Estava a rebentar pelas costuras
Com as costas e o resto à mostra
Com as coxas abertas à lua nova
prontas para encurtar as lonjuras.
Com ela e com os mistérios do amor
aconteceu esse encantamento único
cada vez que a via mais linda a achava
mais fascinante que no encontro anterior.
Para lá de todos os êxitos e alegrias
de fora e de longe não se via
o que sentia no mais fundo de si.
Mas um dia depois de muito caminhar
bastou um olhar para de vez mudar
a alma intacta do seu coração mais puro
que se fez maior para sonhar e descansar.
Como se fosse uma história de encantar
para à noite ser vivida e bem contada
encontrou quem sempre procurou
porque não perdeu a esperança que existia.
Por estar há muito tempo à sua espera
nem que fosse apenas para um toque de dedos
Um encontro, um dia que valesse a vida inteira.
Era o tempo das cigarras e das cerejas
tempo das bocas se colarem uma à outra
com a cola do néctar em flor das cerejeiras.
- As bocas se colarem sedentas e esfomeadas.
Tempo de deixar as línguas dançarem
ao som da música sensual dos desejos.
Tempo dos lábios amantes se degustarem
ao som da música doce do prazer e do licor.
O canto cigarra sedutor do acasalamento
com os lábios sedosos e o sabor do beijo
e com as almas abraçadas ao sentimento.
- O fascínio de tudo o que é o nosso amor.
Como novidade e prova de amor dizia
que devido ao seu gradual afastamento
após troca de mensagens tinham estado
à conversa ao telefone bastante tempo.
Conversa que entrou pela noite dentro.
Que teve na ponta da língua a vontade
de lhe falar do seu novo romance
mas que lhe tinha faltado a coragem
e ainda tinha pena de terem acabado.
- Queria guardar algo desse passado.
Tinha pensado em mudar de vida
ficar apenas com um novelo de fio
mas com este balde de água fria
ora toma, lá se foram os remorsos
pelo muito de errado que fazia.
Com ousadia e bom gosto não se importava de se mostrar
de exibicionista exibir-se e realçando o melhor que
tinha.
Com olhos de leigo digo, via-se que era muito e do melhor.
Segundo os livros não devia ser nenhuma Teresa de
Calcutá.
Por vezes surpreendia e excitava pela sua transparência
em sentido próprio e figurado, pela sua autenticidade.
Era tão natural e tão apelativa dos sentidos que os homens
a seguiam como se fossem abelhas de volta do mel mais doce.
As amigas gostariam de ser como ela, tinham-lhe
inveja.
Também eu teria muita dor de cotovelo se fosse sua amiga.
- Que bom seria ser seu amigo e conhecê-la mais de perto
para sem desafinar poder-lhe cantar a cancão do bandido.
2024… 2025….
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta
continuarei a escrever. Clarice Lispector
(vão continuar)
Estavam sentados no eléctrico e de forma discreta
tocavam e trocavam de joelhos, de mãos e respiração
tão discretamente que tinha de estar atento.
Não me fazer notado e observar com atenção para captar
apreender toda a íntima magia daqueles momentos
um local público sem grandes pressas, em movimento.
De janelas escancaradas trocavam de olhos e sorrisos
despiam e vestiam a alma a rebentar de felicidade
não escondiam, mostravam tudo o que lhes ia no coração.
Tive pena que saíram antes de mim e não os pude seguir
ver como caminhavam, abraçados ou de mãos dadas
beijando-se junto ao castanheiro bravo
com tempo e com vagar ou correndo
para casa dele ou dela sem tempo de esperar.
No dia de hoje o tempo já fez muitas caras
mas nenhuma é a tua, o teu rosto e o teu sorriso
o rosto lindo que Deus te deu e a vida aperfeiçoou.
Assim começava a carta que tinha encontrado no chão
tinha apanhado o envelope e aberto sem ter autorização.
Li atento e fiquei a saber da intensidade dessa paixão
Pensei que aquela carta perdida podia ter sido escrita
por qualquer um de nós, qualquer um que sente
qualquer um que sonha, qualquer um que ama e é amado.
Será que hoje ainda se escrevem cartas de amor?
Será que não passa de conversa de idoso cansado?
- Todas as vidas se escreveram cartas e mensagens
poemas e metáforas de ternura e encantamento.
São tempos de dar ao chinelo
sem isso não temos sopa
e algum conduto na mesa
ouvia dizer à minha avó, à tia Olinda
já lá vão sessenta anos.
E agora? Está melhor, mas não para todos.
Vivemos tempos de dar ao tamanco
à sandália de cortiça, andar à chinelada.
Sapato novo e chinelo velho
sapato lindo e chinelo feio
rimar apenas para desconversar.
e dar ao pedal enquanto há força.
Pasteleira para pastar, para andar devagar
a pisar ovos, a pastelar, a fazer tempo
a fazer que faz, a correr para quê?
Pôr tudo em pratos limpos na pastelaria.
Acabar por dormir sentado e de pé
a dormir deitado, inquieto de olho aberto
deitado com um verdadeiro tesouro ao lado.
E é eléctrico, imagine-se se fosse a combustão
muito fogo iria acender, apagar e de novo atiçar
incendiar o restolho, fazer arder e repetir a dose.
Diz-se que foram metros e metros de coisa dentro
e nunca declinou mais um uma boleia, uma viagem.
Hoje como ontem, como depois de amanhã
não se deve meter o bedelho onde não se é chamado.
Confundir alhos com bugalhos e sarilhos com saralhos
carvalhos e churrascos na churrasqueira de sempre.
Corno, mas manso, dos mansos com classe e filantropia
- Um coração do tamanho do mundo à venda na mercearia.
Nesta casa não há nada que se coma?
Ou que se possa beber
para enganar o estômago?
Ajudar a despertar?
Não é preciso olhar muito para ver
uma bicicleta parada no meio da sala.
Estar aqui a entreter, a pedalar
para não perder o equilíbrio
para não tombar.
Com um olho no burro
e outro na barriga à mostra
e de repente acabar por cair
com pontaria em cima dela.
Dizia: a bicicleta que ele usava era eu.
Tângera é uma laranja mais pequena
e ancora é uma tangerina maior
explicava com ar de quem sabe
por ter laranjeiras no pomar da família.
Ir à loja do bairro ou ao supermercado
era como encontrar-se com o amante
com grande arcaboiço e grande espingarda.
- Com ele sexo era mesmo para recordar.
Criticado por ter mais olhos que barriga
porque cada gaveta tinha fruta diferente
e na frutaria as prateleiras estavam vazias.
Era o caso de a procura ser maior que a oferta.
Marroquina clementina ou laranja de sangue
a doce acidez do prazer pago a prestações
de rendas pretas rendinhas vermelhas fetiche.
Com a utilização da melhor das tradições.
Não é o pão nosso de cada dia
nem dia ou noite de cada pão.
Acredita, se fores optimista
o café sabe-te muito melhor.
A blusa fica mais cremosa e mais pão
se não usar detergente, mas sabão.
Os montinhos ficam mais redondinhos
e os moranguinhos mais pontiagudos.
Quem entra no hipermercado sabe ao que vai
mas quem entra na estação não sabe quando sai.
É o que acontece quando tens um país
com autoestradas a mais e ferrovias a menos.
Em que homem ou mulher pensei?
De que país estarei eu a falar?
Dou um rebuçado a quem adivinhar
e dois a quem não se enganar.
Se o dia promete pouco, não te rales
Se o dia está a dar, deixa-o andar
Se o dia precisa de ti, faz um biscate
Se o dia não ata nem desata, dorme.
Se tens o carro avariado, vai a pé
Se a política te irrita, desliga a televisão
Se já não mandas nada, calça as pantufas
Se o teu clube te põe triste, muda de mulher.
Se a gata não mia, dá-lhe uma corneta
Se a porta não abre, entra pela janela
Se te esqueceste de beijar, aprende línguas
Se não tens emprego, vai para o estrangeiro.
Quando a loucura dos autocratas com as suas
maiorias
tomar conta do mundo e arredores e já não houver
humor
ou ironia que nos valha e nos entretenha, logo se
vê!
Clito, o negro no campo inclusivo da batalha
na promoção e arte de combater com mestria
deixava magia, razão do texto desta geografia
deixava no ar o fascínio de conquista da poesia.
Pelo grito e pelo aroma da cor, o teu clito é de ouro
mas o dela vale mais porque vem das terras raras.
Olhem o meu é negro, feito de plástico reciclado
e foi comprado em promoção na loja das bugigangas.
Clito, o Negro (375 a.C. - 328 a.C.) foi um destacado
militar do exército de Alexandre, o Grande e salvou a vida deste na grande
Batalha do Grânico (334 a.C). Seis anos mais tarde, durante um banquete em
Samarcanda e após violenta discussão, Clito foi morto pelo amigo e venerado
Alexandre (Wikipédia)
Se a memória não me deixa ficar mal
quando criança conhecia uma Teodora
era uma colega na escola primária
e coitada da menina era gozada por todos
- Olha, olha a Teodora, tanto ri como chora.
Era uma menina muito envergonhada
com sardas e cabelo comprido claro
e provavelmente tornou-se uma bela moça.
Estudou direito, fez-se doutora, advogada.
A outra, Teodora de Constantinopla
também conhecida como Teodora do bordel
foi actriz e dançarina, prostituta e comediante.
Imperatriz e esposa do imperador Justino.
Tinha talento, era formosa e inteligente
com bom senso para ela nada era urgente
mas não chegou para convencer muita gente.
Que o digam as leituras dos escritos que ficaram
da época.
Se não tivesse visitado Istambul e ter-me preparado para a
visita
teria perdido alguns detalhes que a tornaram muito mais
rica.
Digam lá se a curiosidade e o saber ocupam lugar?
2024… 2025…