quarta-feira, 26 de março de 2025

Palavras avulso e a granel


Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.

Fernando Pessoa (Ricardo Reis) 


Palavras ou distâncias

 

Hoje não bebe vinho por ser dia de comer pão.

As últimas semanas serviram para de vez se soltar

libertar-se da teia onde por gosto se tinha enfiado

porque no fundo aceita tudo menos o que não aceita.

 

Estava na varanda a fumar um cigarro e a pensar 

não tinha de estar a olhar para o sentido das palavras 

para as segundas leituras das metáforas mais rudes

para as ilustrações que pudessem cair mal ou magoar.

 

Pensar ser uma grande tontice, escrevê-lo ainda mais 

pela primeira vez na vida sentia-se sem roupas apertadas 

quer dizer não ter de estar a olhar para a sujidade do cais 

das amarras das suas ideias e dúvidas, das suas palavras.

 

Sabia bem que até a pé a lua viria para estar no lançamento.

Pensa no passado, vive o presente, mas olha também o futuro

palavras escritas em papel, no telemóvel ou no computador.

Palavras, dúvidas ou distâncias que no final vão parar ao lixo. 

Repolhinho

 

A imaginação tem coutos que não chegam 

nem aos tornozelos maltratados do irmão.

- Com os ventos do contra clero tão fortes 

quando coitados os bispos já não pensavam 

no coito, no repolho repolhinho por comer.

 

Não podiam acoitar-se por dá aquela palha

com a freira mais tenrinha do convento 

para isso até servia a macia do palheiro 

não fosse o diabo tecê-las, acabar no degredo.

 

Como é costume o mundo mudou para pior

com essa gentalha logo a pensar que é gente.

Põem-se a inventar e a agitar os agitadores 

de coutadas e das noitadas mal dormidas.

 

Esquecem-se que não faziam mais que andar 

em grupo à procura dos ninhos de gambozinos.

Coito ou couto tão diferentes como o dia da noite 

se não houver noites brancas e roxas madrugadas. 

Talvez soubesse

 

Talvez soubesse, mas parece que não sabia 

que devia ouvir os ensinamentos dos mais velhos

que não devia dar um passo maior do que a perna. 

 

Mas a nova Pandora queria tanto experimentar

dar um salto à canguru que como estava escrito

o máximo que conseguiu foi um passinho de caranguejo.

 

Para a vida que não perdoa ficou a grande certeza 

de que nunca mais se voltariam a encontrar. 

Amantes a afastarem-se um do outro a correr.  


Há muito se sabia, se havia alguém que merecia um poema 

pensava logo na sua lua que deu tudo e nada pediu em troca. 

Pensava na deusa quase grega, cálida musa meia meteca.

Condicional

 

Para passar no exame de língua

pago a peso de ouro, de rara platina

andou semanas a estudar e praticar

o condicional do verbo bem fazer

ou fazer com muito prazer.

 

Passou com nota máxima e distinção  

com uma resposta que até o professor 

considerou ser um exemplo a seguir. 

 

Sabia que se tivesses os olhos abertos

e olhasses para mim irias guardar na memória

o momento em que os meus lábios se fecharam.

 

Mais tarde quando visses uma fotografia desse dia

irias-te lembrar e também pensarias que ninguém

a não ser nós sabia o que a minha boca fazia. 

Cegueira

 

Meu Amor estou no aeroporto, acabei de chegar 

não te disse nada porque quis fazer uma surpresa. 

Sabia muito bem que não podia faltar, estar longe 

estar ausente neste momento tão especial para ti. 

Manda-me a morada para eu dizer ao taxista.

 

Acordou. Na viagem tinha adormecido e teve pena 

de acordar, do sonho não continuar e acabar bem. 

Na manhã do dia seguinte ainda acreditou no milagre 

que na cidade da paixão o sonho fosse a realidade. 

 

Conclusão de quem anda há muitos anos a remar por aqui 

e vê o que muitos outros não veem ou nem querem saber. 

Não há maior cego que aquele que o amor não deixa ver 

cego pela cegueira irracional e profunda ilusão intelectual. 

- Histórias de quando se é inspiração, mas não se interessa.

Encurtar lonjuras


Estava a refazer o seu jogo de cintura

para de vez lhe chamar a atenção 

e aos poucos ia perdendo a compostura 

com ofertas de vida nas asas da paixão.

 

Estava a rebentar pelas costuras

Com as costas e o resto à mostra 

Com as coxas abertas à lua nova

prontas para encurtar as lonjuras. 

 

Com ela e com os opacos mistérios do amor

aconteceu esse encantamento sem parceria

de cada vez que a via mais bela lhe parecia 

mais fascinante do que do encontro anterior. 

A vida inteira

 

Para lá de todos os êxitos e alegrias 

de fora e de longe não se via 

o que sentia no mais fundo de si.

Dizia, nem tudo o que brilha é ouro.

 

Mas um dia depois de muito caminhar 

para mudar de vez bastou um olhar 

a alma intacta do seu coração mais puro 

que se fez maior para descansar e sonhar.

 

Como se fosse uma história de encantar

para à noite ser contada e ainda melhor vivida

encontrou aquele que quem sempre procurou 

porque não perdeu a esperança que existia.

 

Por estar há muito em viagem pelos caminhos 

aceitou o desafio do seu novo destino

nem que fosse apenas para um toque de dedos. 

Um encontro, um dia que valesse a vida inteira.

Tempo das cigarras

 

Era o tempo das cigarras e das cerejas 

tempo das bocas se colarem uma à outra 

com a cola do néctar em flor das cerejeiras. 

- As bocas se colarem sedentas e esfomeadas.

 

Tempo de deixar as línguas dançarem 

ao som da música sensual dos desejos.

Tempo dos lábios amantes se degustarem

ao som da música do vento doce e do licor.

 

O canto cigarra sedutor do acasalamento 

com os lábios sedosos e o sabor do beijo

e com as almas abraçadas ao sentimento.

- O fascínio de tudo o que é o nosso amor.

Lá se foram os remorsos


Devido ao sentimento de proximidade crescente 

e como prova do seu amor dizia-lhe a verdade  

que após troca recente de mensagens, os dois   

estiveram uma imensidão de tempo ao telefone.

 

Conversa que entrou pela noite dentro

e que teve na ponta da língua a vontade 

de lhe anunciar do seu novo romance 

mas não o quis magoar sem necessidade.


Ele tinha pensado em mudar de vida

ficar apenas com um novelo de lã

mas com este balde de água gelada 

ora toma, lá se foram de vez os remorsos. 


O amigo sabia, aceitava e até os ajudava na logística 

mas o dançarino não podia saber da sua nova dança.

Grande interpretação do baile ao melhor estilo de valsa. 

A mágoa passou e o ciúme também, já não faz comichão.

Exibicionista


Com ousadia e bom gosto não se importava de se mostrar 

de exibicionista exibir-se e realçando o melhor que tinha. 

Com olhos de leigo digo, via-se que era muito e do melhor.

Segundo os livros não devia ser nenhuma Teresa de Calcutá. 

 

Por vezes surpreendia e excitava pela sua transparência

em sentido próprio e figurado, pela sua autenticidade. 

Era tão natural e tão apelativa dos sentidos que os homens

a seguiam como abelhas à volta da flor do mel mais doce.

 

As amigas gostariam de ser como ela, tinham-lhe inveja. 

Também eu teria muita dor de cotovelo se fosse sua amiga.

- Que bom seria ser seu amigo e conhecê-la mais de perto

para sem desafinar poder-lhe cantar a cancão do bandido.

 

2024… 2025…. 

Palavras do eléctrico ou o eléctrico das Palavras

 

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta

continuarei a escrever. Clarice Lispector


Sentados no eléctrico

 

Estavam sentados no eléctrico e de forma discreta

tocavam e trocavam de joelhos, de mãos e respiração 

tão sorrateiramente que eu tinha de estar atento.

 

Não me fazer notado e poder observar com atenção 

apreender toda a íntima magia daquele momento 

em local em movimento sobre os carris da emoção.

 

De janelas escancaradas trocavam de olhos e sorrisos 

despiam e vestiam a alma a crescer da felicidade

e não escondiam o fogo que lhes ia no coração.

 

Tive pena que saíram antes de mim e não os poder seguir 

ver como caminhavam, abraçados ou de mãos dadas 

beijando-se com tempo junto ao castanheiro bravo

ou apressados para casa dela sem um minuto a perder.


Encontrado no chão

 

No dia de hoje o tempo já fez muitas caras 

mas nenhuma é a tua, o teu rosto e o teu sorriso

o rosto lindo que Deus te deu e a vida aperfeiçoou.

 

Assim começava a carta que tinha encontrado no chão 

tinha apanhado o envelope e aberto sem autorização

li atento e fiquei a saber da intensidade dessa paixão

 

Pensei que aquela carta perdida podia ter sido escrita 

por qualquer um de nós, qualquer um que está vivo

qualquer um que sonha, que ama e se sente amado.

 

Será que hoje ainda se escrevem cartas de amor?

Será que não passa de conversa de velho cansado?

Haverá sempre quem escreva a ternura de um sonho!

Dar ao chinelo


São tempos de dar ao chinelo 

sem isso não temos sopa 

e algum conduto na mesa 

ouvia dizer à minha avó, à tia Olinda 

já lá vão sessenta anos. 

 

E agora? Está melhor, mas não para todos.

Vivemos tempos de dar ao tamanco 

à sandália de cortiça, andar à chinelada

e dar ao pedal enquanto há força nas pernas.

  

Pasteleira para pastar, para andar devagar 

a pisar ovos, a pastelar, a fazer tempo 

a fazer que faz, a correr para quê?

Na pastelaria pôr tudo em pratos limpos.

 

Acabar por dormir sentado ou de pé 

a dormir deitado, inquieto de olho aberto 

deitado com um verdadeiro tesouro ao lado

e rimar apenas para desconversar a beber o café. 

Combustão


E é eléctrico, imagine-se se fosse a combustão 

muito fogo iria acender, apagar e de novo atiçar  

incendiar o restolho, fazer arder e repetir a dose. 

Por gestos perguntar, tem motor ou tenho de trocar?

 

Diz-se que foram metros e metros de mar adentro 

e nunca declinou mais uma viagem de barco. 

Mas hoje como ontem como depois de amanhã 

não se deve meter o bedelho onde não se é chamado. 

 

Confundir alhos com bugalhos e sarilhos com saralhos 

carvalhos e churrascos na churrasqueira de sempre. 

Ave rara, mas das mansas com classe e filantropia 

um coração do tamanho do mundo à venda na mercearia.  


Aqui não se encomendam pedras do arremesso 

nem tão pouco aquela história merece este soneto.

Nesta casa

 

Tinha chegado o tempo de lembrar e de escrever 

sobre a linda lua de maio em flor que iluminou

e brilhou em junho e julho, meses e muitos anos 

que paciente não desistiu até fascinar e seduzir.


Era impossível ficar-se indiferente com a visão

a imagem dos cabelos soltos, longos e loiros

que caiam em cascata sobre os ombros 

e se espalhavam pelo tapete feito cama.


Nem um barbeiro dos antigos de bata azul 

com creme de sabão e pincel faria melhor.

Nem um pêlo esquecido ou teimoso por ali.


Amigo, cuidado com os joelhos 

para que não fiquem muito esfolados

de tanta prece, de tanto ajoelhar.


Afinal, nesta casa alugada não há nada 

que se mastigue para enganar o estômago 

que se possa comer e ajudar a despertar?


Não coma tudo, deixe uma fatia para depois.

Quase sempre é tarde demais para se voltar 

ao sítio onde se foi feliz, onde foi bom acordar.  

Tângera pequena


Tângera é uma laranja mais pequena 

e ancora é uma tangerina maior 

explicava com ar de quem sabe 

por ter laranjeiras no pomar da família.

 

Ir à loja do bairro ou ao supermercado 

era como encontrar-se com o amante 

com grande arcaboiço e grande espingarda.  

- Com ele sexo era mesmo para recordar.

 

Criticado por ter mais olhos que barriga 

porque cada gaveta tinha fruta diferente 

e na frutaria as prateleiras estavam vazias.

Era o caso de a procura ser maior que a oferta. 

 

Marroquina clementina ou laranja de sangue 

a doce acidez do prazer pago a prestações 

de rendas pretas rendinhas vermelhas fetiche. 

Com a utilização da melhor das tradições. 

Ferrovia a menos

 

Não é o pão nosso de cada dia 

nem dia ou noite de cada pão.

Acredita, se fores mais optimista

o galão sabe-te muito melhor.

 

A blusa fica mais cremosa e mais pão 

se não usar detergente, mas sabão.

Os montinhos ficam mais redondinhos

e os moranguinhos mais pontiagudos.

 

Quem entra no hipermercado sabe ao que vai

mas quem entra na estação não sabe quando sai.

É o que acontece quando tens um país 

com autoestradas a mais e ferrovias a menos.

 

Em que homem ou mulher pensei?

De que país estarei eu a falar? 

Dou um rebuçado a quem adivinhar 

e dois a quem não se enganar.

Logo se vê

 

Se o dia promete pouco, não te rales

Se o dia está a dar, deixa-o andar

Se o dia precisa de ti, faz um biscate

Se o dia não ata nem desata, dorme. 

Se tens o carro avariado, vai a pé 

Se a política te irrita, desliga a televisão 

Se já não mandas nada, calça as pantufas 

Se o teu clube te põe triste, muda de mulher. 

 

Se a gata não mia, dá-lhe uma corneta 

Se a porta não abre, entra pela janela 

Se te esqueceste de beijar, aprende línguas

Se não tens emprego, vai para o estrangeiro. 

Quando a loucura dos autocratas com as suas maiorias  

tomar conta do mundo e arredores e já não houver humor 

ou ironia que nos valha e nos entretenha, logo se vê! 

Clito, o Negro


Clito, o negro no campo inclusivo da batalha

na promoção e arte de combater com mestria

deixava magia, razão do texto desta geografia

deixava no ar o fascínio de conquista da poesia. 

 

Pelo grito e pelo aroma da cor, o teu clito é de ouro

mas o dela vale mais porque vem das terras raras.

Olhem o meu é negro, feito de plástico reciclado

e foi comprado em promoção na loja das bugigangas.

 

Clito, o Negro (375 a.C. - 328 a.C.) foi um destacado militar do exército de Alexandre, o Grande e salvou a vida deste na grande Batalha do Grânico (334 a.C). Seis anos mais tarde, durante um banquete em Samarcanda e após violenta discussão, Clito foi morto pelo amigo e venerado Alexandre (Wikipédia)


Teodora de Constantinopla


Se a memória não me deixa ficar mal

quando criança conhecia uma Teodora

era uma colega na escola primária

e coitada da menina era gozada por todos  

- Olha, olha a Teodora, tanto ri como chora.

 

Era uma miúda muito envergonhada 

com sardas e cabelo comprido claro

e provavelmente tornou-se uma bela moça.

Estudou direito, fez-se doutora, advogada.  

 

A outra, Teodora de Constantinopla

também conhecida como Teodora do bordel

foi actriz e dançarina, prostituta e comediante.

Imperatriz e esposa do imperador Justino.

 

Tinha talento, era formosa e inteligente 

com bom senso para ela nada era urgente

mas não chegou para convencer muita gente.

 

Que o digam as leituras dos escritos que ficaram da época.

Se não tivesse visitado Istambul e ter-me preparado para a visita

teria perdido alguns detalhes que a tornaram muito mais rica.

Digam lá se a curiosidade e o saber ocupam lugar?

 

2024… 2025…