segunda-feira, 23 de março de 2009

METÁFORAS DO QUE FOI - PALAVRAS DO QUE NĂO É


"Não posso adiar o coração." António Ramos Rosa


1.   Os Gatos e as Palavras
2.   Miguel Hernandéz na Fronteira Portuguesa
3.   As Pedras do Taller Literário
4.   Talleres de Poesia da Nicarágua
5.   Talheres Leite e Safo
6.   A Minha Cidade e Outras Histórias
7.   Havana Fidel e o Antigo Testamento
8.   Napalm Rima com Vietnam
9.   Margarete e Milena de Praga
10. O Descanso de Deus e a OPA do Céu
11. Stálingrad a Poesia e Stálin
12. Em Atenas com o Péter
13. Che Camilo & Budapeste
14. Sofia de Sófia e Outros Álibis
15. Nelson Mandela – Amangla!
16. A Cabeleireira o Pintor e a Fronteira
17. Notícias de Londres: Dogmas e Revolução
18. Clara Blanca Alba
19. Auschwitz: 2 Toneladas de Cabelo da Endlösung
20. Amiais de Baixo e o Arcanjo S. Miguel


Budapeste, Outubro de 2007 – Março de 2009
(Projecto: As Palavras Continuam)

OS GATOS E AS PALAVRAS


“Eu não tenho gato, mas se tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morressse”
António Gedeão

1. Na casa dos meus pais sempre tivemos gatos.
Ainda hoje é assim. Um deles dormia a sesta
numa das pernas das calças enquanto o meu pai almoçava
no tempo em que as calças da farda de cobrador
eram suficientemente largas para abrigar um gato adulto.

2. Mais tarde esse mesmo gato adoeceu
e morreu em dois dias. Eu tinha onze anos
a minha irmã inconsolável chorava. Morávamos
na Portela das Padeiras andava no Liceu
e o meu pai já era emigrante em França.

Assim como único homem da família
fui eu que com uma pequena enxada abri a cova
onde enterrei o gato morto numa caixa de sapatos.
Foi ao fundo da horta do feijão verde e dos tomatais
das couves e dos repolhos das cenouras
salsa e alface que a minha mãe cultivava.

3. Foi com Neruda que comecei a procurar os gatos
na poesia deve ter sido em Outubro de 1974.
Continuei com Pessoa e com Eugénio de Andrade
e foi assim com António Gedeão – Poema ao Gato –
tão pessoal e do mais comovente que li em verso.

4. Antes quando ainda viviamos nos Amiais
em frente moravam os meus avós e no verão
mais quente a melhor sombra era a da parreira
das parras grandes que ligava as duas casas.

Estava o gato agarrado ao tronco quando a Lurdes
e o Joaquim José meus vizinhos se lembraram
de puxar os bigodes e o rabo ao bichano.

Ao contrário da fama de rabos de gatas e da má-língua
na verdade o pudor é levado muito a sério
a auto-estima. A vítima daquela afronta fui eu. Grande
rebuliço a correr para o doutor Fialho o médico da aldeia.

Tive muita sorte. O meu olho esquerdo não ficou escuro
porque as unhas atingiram apenas o branco do olho.

5. Nos anos da revolução e da militância para que o sol
brilhasse aqui na terra para todos – pensávamos nós –
entrava em casa todos os dias já alta madrugada.

Tinhamos um gato que como dizia a minha mãe
só lhe faltava falar. Todas as noites me esperava à entrada
do prédio encostava-se às minhas pernas com o rabo alçado
recebia umas festas à porta da casa e esperava o interesseiro.
Todas as noites uma rodela revolucionária de chouriço

6. E havia o Zé Gato era guarda-redes do rival Benfica
para gato era pequeno mas entre os postes um enorme campeão.

7. Anos depois em Budapeste numa rua perto da residência
havia um bar chamado Fekete Macska (Gato Preto).
Estive lá muitas vezes com o Barry da Guiné-Conacry
e às vezes sózinho ou mal-acompanhado. Como estava perto
da cama podia abusar e abusava com frequência.

Foi ali entre copos de cerveja e copinhos de aguardente
que comecei a série do Gato Preto. No verão seguinte
o Zetho convenceu-me a publicar em edição para amigos.
“Até que um belo dia, pegámos num certo gato preto,
e atirámo-lo a rua. Foi em Setembro,
menos de um mês depois, morria a minha mãe, lembras-te?”

8. Mas em Budapeste minha única cidade adoptiva
mais do que pretos eram azuis verdes louros castanhos
eram gatas gatinhas claras que faziam tão bem à vista
ao coração. Era tão bom poder passar-lhe a mão pelo pêlo.

9. Durante 20 anos de amor e em siléncio
sem poesia recriei as minhas verdadeiras palavras.

A minha cachopa sabe muito de rebentos
filhos e flores mas não lhe falem de animais domésticos.
Numa ocasião de ronron e mimos de gato
dizia-me que quando era pequena pensava
que o cão era o pai a gata a mãe e o ratinho o filho.

Anda dizem que não se pode reescrever a história
e a luta de classes não dar lugar a uma atípica família feliz.

10. Nas férias grandes quando as minhas filhas
ficavam mais tempo em Portugal a Anna Melinda
era o terror dos gatos dos avós. Durante as semanas
em que elas estavam só apareciam de fugida para comer.
Para os pobres gatos o mel era bem amargo e de linda
só o nariz arrebitado sem arranhões daquele diabinho.

11. O Miguel na já longa dinastia felina recebeu
com justiça o cognome de Príncipe solidário da família.
Não havia gato abandonado que não levasse
para casa para o quintal dos avós. Foi assim durante anos.

Na minha própria casa nunca tive nem gatos nem cães
mas talvez o Picas acabe por nos convencer.
Poder partilhar o luto as saudades do gato do Chocolate
do seu único amor bruscamente interrompido
numa rua de Santarém atravessada em hora de má-sorte.

MIGUEL HERNÁNDEZ NA FRONTEIRA PORTUGUESA


1. Quando muitos anos depois fiquei a saber
por um livro que me trouxeram da Galiza
que já no final da guerra civil Miguel Hernández
do lado de cá da fronteira portuguesa
tinha sido preso pela polícia política de Salazar
e entregue à guardia civil de Franco.

Senti uma vergonha e uma revolta
uma tristeza e uma impotência sem limites.
Ainda hoje me sinto em dívida profunda
para com o poeta do país vizinho.

Miguel nasceu em 30 de Outubro de 1910
era escorpião como eu sou e quando morreu
na prisão de Alicante ainda não tinha
a idade com que Cristo do povo foi crucificado.

2. Dizem-me que se perdeu
um táxi nos teus olhos
porque a noite estava escura
e na rua os candeeiros pűblicos
dos seixos estavam todos fundidos.

Que os teus olhos castanhos
retocados de luar tão comum
como o cão fiel do nosso amor
eram as pinhas mansas mais lindas
nas margens frescas do teu caniçal.

Mas eu não sei caseiro de barro
da planície privada da casa de electricista 
na tristeza plural da Península
do corpo sentimento translúcido
agora que seco o rio vazio
inunda as terras as areia do infortúnio.

Se é verdade o que escreveram no muro
que ao contrário do que diz o vento
não foram os teus dedos
que me abriram os lábios secos
com ofertas de morangos inteiros
e pedacinhos de carícias diluídas na boca.

3. “Con la boca cubierta de raíces.”
Miguel Hernández

Não! O nosso não foi amor
à primeira promessa literária
do nosso próximo encontro.
Foi antes do dia mais claro
quando pacientemente tu sabias
que há já muito que esperava por ti.

AS PEDRAS DO TALLER LITERÁRIO


1. Tenho uma pequena pedra polida
no fogão-de-sala da minha casa
onde está escrito kő-kurá
oferta do Carlos aliás Tito Rodríguez
na festa surpresa dos meus 50 anos.

Com amigos fiz parte de um taller literário
camaradas exilados do Chile um do Uruguai
e um irmão do Perú. Ali era o único
latino que representava um outro idioma.

Kő-Kurá e uma revista com o mesmo nome
pedra em húngaro e adaptação
fonética de pedra em mapuche.
Tito era a alma do taller e o tipógrafo!

2. Repeti mil vezes depois do sonho
da ousadia e alguma libertinagem
antes do amor abraçar outros ventos
madrugadas intensas que não queria
partilhar-me com a poesia
com a ilusão de não ser imortal.

É tarde demais eu sei
mas tenho de confessar
sempre que me encontro
nas palavras que escrevo
nas metáforas que recolho
deixo aberto todo o meu coração.
O desejo mais intímo foi esse
era de ter sido apenas poeta.

3. Era assim tu vinhas descalça
e começavas a despertar me lentamente
sem eu saber a sonhar contigo
que não tinha fechado a porta do quarto
que fazias com o dedo en tus labios rojos.

Sinal para não fazer barulho
para não despertar a cobiça dos vizinhos
a suspeita do novio tan buena gente.

Era assim eu comia te sem têmperos
tu mais adulta mais vivida comias me
e acabávamos tremendo de frio com medo
de não haver futuro nem cheiro a alho e hortelã.

Incenso e alecrim a arder no quarto
de saudade com a porta fechada por dentro
e a escuridão permanente da tua ausência.

TALLERES DE POESÍA DA NICARÁGUA


1. Tenho um livro Antologia – Talleres de Poesía
documento essencial de uma experiênçia única
a poesia cultivada em oficinas organizadas
para jovens gente simples poetas populares.

Sobre esta aventura escreveu-se:
“por primera vez se han socializado
los medios de producción poética.”
Poeticamente assim até soa muito bem.
É menos prejudicial e mais dificil que a dita
a colectivização dos meios de produção.

A Nicarágua a Revolução Sandinista
fez parte do meu itenerário romântico-
-libertário de um mundo melhor para todos.
Doce ilusão. Sei muito bem. Pura ilusão.

2. No “Ciclo das Palavras” com 82 textos
vários foram dedicados à Nicarágua
ao Comandante Zero Eden Pastora
à Comandante Dois Dora María Téllez
ao poeta e sacerdote católico Ernesto Cardenal
à cidade de Esteli e a outros momentos
dos avanços e recuos no cerco libertário a Somoza.

Os três há muito que optaram pela dissidência activa
por coerência e em ruptura com o sandinismo oficial.

3. “Me contaran que estabas enamorada de otro
y entonces me fui a mi cuarto
y escribi ese artículo, contra el gobierno
por el que estoy preso.” Ernesto Cardenal

A palavra para alisar a madeira do corpo
estrutura ambulante da madrugada serena
para serenar e desenhar os nós e contra-nós
as saliências da alegria das amendoas de ontem.

Se para o fado as palavras seriam:

- Já tinha nas mãos o passado
quando esqueci o perfume do teu nome
que levava as flores do anoitecer 
até ao cais do dia mais claro.

4. “Dora María
la aguerrida muchacha
que hizo temblar de furia
el corazón del tirano” Daisy Zamora

Na demarcação do tempo
quando os lobos da cidade
as noites brancas adormeciam

havia uma mão faminta
que inquieta se afundava no lodo
quente na bela mulher do povo.

TALHERES LEITE E SAFO


"Colares atei para o terno
pescoço de Átis; os perfumes
nos cabelos, os óleos raros” Safo

1. Dizia Daniel dos seus longos
cabelos louros e barba à patriarca
contava com um sorriso malandro.

Maria outra vez? É o sétimo?
Senhora que possa eu fazer
a mim basta-me lavar
as cuecas do meu Juan.

2. Coleccionava ferros a lenha
saiotes de todas as cores
e saias com pregas curtas.

Gratuita repartia fraterna
mamicas com leite meio amargo
sítios brancos de muito alimento.

3. Um jovem dos talleres da Nicarágua
o soldado instrutor Jose Manuel Aguirre
falava da descoberta dos poetas
Roque Dalton Ruben Dario da poetisa Safo.

Não sei se dela terá lido o excerto do resto
do que ficou da perseguição obscura da igreja
“Se o meu peito ainda pudesse dar leite
e o meu ventre frutificasse” teria gostado?

4. Deixem passar as vacas
que vão para a ordenha
dar leite aos meninos
levam cheias as tetas.

5. É a única mercadoria com mercado
vende o leite que traz nos peitos
genuíno na origem sêlo de qualidade.

6. Talher não é colher
de trigo limpo farinha amparo
como o leite em pó
amparado no consolo
no vale pós-pasteurizado
das vacas ao dispôr
dos vaqueiros famintos.

É o garfo e a faca
ao serviço da barriga
das barriguinhas unidas dos povos
dos alimentos comprometidos
com a verdade da poesia.

7. Tocam ao de leve nos seus seios
demoram sobre a costa rugosa dos mamilos
bebem com gosto o café no leite morno.

A MINHA CIDADE E OUTRAS HISTÓRIAS

    
1. Tenho tanto para fazer
que não me chegam nem as noites.
Três filhas para acompanhar ao altar.
Um filho last-minute com quem aprendo a ser
bombeiro mecânico de automóveis e limpa-chaminés
canalizador fura-paredes de berbequim em punho.
Tanto para fazer que nem tempo tenho de morrer.

Nesta Budapeste-amante cidade dos meus amores
e também de muita desilusão lá em casa já sabem
que um dia quando acabar que metade das cinzas
seja lançada ao Danúbio e a outra metade
espalhada pelo mar da Nazaré perto das areias
ondei dei os primeiros passos da minha vida
que partida fluvial do destino me fez recriar.
Chegar a outro cais tão longe do mar de Pessoa.

2. Fresca e formosa fazia como se fosse tímida
caminhava servia entre as mesas
como quem sózinha dançava o mundo
sorria e dançava como servia.
Entre fumo e mesas parecia ela se refrescava.

Teresa empregada de mesa
fugia da exclusão urbana
na grande cidade onde nasceu
orfã precoce de mãe solteira
casou-se jovem sem boda
entre a sede de pertencer
no milagre do primeiro amor
e a fome partilhada dos tapetes 
que sentia serem seus
na desejo de ser feliz.

Já depois do fecho fumou o primeiro cigarro
do dia seguinte limpava o balcão e as mesas
arrumava as cadeiras com pressa de ir para casa.
O patrão não descansava a mulher desconfiava.

3. Há uns anos atrás por causa
do negócio das telecomunicaçôes
de visita a Budapeste conheci László.

Português com cabelos brancos húngaros
mais que os meus de um húngaro que fala melhor
a língua de Camões que a língua do pai
apoiante convicto da monarquia
e origem na antiga aristocracia magyar.

Bem eu que nasci humilde numa pequena aldeia
do Ribatejo revolucionário quando jovem
ganhei o hábito de a 5 de Outubro lhe esccrever
por e-mail Viva a República!

Racionalmente nenhuma premissa indicaria
mas é por não sermos blackberry computador
sem coração sem sentimentos e sem razão
que partilho uma bela amizade com o László.

4. Tributo aos Hubay:

Lembrar a porcelana antiga de saber
as saudades do pai peregrino da tarde
aceitar a sorte e o destino viver
dessa linda metáfora do vento norte.

A viagem do amor com final feliz
no fogo perene da neve do seu país.
E a paixão se fez rei se fez princesa
milagre de vida Ó rosa portuguesa!

De barcos e ilhas pátrias e mitos
campos de milho searas de trigo do pão
celeiro do império altar dos povos
mãos de pedra nas memórias da solidão.

Secreta a alegria na sedução primeira.
Sim na tentação da luz do vosso olhar!
Sabem há festa na quinta da ribeira
das acácias com junquilhos a cantar.

Diz aos filhos do jardim magiar
do palácio antigo da família junto ao rio
e leva a boa nova de ser deste povo
cantar neste mar os fados por inventar.

HAVANA FIDEL E O ANTIGO TESTAMENTO


1. Havia um pano
que pendia da fachada
de uma velha casa renovada
restaurada para a revolução
pintada de muito cor-de-rosa
devia ser na Havana antiga.

Eu sentado em frente do ecrã
à espera do jantar colectivo 
no apartamento do Baleal
no dia 13 de Agosto de 2006.

Um pano onde se lia
Viva Fidel 80 más!

2. Ainda que o desejo se cumpra
mesmo assim não chega às sandálias
dos Profetas do Antigo Testamento
mais maduros e mais vintage
como Matusalém que viveu até aos 995 anos
contados com a tabuada da época
e Noé que foi pai com a idade de meio milénio.

Por vintage não sei se Catherine terá tido
algum affaire com o sedutor Fidel.

Sei que com o aproximar do fim
não basta afirmar que é o ópio do povo
acreditar nos milagres de Deus
se é da cocaína acreditar na eternidade
nas profecias dos Profetas
na hora em que se volta a ser cinza
que o vento espalha pelo vermelho dos céus.

3. O Comandante do assalto ao Moncada
da aventura da Sierra e da entrada triunfal
em Havana no Primeiro de Janeiro.

O Fidel Castro do mundo que veio a seguir
- sempre são 50 anos não são cinco dias -
o general com o seu uniforma garbo-rigoroso
das tentativas falhadas da CIA
da medicina e da educação para todos
do el Paredón e a prisão de tantos
apareceu várias vezes jovem barbudo
vestido de revolucionário de verde oliva.

4. Lembrei-me de novo das azeitonas
quando andava no rabisco
com a minha mãe e a minha avó
como as levavam ao lagar
os garrafões na loja de terra batida
a amentolia de onde o azeite escorria
que me fazia recordar os mouros míticos
que me faz lembrar as histórias da Bíblia
contadas aos domingos na catequese.

5. Recuperei da memória partes de um texto
com quase 30 anos – teria Fidel 50.

- Não não é o grelo oleado da Clarisse
que podia ter sido a primeira namorada
da minha vida mas preferiu o Zé Adrião.

São os grelos tenrinhos bem azeitados
escolhidos um a um pela ti’Alice
entre potes de azeite barris de água-pé
e alguidares com bacalhau demolhado.

É o erotismo molhado e comido a dois.
no pratinho azul riscado do pão de milho

NAPALM RIMA COM VIETNAM


1. Eram vestígios de escamas viscosas da cobra
sintomas do agressor feitos víbora e serpente
das tetas pendentes e ressequidas da cabra
sem pingo de leite e a dormir da aguardente.

As flores livres nas raízes podres da terra
caíam abandonadas no perfume do napalm
bombas lançadas pelos pássaros da guerra
sobre os braços e os olhos do povo do Vietnam.

Depois das ideias da renovação dos mastros
dos barcos afundados eu nem sei a claridade
que devo retirar aos dias dos textos mais antigos
metáfora que devo escrever para libertar a cidade.

Ao fundo do jardim sobre a mesa de pedra capitel
morrem viúvos sente-se o cheiro da dor na noite.
Junto as forças com os crisântemos de Brel
que chegam com a esperança de limão verde.

Disse adeus à luz da rua e não trouxe
Ho Chi Minh que ilumina as bruxas velhas
os fantasmas malditos da quimíca desfolhante
pernas partidas de gafanhotos de almas negras.

2. Morreram 5 milhões de vietnamitas
a grande maioria civis inocentes.
Perdoar talvez esquecer nunca!

Nem que o Nobel da Paz Heinz aliás Henry
falcão da morte no Vietnam Chile e Argentina.
se pinte de pombinha oliveira branquinha.

Será por acaso que napalm rima com Vietnam?
Ou é a má-sorte amarela do agente laranja
e a exportação ilegal da democracia com bombas?

Cantava nua para mim quando linda se banhava
- a esperança é a última a morrer
porque é imortal como a vida.
O pensamento e os sonhos que nos liberta.

3.“CREPÚSCULO

No rebolo dos montes a espada dos ventos se afia.
Um frio de lâmina atravessa a carne dos maciços.
Soa ao longe um sino … Apressa-te peregrino!
A criança recolhe o búfalo soprando a flauta.” Ho Chi Minh

MARGARETE E MILENA DE PRAGA


1. “Oui, tu es l’avenir, la grande aurore
qui point des plaines de l’éternité.”
Rainer Maria Rilke. (Trad. Maurice Betz)

Escondi-me no silêncio
na carruagem vazía
das ranhuras do teu corpo
depois da merecida festa
de aventuras jovens
e bebedeiras visuais.
Da escrita arriscada
nas palavras sensuais
tão do interior do frio
no templo de Deus ausente.

E ninguêm soube de mim
da emboscada furtiva das dálias
do tempo lamparina solitária
até à noite mais sombria
quando finalmente descobriram
e a vieram buscar em matilha.

Lobos nem o nome me perguntaram
não era suspeito ainda não era pecado
acordar todas as manhãs
a sonhar com a insubmissa
a traidora da raça a inimiga do povo.

2. Um dia disfarçei-me no silêncio
com vergonha de ter sido crente
e ter acreditado na verdade dita cientifica
que o comunismo o futuro libertaria.
Hoje estou em paz com a minha consciência.

Há um abismo de finisterra de ruptura
definitiva com os dos lenços encarnados
e de enfrentar os das camisas castanhas
contra quem estive sempre contra.

Já não preciso de máscaras das metáforas
rebuscadas com medo de ser excomungado.
Queimei atrás de mim todas as pontes
que me pudessem levar aos rios das ditaduras
ou às margens dos que em nome do realismo
político e dos interesses estratégicos da nação
estão sempre dispostos a pactuar com a morte.

3. Poderia com o pudor de não ter vinte anos
a vida à minha procura procurar no café Milena
de Praga a linda Maléna da sonolenta Castelcuto
na Itália de Mussolini e do fim do regime
que aos rapazes desejos e sonhos desperta.
Que ainda hoje Monica Bellucci mais bela
do feitíço faz crescer cabelos aos calvos
e enfeiticar maduros sejam brancos ou tintos.

4. Poderia pensar e escrever de Helena
de Esparta não de Tróia do seu príncipe
encantado coração de contrabandista.
Páris em perigo raptor de amada princesa
Helena de pai certo e duas mães incertas
que o amor mesmo perseguido não morre.

5. Mas trata-se de Milena Jesenská
Milena de Praga militante anti-fascista
casada umas vezes divorciada outras tantas
famosa por ter sido tradutora e paixão de Kafka
presa pelas víboras da gestapo em 1939
e que morreu em 17 de Maio de 1944
no campo de concentração de Ravensbrück.

6. Recordar Margarete Baber-Neumann
comunista alemã exilada em Moscovo
sete anos prisioneira primeiro de stálin no Gulag
de Karaganda depois com base em artigos secretos
do pacto molotov-ribbentrop entregue pela nkvd
aos ss de hitler. Passou cinco anos em Ravensbrück.

Sobreviveu à morte e foi até ao último dia da sua vida
em Frankfurt - 3 dias antes da queda do Muro de Berlim -
porta-voz da pequena minoria na denúncia do totalitarismo
que não tinha acabado com a derrota da Alemanha
contra a performance da propaganda perfeita
melhor que as mentiras mil de goebbels e do nazismo.

7. “e banho-me de suor, e tremo toda
e logo fico verde como as ervas,
e pouco falta para que eu não morra
ou enlouqueça” Safo

Pela ilusão dos nossos sonhos expessos
estenderam um lençol de pano forte
na húmida rua das pétalas pequenas
na cave habitada pelo pai e pelo povo.

Humilde era intenso o cheiro dos goivos
das rosas casas de dedos coladas com cuspo
uma criança que na madrugada não dormia.

8. “Eu agradeço ao destino de me ter conduzido
a Ravensbrück porque assim pude encontrar Milena.”

Margareta quase não resistiu à morta da sua amiga
que sentido a vida sem Milena diria após a libertação.

9. Em Karaganda em Ravensbrück:

Prisioneira enfraquecida
trabalha e produz menos
com ração reduzida
recebe menos comida
fica ainda mais fraca
mais doente trabalha menos.
A escrava do estado
recebe menos pão menos caldo
exausta fica mais fraca
até se extinguir.

Se perde o estado
os braços da condenada
se perde a siemens
a mão-de-obra mais barata
do mercado de trabalho
ganha o estado a dobrar
uma inimiga viva a menos.

10. Nos olhos dança em jeito de entrega
ausente uma bailarina de mar quase nua
entre marés vazias dizem à hora certa.

As espigas com sal grosso na fresta
crescem no peito entre carícias e lágrimas
postigo nocturno na praia-mar da sua ferida.

A bailarina cansada abandona-se na tarde
longe as mãos ajeitam-se ternas ao perfume
silêncio guardadado no abrigo do silêncio.

O DESCANSO DE DEUS E A OPA DO CÉU


1. Pelas paróquias dos simples
muitos dos novos apóstolos
apregoam a contenção a água da torneira
mas não se cansam de beber
vinhos-prime das melhores colheitas.

O mercado é genialmente formatado
por providenciais deuses-gestores
e a verdade aceita-se não se questiona.
Quanto mais liberalismo melhor.

2. Pelo que dizem do Reino do Paraíso
a eternidade não começa nem acaba
com a primeira democracia e o postulado
do novíssimo testamento mais virgem
e mais sagrado da economia perfeita
liderada pelo CA da sociedade anónima.

Se assim fosse seria de esperar uma OPA
hostil e com o céu privatizado
os accionistas de referência
donos disto tudo teriam a garantia
da felicidade eterna ficando as outras alminhas
todas à porta à espera do TGV
para o purgatório ou o inferno. Safa!

3. Que pena não saber escrever
textos poéticos refazendo artigos de jornal
com as metáforas do futebol e rimar
alquímia financeira com engenharia estatal
capitalização bolsista com a demagogia social
esperar uma bom prato e ser eleito do povo.

4. Até Deus que é Deus Pai de todos os deuses
à semelhança dos homens que o sonharam
de tanto trabalhar se cansou
e ao sétimo dia já depois de ter criado Adão
- a tentação original do prazer e do pecado -
Deus descansou. Porque a Deus o que é de deus
e a César o que é de césar. Recordo.

5. Por fim em nome de Cristo o poema de Villon*
a diluir na lava as imagens proibidas
pela inquisição castradora da Santa Igreja.
Um boi morto sacrificado como se carneiro
no ritmo do jogo da roleta do casino

nos sabonetes ensaboados da escalada
aos corpos às arreatas do macho
- o traseiro belo e peludo da fêmea.

A nós que somos burros ibéricos de estimação
conforta saber que foi montado num burro
que Jesus entrou na cidade santa de Jerusalém.

* “Je suis pecheur, je le sçay bien;
Pourtant ne veult pas Dieu ma mort
Mais convertisse et vive en bien”

STÁLINGRAD A POESIA E STÁLIN


1. A Batalha de Stálingrad a vitória esmagadora
dos soldados da Grande Mãe Rússia sobre o exército
invasor foi o princípio do fim da barbári nazi.
Foi o início do longo pesadelo para muitos povos.

2. “Et Stáline pour nous est présent pour demain
et Stáline dissipe aujourd’hui le malheur
la confiance est le fruit de son cerveau d’amour”. Paul Éluard.

Quando estive na URSS 25 anos depois da morte de Stálin
visitei o Cáucaso a Ussétia do Norte subimos e descemos
as altas montanhas da região como nunca voltei a fazer na vida
num autocarro muito velhinho com uma foto muito velhinha.

Escavado na rocha duma montanha estava um desenho
gigante do Pai dos povos que se via a muitos kms de distância.

No autocarro a foto não era de Nossa Senhora ou Coração
de Maria era do Generalíssimo o Zé dos Bigodes recordo
foi desenhado por Picasso. Só não foi expulso do PCF
porque fez a sua purificadora auto-crítica redentora.

A liberdade a mais dos artistas trouxe sempre problemas!

3. O criminoso soviético da Geórgia pode no inferno
ficar descansado. A ingenuidade de acreditar em castigo igual.
Não! Na terra redonda dos engenheiros das almas
dos arquitectos da mistificação e da mentira não acredito
que na terra dos vivos alguma vez seja possível à história
de o condenar como fez com o seu irmão-inimigo
o criminoso nazi da Austria. Filhos da mesma puta.

Até porque Stálin morreu como grande vencedor
depois da bandeira hasteada no Reischtag.
Hitler foi de vitória em vitória até ao suicídio à derrota final.
Sabe-se da história que os vencedores
e os vencidos não recebem nunca tratamento igual.

4. “Stalin alza, limpia, construye, fortifica
preserva, mira, protege, alimenta,
pero también castiga.
Y este es cuanto queria decirlos, camaradas:
hace falta el castigo.” Pablo Neruda

Poeta do Chile só de ler dói até ao coração!
Hoje de Stálin com o que se sabe
contra Stálin não se pode apenas escrever
com palavras com metáforas da poesia.

A grande pena é que o guia da humanidade
o jovem poeta e seminarista não se ficou
pelo seminário não continuou poeta
não se fez sacerdote como queria a criada sua mãe.

5. Zbrodnia Katyńska – o Massacre de Katyn
20 mil pessoas o absurdo de tantos anos
para que a verdade fosse finalmente apenas verdade.
A cegueira quase colectiva de tantos
- nem Roosevelt nem Churchil acreditavam.

Em 5 de março de 1940 os membros do politburgo
do PCUS: Stálin, Molotov, Vorochilov e Beria,
- ausentes Kalinin e Kaganovitch apoiaram a decisão -
assinaram a ordem de execução dos "nacionalistas
e contra-revolucionários" polacos. Parte da elite do país.

6. Às qualidades divinas de Stálin seguiu-se o silêncio
a obediência e o medo a submissão e a renúncia
o terror ilimitado e gratuito da tcheka gpu nkvd kgb.
Era o cinísmo na sua perfeição máxima
fazer precisamente o contrário do que era declarado.

7. Quis apenas escrever para mim estas verdades vulgares
para pelo menos por omissão não ficar cumplice do crime.

EM ATENAS COM O PÉTER


1. Viajava com a Lufthansa para Frankfurt destino Munster
com um ambíguo sentimento de preocupação e algum alívio
interrogava-me do motivo de ter permitido a quase falência
- de tão endividada - da minha liberdade da minha dignidade.

Quando não se está só nesta passagem linda mas curta
o pão é o mais importante e não só para os mais pobres
respondia para me justificar para me acalmar. Aí mesmo
decidi que de tantos sapos tantas rãs teria de vomitar.

2. Ouvia e via e não acreditava. Ali na cidade de Atenas
a negação brutal da matemática sem a mínima vergonha.
0 vezes 0 não era = a zero era igual a opus-dei da ilustre
cadeira do novo CEO - pai do sol e mãe da luz pensava.

3. Ao vivo nunca vi um Jacques tão tonto e tão vulgar
um de la Palisse - será que o chairman prefere la Palice?
Têm mais charme mais classe de palacete? - como o barrete
comum a cuspir postas de pescada e baboseira a toda a hora.

4. Se o copo têm pouca água então não está vazio
e se não está vazio até pode estar cheio de coisa nenhuma.
Em caso de dúvida digam ao PM para ligar cá ao Péter!

5. Ali estava vergado pela vergonha do açoite público
por não ser sector privado toupeira de pasta preta gravata azul
mais os sapatos por engraxar as horas de perder tempo
toupeira nos pisos menos do imponente hotel intercontinental.

6. Eu ia pensando na Marta de comboio para Munster
com Eszter para a operação há longos meses marcada.

7. Péter nosso guia maior - não Coreia do Norte do Líbano -
à grego pagou-nos a todos um excelente typical-lunch-almoço.
De restaurantes já devia saber que não há almoços gratuitos
faltava a sobremesa os pratos por lavar. A dolorosa?
Foi paga com um cartão dos impostos dos contribuintes.

8. No tempo livre que nos ficou até à hora da partida do avião
com três amigos – Pedro Ernesto e Carlos – demos um belo passeio
por Atenas e ainda tivemos tempo de ir a Acrópole com guia local.

9. O lábio da minha Martinha ficou perfeito e ela ainda mais bonita.
Custa a acreditar mas passei mais frio em Munster que em Moscovo.

10. Se há deus e deve haver pelo que me diz convicto o grilo
da consciência do Pinóquio que pedi emprestadoao velho Gepeto
se há deus mesmo com cartão de platina e duplo password
do santo ofício deveria saber que milagre o Pai não dorme.

11. Mr. Piėrre rien ne vas plus rien ne vas plus senhor do nada
talvez um dia o Deus de todos – plebeu e colectivo –
diga para que finalmente seja cumprido. Por mais pequeno
que seja o camelo não vai caber no buraquinho da agulha.

12. Dizia para mim de cabeça baixa um dia vou voltar
só para dizer que estive ali sem este falso profeta do século XXI.
Estive em Atenas milenar sem aquele PLM-cherne de piscicultura.

13. Na cidade da matemática do amor à sabedoria e de Sócrates
que só sabia que nada sabia das maiorias nas praças da cidadania
sentia o cheiro do nosso grande péter. A merda da sua alquímia.