Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta
continuarei a escrever. Clarice Lispector
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta
continuarei a escrever. Clarice Lispector
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Les yeux cherchant le ciel mais le cœur mis en terre
Meu bicho-da-seda, minha lagarta da amoreira
que se faz a mais bela das borboletas
e em ti representa a vida, o fim e o renascimento
o feio feito feitiço da beleza ou precisamente o contrário.
Da vida ontem da vida sempre, vida nunca e vida eterna
no baixo-relevo do teu copo abaixo e acima em tudo
na vertical, na horizontal e nas escadinhas do bairro
ou no tapete voador, de paraquedas para-quedistas
- Borlistas e carteiristas, vigaristas e feiticeiras...
Na autoestrada da chuva
nas curvas e contracurvas do vento
no cruzamento tardio da noite
na acalmia da tempestade
na estação para recomeço do novo dia
no apreço comovente na praça do nosso reencontro.
Nunca é tarde para tentar como se fosse a primeira vez
Nunca é tarde para voltar a errar se é a mando do
coração
Nunca é tarde para voltar ao local onde tudo começou
Nunca é tarde para chorar o passado e soluçar o futuro.
Para deixar o coração em terra e apanhar o avião
Levar consigo os olhos, o olhar do mundo nos teus
olhos
Cantar o passado e agradecer o futuro - a minha gratidão.
Do princípio ao fim do mundo
do século perdido, a algazarra
não abrandava e o apara-lápis
não parava de ser emprestado
por vezes trocado por um beijo.
Cães e as gatas já estavam habituados à confusão
a alfazema e o alecrim não espantavam ninguém
nem o alfarrabista da esquina que não vendia
não se desfazia de nenhum dos seus melhores livros
- que faria se não os tivesse à mão para os desfolhar.
Os bailes do bairro acabaram et les lilas sont morts
os sindicatos perderam o pio e os trabalhadores
amoucharam
sentados no chão de pernas cruzadas à espera do
milagre
mas temos os jovens como ontem hoje também não se
calam
- é do futuro deles que escrevia e cantava o arménio
Aznavour.
Em Montmartre de Paris do antigamente
eram pobres, ele passava fome e ela posava nua
sentia-se em tudo a liberdade, decadência e liberdade
que bem precioso é viver democracia num país livre
sem perseguição - num país do decadente ocidente.
"La chair des femmes se nourrit de caresses comme
l'abeille de fleurs."
Anatole France
Aquarela e a tinta dos seus olhos
a doce conspiração das suas coxas
com a flanela nocturna dos seus braços
e a água morna dos seus lábios
Quando os beijo para saciar a sede.
Cortiço mel das flores da sua serra
com a cobiça do fascínio maior
da planície lunar do seu olhar
com a cotovia ou confraria do amor
Para não me esquecer e te esperar.
Cadeira onde tanta coisa boa ficou por fazer.
Bagageira onde ainda hoje a quero guardar.
Com uma cerveja à frente dizia
- Se é pecado se de vez em quando
me descuidar e beber um pouco a mais
que mau seria nunca ter sido moço.
Se me distrair a olhar aquela ilha vistosa
ao lado sentada e pensar noutros tempos
dar asas de avioneta à imaginação
é não temer a régua de castigo e educação.
Se é pecado cuidar e regar essa rosa
para lhe dar cor e não a deixar murchar
como é deixar-se envolver pelo seu perfume
com ela se perder e em silêncio florescer.
Dizia Pedro Homem de Mello e Amália
tão bem cantava quando iam a Viana
- Os pecados têm vinte anos
e os remorsos têm oitenta -
O pecado (i)mortal mora na guloseima
e cresce no gosto e na certeza
do bem que faz pelo melhor que sabe.
E pelas vidas que nos
traz de volta.
Prefácio
Na manhã desse dia lavei-me e vesti-me
arranjei-me, tratei da pele com mais cuidado
valia a pena, sabia bem por que o fazia.
Talvez tenha deixado a pele sem defesa nenhuma
mas sabia que a tua pele na minha a iria proteger.
Sabia que não seriam os teus beijos ardentes
os teus dedos e os lábios que a iriam maltratar.
Na manhã desse dia saí de cedo de casa
o coração estremecia e quase me saia do peito
estava ansiosa, sentia muito impaciência.
A única certeza que tenho é que vacilava de receio
se seria um sorriso, um abraço, um beijo forçado.
Felizmente perto de ti sempre perdia o medo
e vi abrir-se o céu, vivi a paixão do nosso amor.
Posfácio
Desatentos não se deram conta
que o seu tempo passou
e se foi para não mais voltar.
A pele parece que secou
e fez-se um deserto sem oásis
sem fonte nem areia molhada.
O coração a lenha dos corações
esse continua a arder feito fogo
até se fazer cinza e depois vento.
Recordar a terra húmida da margem do rio.
Mundo que já não é o nosso e depois nada.
Para António Rosas
Esta noite a minha intenção é fazer um breve relance pelo
erotismo
e algumas liberdades da classe operária e dos seus
representantes
no Portugal da primavera marcelista antes do 25 de Abril
libertador.
- Aquele é o padrinho, não é o afilhado famoso dos
selfies
que foi primeiro comentador referência da televisão
e depois S.E. O Presidente da República Portuguesa…
Era o magusto e jeropiga de São Martinho na fábrica de
fiação
e houve quem tenha se acelerado mais do que devia
ultrapassou a barreira do pudor e alguma timidez recalcada.
Depois do almoço voltou-se ao trabalho, mas uma das
operárias
no corredor menos iluminado fez-lhe uma espera
inesperada
- Não gostas? É tudo para ti! Bata no chão blusa aberta sem
soutien.
- Porque se acabava duas três vezes por semana pedia-me fio
eu fazia-lhe sinal para subir ao terceiro andar à sala dos
rolos
onde nos enrolávamos ouvindo as máquinas a trabalhar.
Era ali para os lados do Martim Moniz quando as
fábricas
ainda funcionavam em pleno centro da cidade
- O prazer operário e não apenas ser explorado pelo patrão.
Tenho andado de volta revendo Almada Negreiros
com o Manifesto Anti-Dantas, 1915, e a Taca de chá*.
Recordando: As Banhistas, 1925, A Sesta, 1939,
O Retrato de Fernando Pessoa, 1954 ou o meu favorito
Art Déco, Estudo para uma Decoração de Teatro,1929.
*”Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar
por entre os bambús,
e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um
leque de marfim.”
Preâmbulo: Se Almada visse a pose e a roupa colada ao
corpo
- Uma segunda pele da jovem mulher por baixo da gabardine -
esta tarde na paragem do eléctrico... eu fiquei com a
sensação
que teria escrito rápido e certeiro, dizendo em voz
alta:
Eléctricos do mundo libertem-se! Sejam uns fora de
caixa
saltem dos carris, não aceitem a escravidão fixa dos
horários.
Parem, façam greve para que aprendam, chega de brincadeiras.
Com os condutores dos eléctricos não se brinca nem a
brincar.
Assim tinha tempo podia observar mais uns minutos
sem a ver desaparecer ou ter de se apressar, entrar a
correr
para a continuar a ter aquela visão mais algumas
paragens.
Não estava sozinho naquela observação de admiração.
Segundo preâmbulo: descobri Almada na minha adolescência.
O nosso primeiro encontro foi com o Manifesto
Anti-Dantas
declamado por Mário Viegas. Se fosse hoje, 110 anos
depois
estou convencido que o título seria: Manifesto
Anti-Ventura.
Ultimamente tenho jogado com a ideia-provocação de pensar
- Qual seria a sensata-opinião do wokismo sobre Almada?
Será que seria queimado na fogueira da inquisição wokista?
As pestanas postiças, falsas eram mais compridas
que a mais curta das pontes sueco-dinamarquesas
distante da Groenlândia que Trump tramposo quer dominar.
Os lábios carnudos, espalhafato a mais de tão inchados
quase caiam da boca e deixavam os dentes à mostra.
Os seios tão esticados nem quatro mãos chegariam
para os cobrir e esconder e proteger do mau olhado
que do silicone já não havia nada a fazer.
Não teria mais de 20 anos e antes de se industrializar
em plástico e afins deve ter sido uma miúda jeitosa
agora está feito um armazém de plástico. Feita um plástico.
Uma carroçaria que não precisa de bate-chapas
Mecânico de amortecedores e assentos para assentar o dito.
Não há tempo para recriar a história sacana da palha
seca
se faz um bom colchão porque se tem de limpar a palha
que tem no rabo, rabo de palha na ponta da navalha.
O primo californiano veio à Hungria visitar a família.
É uma jóia de pessoa
e apesar de ali ter nascido há quase 70 anos e nunca aqui
ter vivido
sente-se húngaro e não esqueceu o idioma que aprendeu com os
pais.
Foi o primeiro, o idioma que se falava em casa, o
inglês aprendeu na rua
com as outras crianças e na escola, onde no
início sentiu algumas dificuldades.
O pai, Andor, órfão criado pelos tios, a convite de um
famoso professor húngaro
de quem era discípulo, em 1939 com 32 anos foi para os
Estados Unidos.
A mãe, Margit foi em 1950, depois de ter passado 5
anos num campo de refugiados
Na Áustria. Falava 8 idiomas e era a tradutora. Tinha vinda
da Jugoslávia
de uma região habitada sobretudo por húngaros e alemães,
perto da fronteira
da cidade universitária de Szeged, a Coimbra da Hungria,
cidade onde nasceu.
O pai era um abastado industrial têxtil, húngaro, mas com
nome alemão.
Com o aproximar do fim da guerra, o avanço dos
partisans de Tito
e do Exército Vermelho, tiveram de fugir, deixando tudo
para trás.
O pai era há muito um entusiasta, grande colecionador de
selos
selos que durante aqueles anos austríacos os ajudaram a
sobreviver.
Na América os húngaros casadoiros eram informados
quando chegava um barco da Europa com jovens húngaras.
Foi assim que Margit e Andor se conheceram e se
casaram
namorando entre Pasadena, Los Angeles e S. Francisco.
Após várias tentativas, nasceu Tibor e o médico disse
- Este bebé precisa da sua mãe, não tente nem mais uma
vez.
Esteve cá este fim-de-semana e é sempre muito bom estar com
ele.
Comove ver como se emociona a falar dos pais, das suas
raízes húngaras.
Está do outro lado do Atlântico e pensa como nós sobre
o mundo
sobre a América de hoje. Estivemos a ouvi-lo com
atenção
a aprender, por isso é primo californiano e não primo
americano.
Neste momento já está na Índia, vai até aos Himalaias.
A última vez que passou por Budapeste
ofereci-lhe um cachecol do Sporting
comprado quando do jogo com o Estoril (5-1).
Com ele enviou uma fotografia do
Kilimanjaro.
Continuação de boa viagem Tibor!
2024 - 2025