Sob o meu coração
e na profundidade da minha cintura
está a crescer uma rosa vermelha
Forough Farrokhzad (1934 - 1967)
Sob o meu coração
e na profundidade da minha cintura
está a crescer uma rosa vermelha
Forough Farrokhzad (1934 - 1967)
Ele esteve cá hoje?
Sim, tu sabes que sim.
Fizeram amor? Sim.
Fizemos como sempre fazemos.
Olhou-a nos olhos e o convite era tão forte.
- Anda, é a nossa vez, vamos lá para cima.
Nesses momentos era outro, transformava-se.
Nada se comparava àquela introdução.
Amaram-se sofregamente, gulosamente
como se depois não houvesse amanhã.
Chegou a dizer que nada o excitava mais
do que imaginar que sua amada mulher
ia para a cama, deitava-se mais vezes
com o seu melhor amigo do que com ele.
Era bom ter com quem partilhar o prazer.
As noites frias eram fogo, fogueiras a arder.
Havia anos em que o meu amante
fazia de carro mil e oitocentos quilómetros.
- Conduzia à vez com o meu marido -
para vir matar as saudades que tinha de mim.
Vinha porque sabia que seria bem recebido
como um dos melhores amigos de toda a família
ao jantar seria o primeiro a ser servido.
Sabia que eu também estava à sua espera.
O amor se verdadeiro é entrega.
Ele fazia todos aqueles quilómetros
para passar comigo duas ou três noites
e fazer do nosso verão um rio de paixão.
Depois despedia-se com o coração cheio
voltava feliz contando os dias que faltavam
para o meu regresso e o nosso reencontro.
Para o mundo que era o nosso a três partilhado.
Para continuar os estudos deixei a aldeia e fui para a
cidade
para um quarto alugado com uma prima da minha idade.
Vivia pertinho do liceu e de uns velhos amigos dos meus
pais
de quem, em toda a minha meninice, apenas ouvi dizer bem
do prestígio, ele advogado e ela médica, um exemplo a
seguir.
As poucas vezes que os vi guardei a imagem de um par
perfeito
de um casal muito bonito e alegre, de gente culta e simples.
Como criança pensei "quando for grande quero ser como
eles".
Várias vezes me convidaram a lanchar em casa deles
e depois para ir estudar e fazer os trabalhos de casa
porque lá estava mais sossegada e concentrada.
Estudava primeiro na cozinha e depois na biblioteca.
Foi ali que os meus jovens pensamentos voaram, sentia-me atraída
pelos seus cabelos grisalhos, o sorriso aberto, a sua voz
melodiosa.
O sentimento crescia em mim, em demasia para a tenra idade
e apesar de não ter ideia nem noção do que poderia vir
a seguir
na minha fértil imaginação via que os meus sonhos eram apreciados.
Estava escrito, as coisas aconteceram como tinham de
acontecer.
No divã, entre livros, deixei de ser menina e tornei-me uma mulher.
Apesar dos seus remorsos, ali ou no meu quarto continuamos
a fazer.
Foi com ele e as nossas tardes, que depois da dor descobri o
prazer.
Por falta de cuidado, como quase sempre acontece, fomos
apanhados
e para evitar males maiores eu tive de mudar de terra, mudar
de ares
mas o escândalo foi elegantemente abafado. Foi por isso que
eu emigrei.
Nos primeiros meses da minha emigração o meu trabalho
foi tomar conta de uma menina pequenina enquanto os
pais
trabalhavam, saíam ou estavam em casa, mas sem tempo
para se ocuparem com a filha. Eram os dois arquitectos
e viviam numa das melhores zonas dos subúrbios da
capital.
Eu era uma miúda acabada de chegar, uma moça ingénua
mas estava cheia de vontade de me integrar e de aprender
a ser moderna, eu que vinha de um meio
tão pequeno
e tão atrasado em relação àquela
cidade tão cosmopolita.
Sentia-me deslocada e insegura, mas nunca tive jeito
para baixar a cabeça, esconder os olhos e talvez
por isso
o senhor arquitecto começou a olhar-me com mais
atenção
e com os cuidados devidos, os olhos foram conversando.
O meu quarto era no rés do chão ao lado da sala do duche
e numa manhã enganou-se na porta e entrou no meu quarto.
Fechou-a atrás de si, pôs o dedo na boca e sorriu-me
cúmplice
como quem diz, não digas nada, não faço mal, não tenhas
medo.
Aproximou-se da minha cama e começou a acariciar-me
a beijar-me o cabelo, a boca, a descer pela minha pele
com os dedos, com as mãos e eu sem saber o que fazer.
Estava toda arrepiada e excitada, gostava, mas tinha medo
com um sentimento estranho do que estava a acontecer comigo.
Nem me perguntou se podia, mas recebi-o com um suspiro
contido.
Fez-me sinal que não podia gritar ou gemer em voz alta
para não acordar a esposa, haver confusão e ficar
zangada.
E foi assim durante semanas. Eram poucas as manhãs
que em silêncio não viesse tomar o duche ao meu quarto.
Com o que sei hoje estou convencida que a mulher
sabia
o incentivava a continuar e talvez desejasse
participar
- Teria sido aquilo que os franceses chamam ménage à trois
mas acabou por não dar esse passo, não me quiseram
assustar.
Nesse verão depois do regresso das férias mudei de trabalho.
Estava à experiência a trabalhar num
restaurante da periferia
e como estava no país há pouco tempo ainda não sabia
que aos domingos era menor a frequência dos
autocarros.
Pelo próximo tinha de esperar mais de uma hora e pensei
que o melhor seria pôr-me à boleia, talvez tivesse
sorte.
Ao fim de um tempo parou um carro,
um senhor de certa idade
que me perguntou para onde é que eu queria ir, o meu
destino.
Depois de ouvir disse que me levava, mas antes
tinha de parar na casa
que estava a renovar, mas que não me preocupasse, chegava a
tempo.
Não me quero fazer de coitadinha ou para mim tanto faz
mas a verdade é que acabamos com ele em cima de mim
numa sala com as paredes pintadas e as janelas
acabadas
com as nossas roupas amarrotadas a servirem de colchão.
Já mais limpos e arranjados levou-me ao trabalho
e quando acabei o meu turno ele estava à minha espera.
Nos dias, meses seguintes continuamos a encontrar-nos
a viver a vida, a levar-me a locais onde nunca imaginei
entrar.
Ele era um homem charmoso com muitos amigos importantes
como pude constatar, com hábitos especiais e surpreendentes
a forma como conviviam entre si, elas e eles e quem os
tivesse a ver
- Clubes muito discretos e reservados onde tudo podia
acontecer.
Com a minha inexperiência podia ter caído fundo no
poço
na tentação do deslumbramento, da ilusão do mundo fácil
mas foi ele que depois de me mostrar como seu novo troféu
me protegeu, não me deixou submergir, não me deixou afundar.
No fim, para me legalizar até se ofereceu para
casar comigo.
Estou-lhe grata, mas ainda hoje sinto que fui abusada por
ele.
Os versos e os reversos da minha vida e outras histórias por contar.
Professor de matemática de liceu era um pouco mais novo que
eu
e foi o homem mais bem-posto e mais bonito com quem estive.
Na gaveta das minhas memórias, o começo da nossa
história
foi dos momentos mais ardentes e apaixonantes da minha vida.
Estava a atender um cliente e senti que fora alguém me observava
olhei de forma discreta para ver quem era, mas ele já tinha
entrado.
Como nesse dia estava sozinha, esperou a vez de ser
atendido.
- Desculpe, mas eu não quero comprar nada, entrei para lhe
dizer
já me esqueci quando vi uma senhora tão formosa e tão
elegante.
Só por si valeu a pena ter parado nesta pequena e delicada
cidade.
A paixão não foi longa, mas aquele belo-homem bem cheiroso
na estratégia triunfante da sedução era um verdadeiro
campeão.
Quando a magia passou, custou aceitar o fim do romance da
loja
mas não havia volta a dar e fui em frente, fui eu que tomei
a decisão
de acabar e não aparecer no nosso discreto hotel à saída da
cidade.
Fiquei num parque de estacionamento a fazer tempo de ir para
casa.
Ainda me telefonou a perguntar e a pedir explicações
mas ao saber a razão ficou tão ferido na sua autoestima
que nem amigos ficamos. Nunca mais soube nada dele.
Com a minha melhor amiga, ela divorciada e livre e eu
casada
e com filhos, em vários anos no verão passamos uns dias
juntas.
Apenas as duas como se eu fosse solteira e sem prole como
ela.
Uma vez no país vizinho o nosso alojamento era uma cama de
casal.
Durante a noite de forma espontânea como fazia com o meu
marido
encostei-me e ela tímida acariciou-me o peito e os seios, a
barriga
beijou-me suavemente o pescoço como se soubesse que era o
mimo
das ternuras que eu mais adorava e excitava. A maravilha
aconteceu.
Nesse dia, nas manhãs e noites que vieram. Umas férias de
loucura.
Nos anos seguintes continuamos as escapadinhas, a paixão secreta
de duas amigas apaixonadas, mas eu continuei a preferir
homens
e a nossa linda aventura acabou. A amizade também. Não
resistiu.
Demorei muito tempo a esquecê-la e anda hoje
penso nela.
A mais ousada das minhas histórias de amor
a mais bonita foi com um jovem universitário
quase quinze anos mais novo do que eu.
Começou com o seu lindo olhar fixo em mim
e como durou tanto tempo, quando findou
com o que sabia, parecia ter a minha idade.
O jogo de o seduzir de permitir os seus avanços
de desmontar e saltar as barreiras físicas e morais
dos preconceitos da idade e porque conhecia a família
de o termos feito à frente de todos sem ninguém notar
e com a arte mais discreta que se possa imaginar.
Ali, em que todos sabiam de todos e tudo se sabia
foi o maior desafio-paixão que me aconteceu na
vida.
Foi o jogo mais maravilhoso que jogadora joguei
as melhores jogadas de sedução, de sexo e desejo.
A banda filarmónica a tocar, as pessoas a dançar
a algazarra das crianças e da juventude e nós ali
perto
perdidos e achados na festa, no esplendor do prazer.
Por muitos anos que viva nunca me vou esquecer
nem nunca deixarei de estar grata ao meu marido
que entrava connosco e subia para o outro quarto
cedia a sua cama e entregava a esposa à paixão
à energia inesgotável do seu jovem amante.
Ainda hoje me escreve "Lembras-te
de vez em quando, ainda te lembras de mim?"
Tonto, como te poderia eu esquecer!
Estava depois dos cinquenta e sentia-me bem, achava-me
bonita
não tinha pressa de ser idosa antes de tempo quando solidária
a vida me ofereceu mais uma prenda, uma nova
oportunidade.
Deu-me a conhecer um homem com um H grande.
Era mais velho uns bons anos, mas com uma
pedalada...
- Se fosse ciclismo seria o portador do maillot jaune
du Tour.
Os nossos encontros eram como se fossem cronometrados
tínhamos três horas à disposição até o meu marido
voltar.
Três que me sabiam a trinta e resgatavam todos os meus sonhos
que me sabiam a pouco tal a intensidade, o ritmo do seu
pedalar.
Se aprendi tanto com ele na cama, que dizer da sua sabedoria?
- Abriu-me a cabeça como ninguém antes dele tinha
feito.
Como ele me transmitiu conhecimento, cultura e
filosofia!
Eu tinha a nítida sensação de que ele sabia tudo e de
tudo.
O meu mestre na cama, na cultura e no meu conhecimento.
Numa das nossas tardes de amor por uns ciúmes
infundados
decidiu castigar-me, deixou-me pendurada e não apareceu.
Eu estava à sua espera com a minha lingerie mais ousada
de mulher que sabe o que quer, que o iria excitar ainda
mais.
Sem o meu mestre a casa ficou vazia em tarde vestida de
solidão.
Devido ao meu orgulho ferido não nos voltamos a
encontrar.
Ficaram as saudades e o seu lugar reservado no meu
coração.
Se um dia de surpresa bater à minha porta vou deixá-lo
entrar.
Há muito que sou uma mulher casada com um homem maravilhoso
- O meu ombro perfeito, meu defensor primeiro,
o meu porto de abrigo.
- Motor do meu elevador social, país de acolhimento,
meu melhor amigo.
Meigo e cuidadoso, ternurento e tolerante, é o meu
eterno apaixonado.
Durante dez anos tive uma vida partilhada: à tarde
era do meu amante
de noite e madrugada era do meu marido. Para
mim foi natural viver assim.
Muito pouca gente soube desse filme da minha vida e se
souberam
Foi porque lhes disse ou eram vizinhos e todos os dias viam
o carro ali parado.
Recordo como se fosse hoje, a primeira vez com os dois
em casa
à hora de deitar. Estava na cama e o meu marido
disse-me
- Não queres ir para cima ter com ele?
- Gostaria, mas tu não te importas?
- Sabes bem que não, que para mim o que conta é a tua
felicidade.
Foi talvez a noite mais intensa que passei com ele, o meu amante.
O amor a três acabou há muito tempo, mas a amizade ficou
e ainda hoje
Foi amor à primeira vista, ao primeiro, segundo e terceiro
olhar.
A história de amor e da paixão pelo homem da minha
vida
conta-se num episódio uma frase que está presente na
minha alma
como se ele tivesse dito esta manhã depois do
nosso primeiro beijo.
Eram as primeiras semanas, na época que quem namorou
nunca esquece
quando o amor pede cada momento, todos os
momentos, todos os dias
mas ele pelo seu trabalho teve de se ausentar durante quase
duas semanas.
Quando regressou segurando-me as mãos e olhando-me
como só ele sabe
disse-me: Meu Deus já me tinha esquecido como és bela,
deslumbrante!
Ainda hoje fico comovida e vêem-me as lágrimas aos
olhos.
Serei a sua namorada e mulher, a sua amante e amiga.
A sua companheira até ao último dia, última hora
da minha vida.
Budapeste, 2024-2025
Para o livro “De mim ficam as Palavras”