sábado, 27 de outubro de 2018

AS PALAVRAS CONTINUAM




Editora PRAE, Budapeste, 2018

Copyright c 2018, Joaquim Pimpão (Pedro Assis Coimbra)

Projeto editorial
Daniel Levente Pal
Capa e Projeto Grafico
Zsolt Székelyhidi
Editoração Eletronica
Zsolt Székelyhidi
Revisão, organizacao
Ferenc Pal
Fotografia/Desenho
Marina Krasnitskaya e Dorjan Shabani
Impressão e Acabamento
Multiszol Bt.


Outono das Palavras (2015 – 2017)
Acerto de Contas com as Palavras (2012 – 2014)
Sal das Palavras (2011 – 2012)
Histórias da Lua e Outras Palavras (2010 – 2011)
Mais Palavras (2010)
Metáforas Urbanas (2009)
É para ti a Poesia (2008 – 2009)
Palavas a Luz (2007 – 2008)
Fados Destinos e Algumas Palavras (2007 – 2009)
Metáforas do que foi – Palavras do que não é (2007 - 2008)



Pedro Assis Coimbra



                                   Marina Krasnitskaya

Uma introdução quase íntima

De nomes falo e de pessoa
Ferenc Pál

Como leitor assiduo e tradutor de Eca de Queiros e de Fernando Pessoa, estou acostumado a pseudonimos e heteronimos, pois aquele criou, em companhia com Antero do Quental o Fradique Mendes, poeta erudito e viajado e este, entre os heteronimos, o Alvaro de Campos que tinha uma existencia tao ficticiamente real que confundia mesmo a Ofelia que devia conhecer Pessoa bem e de perto.

Passei por semelhante confusao quando se me revelou que o simpatico poeta, Pedro Assis Coimbra (PAC), cujo livro de poemas li e reli anos atras por incumbencia de uma editora na
fase de dar uma forma a esse volume, como organizador do mesmo, este Pedro Assis Coimbra nao existia ou era apenas como uma mascara detras da qual se escondia durante lustros
o meu velho amigo que conhecia bem e de perto  Joaquim Pimpao, o diretor do ICEP/AICEP.

Aquando esta revelacao e a leitura dos poemas, o esmalte oficial  que compete a um diretor (quase) diplomata que e conselheiro economico da Embaixada de Portugal em Budapeste  comecava a abrir fendas como o barro a secar no sol e por detras assomou-se tudo aquilo que no decorrer de longos anos ficava oculto pelos bastidores: aquele rapaz cheio de vivacidade, boemio e alegre que conheci ha umas boas quatro decadas.

Lembro-me ainda hoje aquela noite quando o nosso saudoso embaixador Sandor Argyelan convidou a jantar, a mim e a um jovem magro e destro que se distinguia entre os bolseiros portugueses estudando na Hungria, com os olhos vivos, escura barba espessa e fala veloz que requeria uma atencao reforcada na conversa com ele.  Este jovem que ja entao tinha ares donjuanescos e ja parecia poeta, casou-se depois, e como pater familias responsavel criou os seus quatro filhos e talvez apenas os mais intimos dele sabiam daquele maco de papeis a crescer nas gavetas que guardavam seus poemas. 

E eis que chegou o momento quando  convidado novamente a organizar e preparar para edicao um livro de poemas cheguei a conhecer esta outra cara do meu amigo, outra cara que intui decadasatras e submergia neste mundo poetico cujas amostras ja entrevi ha uma decada com o nome de Pedro Assis Coimbra. Mas agora de outro angulo de vista e com outros acentos. E fiquei surpreendido com este mundo poetico de imensa variedade e riqueza. Pois o que
carateriza a poesia de PAC, alias Joaquim Pimpao e e rececao de uma variadissima gama de sensacoes que depois ganham uma expressao requintada e culta. Culta, digo, porque alem ou talvez antes de uma sensualidade e esta a carateristica mais propria deste poeta em cuja alma nem o trabalho burocratico pode apagar o interesse sincero e o lirismo inato com que olhava o mundo. 

Vejam-se so as epigrafes dos seus poemas: encontramos quase meia centena de autores citados que inspiravam o poeta. As citacoes que encabecam os poemas nao servem apenas segundo o lugar comum que a teoria literaria usa  para enobrecer com o nome e brilho do autor citado os versos que se seguem mas revelam-nos que o poeta esta em continuo dialogo com eles, comecando com os autores portugueses da atualidade e chegando ate a Safo de Lesbos, da antiguidade, a qual ha de ser uma fonte de inspiracao mais forte para o poeta dado que seja talvez ela que Joaquim Pimpao, alias PAC mais vezes evoca.  

Esta autora de amor ocupa um lugar eminente evidenciando aquela amorabilidade, fina sensualidade que mencionei antes. Uma sensualidade que e uma avis rara nos nossos tempos quando este termo esta frequentemente associado a volupia carnal, erotismo desenfreado. Realmente, o poeta em muitos versos confessa sobre as suas aventuras juvenis, ou reminiscencias delas, na quais com uma alegria sadia se entusiasma por um olhar, um sorriso femininos ou um vestido a cair inocentemente (ou talvez nao tanto) no chão. 

Mas as alegrias nao se restringem a este tipo de alegrias da carne, pois o poeta mostra-se igualmente entusiasmado por outros deleites: sabores exoticos, vinhos e comidas e odores e sentimentos humanos de diferentes confins do mundo que aparecem nos versos deste globe-trotter muito viajado e sensivel. 

Quero logo dissipar um equivoco que estas breves e soltas palavras sobre a poesia de PAC, alias Joaquim Pimpao possam sugerir: ele esta longe de ter uma imagem limitada so aos prazeres, pois a sua sensibilidade, alem desta sensorialidade primaria, se alarga para todas as manifestacoes das artes e da cultura, sejam da sua patria original, Portugal ou patria escolhida, Hungria, sejam deste ambiente cultural onde ele tem crescido, da Franca e Italia ate os Balcas ou das terras longinquas, como Asia e o Extremo Oriente e torna-as poeticas como apenas um espirito sensivel e requintado pode faze-lo, com esta elegancia aristocratica.  

Mas esta atitude aristocratica do poeta e de um homem muito lido e nao de um snobe empolado de visao estreita. Porque alem deste gosto refinado pelo amor, artes, cultura o poeta tem uma sensibilidade pelos oprimidos e explorados (seja de que forma apareca esta exploracao) dado que entre os seus poemas abundam os que tratam temas sociais e politicos, sempre comedidos e de bom gosto. 

Nao foi uma tarefa facil ler e reler no ritmo industrial a que obriga a composicao editorial, sempre tensa, de um livro, os quase cinco centenas de poemas mas deleitei-me com a ampla gama dos temas, sensacoes e formas que abriam perante de mim o celeidoscopio de um poeta original. Espero que assim leiam estes poemas os futuros leitores dos mesmos, a quem agora entrego nas maos este livro, na espero de que possam saborear com gosto o mundo, vestido de melodias poeticas, de PAC, alias Joaquim Pimpao.


Budapeste, 9 de janeiro de 2018
                                         Dorjan Shabani

PEREGRINAÇÕES

Ernesto Rodrigues
Universidade de Lisboa


A década de poesia aqui reunida oferece inesperados contributos a nossa lirica: interventiva, no sentido politico; intimista e familiar, com laivos autobiográficos; cúmplice de uma topografada Lisboa fadista, mas também de cantautores lusos e estrangeiros, e de uma extensa galeria de poetas epigrafados (se não e algum mais salientado, caso de Ary dos Santos), esta soma não deixa de noticiar, ainda, uma impressiva memória grega e suas mitologias, a par de variado cosmopolitismo europeu, que se vaza para a Tailandia. Fragmentos de vida em mares menos procelosos do que em Quatrocentos e Quinhentos, eis novas peregrinaçöes de bom lusíada.
Os processos diversificam-se, nisso residindo um dos encantos de volume longe dos formatos minguados da praça lusitana. Com excepção de um texto mais longo, a extensão das composiçöes regulariza o olhar no dominio da quadra, e redução do verso nos mais cantantes, ate a prosificação da vintena final, onde mais se alevanta o sujeito empírico, ribatejano e autor de páginas antigas, em exame de consciencia politica – de Fidel e Che Guevara ao Vietname napalmizado, de Estaline ao Hitler concentracionário, que me leva a evocar um inocente Rádnoti Miklos no campo de Ravensbruck. 
Se este apartado ideológico falta na poesia portuguesa de hoje, não espanta menos o biénio inicial (2015-2017), no insólito dos títulos faunescos ou botanicos ate as conexöes semanticas exigindo segunda leitura, e surrealizando o que, muitas vezes, mais semelha natureza-morta, na sintaxe sincopada, eliptica, carente de verbos, é discreta erotica a pouco e pouco explicitando-se, ao lado de uma linguagem relativa a outros comércios e economias, entre frases-feitas, provérbios e crescente rudeza vocabular não
isenta de boa disposição. O velho Mediterraneo e ainda grego, e não o assassino, de hoje tão triste, autor e eu convergindo em que quanta mais riqueza temos, mais pobres acrescenta e sofre a humanidade. Isso é só parte do verso de “Vegetariano”, Entre muito da vida que aprendi na Hungria, desde 1979; aprendeu mais, dele fazendo poeta de uma rítmia invejável, mas desconhecido nas margens do Tejo.
O expatriamento admite liberdades com a lingua de que, em Portugal, raros se servem: o leitor intensivo de clássicos helénicos mistura lingerie e mitologia; socorre-se de uma infinidade de vocábulos alheios ao idioma, em feliz coabitação; mas também altera o género das palavras, como num notável soneto, “Hospital Szent Janos”: O meu omelete na linguagem de casa / quer dizer o meu sem-abrigo privado. Notem-se os segundos versos dos tercetos, entre o bem achado das compras e a suspensão da conversa: Umas moedas para ele a seguir ir comprar / um dedo de pão e dois braços de aguardente / de se queimar para melhor suportar a noite. // Com brilho de gato no escuro da escuridão / o meu omelete tem uns olhos tão intensos que / mas cantigas assim só aumentam a confusão. 
Essa aventura identitaria reforça-se no suave enfrentamento com o Outro, desenvolvendo-se uma miriade de histórias, que são mais dos que as de uma subjectividade, tornando-se centro-europeias, italianas, parisienses, lusiadas – peregrinantes, em suma. 
Essa procedéncia, ou espirito dos lugares, evita soluçöes suburbanas e a charra prosodia de tanta poesia hoje celebrada entre nós. Ainda devedor de uma pontuação minimalista, ou inscrevendo espaço no meio do verso, por educação setentista, certo e que não encontramos agora facilidades e displicencia, antes propostas engenhosas, como nos titulos da segunda seccao (2012-2014), cada um figurando, ja, os das trindades poemáticas. Dos parcos sonetos, salientaria, ainda, “Palavras de outono”, não so por ser um dos muitos epigrafados em francés – e seria preciso estudar a pertinencia da epigrafe –, mas porque, remetendo para o titulo da obra, e para uma existencia ás palavras dada, sintetiza a diligencia metaforicamente descritiva e melancolica de um Eros preterito. Outro soneto, que me dedica, é “Domingo” (a dúzia de frequencias deste dia é ultrapassada pelo sábado, donde, tempo de eleição e descanso votado a arte): no delicioso jogo de palavras, ha uma historia que diverte, consumando o nosso autor enquanto ironista. 
Urge, assim, olhar para a cronopoesia de Pedro Assis Coimbra – que conheci como Joaquim Pimpão, no aeroporto de Frankfurt, em 9 de Setembro de 1981, e por um quinquénio sobre o Danubio assim tratei –, com matéria e propostas que honrosamente lhe franqueiam a entrada na cidadela da lirica portuguesa.




Lisboa, 9 de Janeiro de 2018