sexta-feira, 19 de outubro de 2018

DE LONGE AS PALAVRAS





"A argila murmurava ao oleiro que a moldava
lembra-te que já fui como tu, não me maltrates"
Omar Khayyam

LONGE DE TI COBERTA DE PALAVRAS



"Um pedaço de pão, um copo de água fresca
a sombra de uma árvore e os teus olhos"
Omar Khayyam

Desenha o arbusto que disfarça a consciência
aprende a matemática que avalia a paisagem
interpreta o velho falcão que brinca com o fogo.
Estaria à espera do pão que alimenta o milagre.

Mas não de nenhuma revolução milagrosa
de basalto e metáforas promessas e utopias
velhas igualdades divinas agora sim verdadeiras
feitas de barro vermelho e de pessoas sem nome.

Ilusão de ferro é de ti que estou à espera dizia.
Até as serpentes a fingir que dormem na pedra
o que querem é chupar os peitos bem feitos
madrasta avantajada da nação-
mãe que caminha.

Mas não há cabelos matinais despenteados
olhares furtivos que insinuam beijos gratuitos
não há carícias clássicas guloseimas definitivas.
A poesia essa adormece sózinha a horas certas
fora de portas longe de ti coberta de palavras.

UM RIO NAVEGANDO O DESTINO



"Se os amantes do vinho e do amor forem para o inferno
deve estar vazío o Paraíso" Omar Khayyam

Disfarçam-se na noite das estrelas opacas
nos ladrilhos do pátio trabalhados à mão
com promessas rios sem pontes levantadas
na encosta do coração virado à luz da Lua.

Acontece tudo o que não me devia acontecer
mas estar longe torna inútil pensar nos perigos
de serem descobertos pelos guardas obstinados
soldadesca impiedosa de pelo mal o pior fazer.
Nem que as túnicas permitam decifrar as pernas
as sombras altas ou o lume brando das madeiras
as madeixas do porto que só o corpo é pecado.
As espadas do frio que nem no inverno se calam.

Com a aranha suspensa no fio das nossa vidas
da argumentação contra o paradoxo e o absurdo
umas férias no estrangeiro como recompensa
e um gavetão de papelão à espera no paraíso.

Cada dúvida era uma palavra um beijo caído
e cada jura um olhar de cobre muito antigo.
No fundo do mar no tapete para adormecer
o teu sorriso era um rio navegando o destino.

CAMINHANTE DO PASSADO



"So I began to change into my best clothes
in hopes of joining you,
even thought I live a thousand miles away" Hafez

Como se da negação caminhante do passado
peregrino comum mandatado por ninguém.
Chegou bem cedo sózinho e de bicicleta
às ruínas exteriores do presente do indicativo.

Explicou em duas palavras a sua missão.
Procurava as telhas em estado aceitável
os azulejos mais antigos no relevo da ficção
os vestígios secos das acácias da saudade.

Colecionava paredes pintadas do ventre
quanto mais ousadas melhor mais valiosas.
A humidade e o perfume particular do rosto
que encontrou no velho mercado do desgosto.
Depois juntar tudo com as carícias do costume
a perfeição artesanal do desejo vindo de longe.
Queria refazer de novo as janelas da memória
tão simétrica como o encarnado dos teus lábios.

PRATAS ROUBADAS



"Correrei atrás dos meus amantes
que me dão o meu pão e a minha água
a minha lã e o meu linho
o meu azeite e a minha bebida"
Antigo Testamento (Livro de Oséas)


Vinham organizados da Creta antiga
famosa pelos seus búzios gigantes
para surpresa formal de muitos cronistas.

Eram criados em viveiros municipais
sedimentados pelo estrume animal dos outros
e pelas troféus cabeças dos bois selecionados.

Traziam para amostra e sedução arquitectada
todas as novidades da bijuteria feminina
pratas a peso roubadas à força pelos soldados.
Que aumentavam a competitividade da oferta
sem a orgia original do mercado e o focinho da lei
enquanto a produção local bebia mais uns copos.

Enfeitada em penas luxúria e lingerie e profecias
morcegos nos aposentos cosmopolitas de veludo
trocas e baldrocas pelos corredores perfumados.

Salas de fumo que hoje seriam incluídas no preço
apelativos de lucros finitos e ternuras sem fim.
Já então sabiam que seria impossível ter mais prazer.

A CIDADE DE MÁRMORE



"Como será o mar sem ti?
Vão-se converter em areia as minhas recordações?"
Sakir Wa’el

Quando chegam às praias do velho continente
ao lado sensual do livro posterior da pedra.
Sentam-se à volta do fogo e desfazem-se da sede
com desenhos de pessoas irmãos e alguns animais.

Em vida pensam nas vantagens materiais da fé
das promessas nas horas do tudo ou quase nada.
Por isso
vão para casa mais cedo para lerem
acabarem o livro antes do sono da último noite.
Pode ser que caminhem lado a lado pela rua
que o patrocínio pedido dos amantes chegue a horas.
Que os nossos dedos de tão perto nem se toquem
mas nessa distancia de nada lá estará todo o amor.

Agora falta apenas o navio fazer-se ao mar
contornar com as mãos a cidade de mármore.
A solidão persa das dálias de uma princesa
e na verdade do fogo por ti recomeçar de novo.

LASCIVAS DA TENTAÇẬO


Eram redondas e grandes as cebolas de Renoir
escolhidas ciganas pelas mulheres no cebolal
latinas recriadas pela grande poesia de Neruda
para internacionalistas serem vendidas em Milão.

Palavras amargas do rouge raro da contradição
duras como a liga de ferro fundido da pasteleira
com sabor a sorte da última narrativa caseira
das esquinas cercadas pela fábula final da solidão.

Por dentro lascivas da tentação quem diria
que do fumo até os bicos de betão tão duros
falavam do prazer do fogo e dos bombeiros.
Escreviam de lábios ardentes e bocas de incêndio
da ponte pedonal dos seus passeios bem abertos.

Abismo ou mordomia um devaneio cultural.
Discutiam intensamente a diferença principal
entre o orgasmo físico e o orgasmo intelectual.
O primeiro da química profunda vai-se em rosé
e o outro mais fino vêm-se em máquina de café.

BELAS E PÚBLICAS ESTÁTUAS JOVENS



Construiam com cordas roldanas e tira-teimas
alimentação saudável e grelhados no carvão
andaimes de verga e vigas das mais seguras.
Viviam intensamente a época os novos desafios.

Que um dia o vai-e-vêm espacial made in China
de liga importada o táxi amarelo logo-feito passarão
todo o ano nos vai levar numa só noite a Neptuno.

De volta contrabandistas virão carregados
com caixotes afrodisíacos pilulas do dia anterior
de plantas medicinais turistas da terceira idade
e algumas belas e públicas estátuas jovens.

Bons artifices gostavam tanto do que faziam
que os mais antigos das folhas e ramos verdes
fizeram um alpendre com a figueira do quintal.

Fabricaram lenços de assoar de nariz todo-conforto
e como na primeira criação da água tangas ousadas
para usarem no verão na praia privada da elite verbal.
A réplica pecadora desenhada por debaixo do avental.

PELA NOITE DENTRO



Se tantos antes de vós esperaram anos para serem
apenas o amor comum sem mágoas e sem surpresas
sem denúncias ou castigos intensamente um do outro
sejam determinados mas não sejam impacientes.
Façam por encurtar as distâncias da sublimação.

Como gratuitamente se lavavam na humidade do lago
persistiam todos os dias todas as semanas do ano fiscal.
Amenos protegiam as árvores ameaçadas de extinção
desconheciam ainda as garrafinhas de água mineral.

Usavam apenas comprada uma toalha turca-otomana
a comerciantes honestos e marketing de excelência
com verbos a compasso e quilos de argumentação.
Tão bons que para vender às laranjas diziam portugal.

Laranjeira longe da mão do fatalismo do caminho
de ruas e de avenidas aparentemente proibidas.
No contexto do destino na sombra das palavras
de outra aventura fora de portas mais que o sonho.
Esse segue em frente decidido pela noite dentro.

A SERPENTE FEZ-SE GUIA NA CAMA



"Retirar-lhe-ei a minha lã e o meu linho
com que cobria a sua nudez"
Antigo Testamento (Livro de Oséas)

A mesma serpente-folia que os levou feita guia
à casa de pasto mais afamada do entreposto-livre
ao nascer do dia quem diria era fino bailarino
com ferramentas pinta-paredes nas horas vagas.
Rico tingidor de seda com cavalos topo-de-gama.

Da surpresa em surpresa de balcão veio a saber-se
que judeu-poliglota era mensageiro do rei
e cantando repetia as noticias do dia anterior
com livre-trânsito pelos salões de prata do palácio.
Era bem melhor que acabar na judiaria fechado.

Perfumado passeava pelos jardins piscinas e balneários
para ver princesas boazonas e amigas ainda melhores
criadas aos molhos escolhidas a dedo de todas as cores
com a ternura mui-sensível da antiguidade assexual.
Roupa nenhuma a tomarem banho na água termal.

Nada de branquear a memória pata-choca da afirmação
isto foi antes da chegada da idade negra dos ferrolhos
do fogo da razão dos dogmas à força das espadas
da verdade da lapidação e outras guerras perdidas.
A serpente fez-se guia na cama e ninguêm protestou.

A PRIORIDADE DO IMPÉRIO



Os monges barbudos na casa grande isolada
do alêm destilavam com a ajuda do saber fazer
a água pura da vida que afastava para bem longe
a morte próxima e outras doenças de contágio.

Doenças de gansos e de fígados estrangeiros
trazidas de fora juravam olhando o céu do Egipto
pelos berberes pecadores e outras cercanias mouriscas.

Mais a limpeza corporal que na Europa de então
não tinha sido elevada pelo poder lúdico e temporal
a prioridade do império no centro parado do mundo.

Com eles os nossos repetem com inabalável convicção
a luz começou a brilhar com os sábios e alambiques
a matemática das cozinhas mais a astronomia interior
com mapas-mundo e ala-que-se-faz-tarde para lá chegar.

Das roupas alegres quem se lembra das pilhagens
e do estrupe organizado dos cruzados e cruzeiros
dos exércitos do povo sobre as mulheres indefesas.
Da ocupação das terras e dos que sempre ali viveram.

TERRA PARA SALGAR



A casa é de terra com algum sal para salgar
os santos constipados estão ajoelhados no chão
e os sacerdotes com uma valente pneumonia.
Coitados do dilúvio passam frio que se fartam
com lama e arrepios para o resto das suas vidas.

Oxalá Deus se tenha esquecido no escritório
no arranha-céus a punição exemplar anunciada.
A culpa é dos infieis que deviam ser em jovens
besuntados em azeite grosso o dorso dos rapazes
e os cabelos compridos com piolhos das raparigas.

Para os que não tem ciência e lábia desenvolvida
conhecimentos de caligrafia e latim superior
e outras línguas civilizadas com lanças bem afiadas.
Da rocha mais afastada serão lançados ao mar
para cadelas de caça aprenderem cedo a nadar.

Sem livros e pergaminhos das cidades gregas
medicinas alternativas que o prevísivel futuro
pouco promete com o novo-cristão Constantino.
Estatizado e oficial Deus deixou de ser de todos
passou a ser da santa hieraquia e dos poderosos.

SENTADA NA MURALHA

Paredes do melhor mármore renascentista
abóbodas pontiagudas do design italiano
como a porcelana do perfil de donzela prendada
a mostrar distraída um pouquinho do joelho.

Os arcos eram redondos os pilares de granito
como os ombros largos dos homens-armário
leais defensores da tão virtuosa hierarquia
vossa senhoria às suas ordens ó fraseologia!

Voltando à doçura da imagem anterior
sentada na muralha desfraldada pelo vento
pensativa de Rodin tão aflita pelos atrasos
do salário pequeno e da barriga a crescer.

Na cidade sonolenta quem vai assim acreditar
que verbo tanto lhe falou de Cristo ao ouvido
do baptismo na tina nas águas do Jordão
de ser uma flor escolhida para a devoção.

Histórias de pilares com guaritas e arcos exactos
da cal da argumentação talento e misericórdia
janelas altas abertas à tentação que não dorme
seja criado ou trovador seja bispo ou sacristão.

PERFIL DE ENIGMAS E INTIMIDADES


De perto a língua parecia de cão ou de gata
dizia intelectual com voz um pouco cansada
entre o copo convite e o cachimbo de classe
e a meia-luz japonesa da salinha do bem estar.

As paredes tinham sido decoradas há pouco tempo
recados de erotismo com motivos de bom gosto
e sem o pudor reacionário de épocas anteriores.

Deixam-se facilmente convencer a passar o tempo
com o pão caseiro do sorriso a saber do que gosta
próximo do teu perfil de enigmas e intimidades
e do jogo povo no palácio da sublevação sem idade.

Nas silêncios e possivelmente nos ramos dos beijos
que se deslumbram com os seus jardins interiores
- os desenhos húmidos nos recantos do teu corpo.

COLECTIVA A SUBMISSẬO



Hoje os tempos são outros é verdade
mas apesar da melhor imagem nada mudou
a imposição das crenças e dos costumes
foi sempre um privilégio dos vencedores.

A ideologia inquisidora da intolerância religiosa
quase foi invenção do Vaticano e seus concílios
depois com a habitual vulgarização do produto
outros a desenvolveram e aperfeiçoaram melhor.

O contencioso histórico das duas verdades
a de deus e a dos homens que o inventaram
desde o axioma absoluto ao dogma indiscutível
com o pensamento livre e racional de tão poucos.

Será que há dúvidas quem irá ganhar outra vez?
Não é a democracia a vontade da maioria?
Para fazer o resto lá estará colectiva a submissão
a sofrer para assim podermos merecer a eternidade.
A tomar conta da consciência da nossa resignação.

NẬO FOSSE O POVO MIÚDO



No filme escuro da lentidão que ficou
os quatro doutores da Igreja de Roma
até parecia que tinham visto o diabo.
Não olhavam a nada deitavam tudo ao chão
corriam tinham pressa em acabar a missão.

Em sentar no trono do ouro e da opulência
colocar a coroa de rainha na
cabeça de Maria
das mãos dos que ainda ontem a queriam lapidar.
Não fosse o povo miúdo pensar coisas de tontos
que era uma das suas  irmãs uma das suas filhas

Nem os sábios nem os líderes eleitos os outros
nunca aprendem nada e nós ainda menos dizia.
- Os operários só não chegaram de vez ao poder
porque em casa não ajudavam as suas mulheres.

A estender a apanhar a roupa a lavar os pratos
em casas equipadas com todo o tipo de máquinas.
- Se tivessem sido verdadeiros companheiros
hoje gordos estavam confortavelmente instalados.

TROCANDO OUSADAS MENSAGENS



De pé construia e moldava refazia para esquecer
a escrita em pergaminho na grés livre do pensamento.
Comercializava lotes de café da melhor qualidade
tabernas proletárias quando a história ainda dizia não.

Deixava-se ficar sentado trocando ousadas mensagens
materializando a conquista com um artigo de combate
nas folhas da palma da mão que servia de mata-borrão.
Anunciava a libertação eminente dos presos politicos.

Uma placa com uma frase escrita à pressa na parede
um futuro trocadilho adiado para tempos menos cinzentos.
O portão da luz da modernidade e da indignação vigiada
abriu-se como girassol que se rasgou e só ficou o verniz

Manda quem pode e obedece quem deve dizia o advogado
porque o santo Papa é finito mas não a Santa Igreja senhor juiz.
Que um marinheiro verdadeiro quer queiram quer não queiram
partilha uma mulher com o bom deus e meia-dúzia com o diabo.

CABEÇA FRIA LÍNGUA COMPRIDA


Escribas mais baixos e outros bem parecidos
templos sagrados por dentro e por fora
de Júpiter bonitão e de Jerusalém de todos
alguns contabilistas da Suméria velhinha.

Cabeça fria coração quente língua comprida
igrejas dos outros por profanar destruir e incendiar
mais tarde também na ponta afiada das espingardas
como em Barcelona livre e da fúria revolucionária.

Na capital do vazío o edíficio central dos correios
foi por fim classificado património nacional
para guardar para a história a memória pacata
e apreciar a velha arquitectura do estado novo.

Apesar da estratégia delineada pelo consultor
o serviço postal andava a pé continuava medíocre
mas havia uma grande vantagem de justica social
- havia muito gente que assim não perdia o emprego.

AMOREIRAS DA CIDADE


"Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra."
Novo Testamento (S. João)

Já então com o segredo da seda e do alfabeto
vencedor o touro bravo do alto dos seus cornos
ferro em brasa representava o poder do macho.
Era símbolo genital do domínio sobre a fêmea.

Da escrita feminina nas amoreiras da cidade
sobressaia a dignidade das begónias da Babilónia
o sonho antes do tempo da legislação laboral
as casas estrangeiras de câmbio na Mesopetâmia.
As bibliotecas profanas culpa da fertilidade liberal.

Assim como o vinho tinto kosher da única videira
do almoço ligeiro cópia da penúltima ceia de Cristo.
Videira que crescia sobre a campa rasa de David
enfeitada por romãseiras carregadas de romãs doces
como se não tivesse sido rei o melhor entre os seus.

Tinham comido pão seco molhado no molho da traição
que era na negação o próprio regresso à puta da vida
pois enquanto o simples irmão lavava os pés ao povo
outros chafurdavam as mãos na água benta da mentira.

A TERNURA ERUDITA DA TERRA



O império de Bizâncio durou mil anos
o amor dos banhistas nem um só verão
que multiplicado pelas areias a queimar
se revê nas lágrimas acesas da sobrevivência
e nas mil e uma noites da vossa paixão.

O Rei Salomão gostava de repousar sentado
encostado aos troncos dos melhores cedros
comprados a crédito cortadas por mãos hábeis
aos inimigos da eternidade felizmente finita.

A ternura erudita da terra vulnerável dos outros
glicínias da resistencia nos baldios da dignidade.
Uma sensatez social como um frasco de conserva.
Um desafio de alguidares e algures os teus lábios.

Lordes ladies cavaleiros gatunos e merdas
eles quase todos eram avôs pais e barrascos.
Não conheciam o comprimido nem precisavam
cultivavam jovenzinhas com as criadas da casa
e nas camas deitadas as galdérias milagres faziam.

IGUALDADE DA REVOLUÇẬO SEXUAL



Que bom seria poder dizer se alguidar é lavatório
azenha é berbigão para surpreender a rima na água
manhas sem pudor e tácticas de envolvimento
com muito arder para adultos e cenas de sexo puro.

Da igualdade destapada da revolução sexual
jurava que se podiam cortar as urtigas da igualdade
com as fortes ferramentas emprestadas do vizinho.
Acordar de manhã com as pernas abertas ao mundo.

Com a antecipação da época dos saldos da crise
escrever ser barata a carta de condução para todas
mais o apartamento próprio e o empréstimo bancário.
O road-show promoção da legalização do aborto.

Promessas das roupas espalhadas pelo chão.
As gavetas reviradas da fúria em noite do ciúme.
Mas no dia seguinte cadeira não faças das minhas nádegas
o escadote prateleira dos teus livros que ninguém quer ler.

NO LIVRO SENSUAL DAS PEDREIRAS



Quando chegam a este envelhecido continente
aos bosques mais húmidos das tuas sombras
no lado direito do livro sensual das pedreiras
fazem desenhos altivos de pessoas e animais.

Recordam o primeiro negócio audio-visual
o segundo pecado batota da terceira serpente
e o espírito olímpico das medalhas perdidas
enquanto carmim se dissimulam nas areias.

Pensam nas vantagens da fé de algodão em rama
das recompensas na hora da fava e do juízo final.
Do bolo-rei importado irem para casa mais cedo
e lerem o livro antes que o sono chegue certeiro.

Depois há que contornar o oceano em viagem
cercar de ardósia feliz o horizonte da tua paixão.
Acreditar uma vez mais na intensidade do fogo
e com as mãos abertas reconquistar o teu coração.

A PREDESTINAÇẬO DA MENTIRA



Da decadência a cidade era a última etapa
nessa peregrinação malfadada da história
pela sistematização do corno do fatalismo
e a destruição abrangente de todas as dúvidas.

Eram ainda do tempo dos primos do rio Jor
dão
quando pobres e perseguidos os profetas
andavam de sandálias ou mesmo descalços
misturavam-se com todos e não tinham manias.

Naqueles outroras ainda não eram gente
não atiçavam o fogo justo dos descontentes
que sabiam esperar pacientemente as cinzas
e seriam nos caminhos o asfalto dos milagres.

Regimentos de carneiros e ovelhas barrigudas
escondendo a predestinação da mentira feita lei
era discípulo predilecto dos sábios do sol-nascente
a primavera descascada do medo feito traição.

Cantor privado de frases feitas e sem tomates
- não me toques sua puta gritava quando se distraía
e o perfume se acabava chega para lá essas mamas!
Mas fazia carreira a sério. Já então era assim o futuro.

O ANTIGO TESTAMENTO REVISTO


"O meu amado é para mim um ramalhete de mirra
morará entre os meus seios."
Antigo Testamento (Cântico dos Cânticos)

O Antigo Testamento foi revisto retocado e censurado
os ditos eram decepados e dependendo da dimensão
entregues aos cuidados das lagostas e dos crocodilos
inspectores contratados contra a nossa determinação.

As cujas redondas de cada gosto seu paladar
coisas eram tapadas e recheadas de alcatrão
com o pecado barrado pelo luto triste da censura.

De novas raízes manipuladas por demónios precoces
que até no Livro Sagrado de prazeres se infiltrou.
Só um bom castigo permite regressar à vida exemplar.

Com a monção fria do pesadelo e da escravidão
subiam as muralhas das derrotas e do mau sono
a pé pelas escadas apertadas até às torres do remorso

NA LEVEZA DOS SENTIMENTOS




"Yes, I can see now."
Charlie Chaplin’s City Light (the end)

Nos caminhos cosmopolitas para a praça da tradição
usavam o mesmo basalto na calçada das avenidas.
Nos parapeitos das janelas ainda poucos acreditavam
que inesperadamente podem ser mais rápidos que a luz
nos pensamentos incertos e na leveza dos sentimentos.

Nos vestígios da melhor arquitectura feita lava do vulcão
do amor livre do mundo milenar da nossa alegria à chuva.
No seu designío gostariam de chegar com a noite mais curta
acordar na fome das madrugadas e os pescadores libertar.

Conversar sobre a ponte do sonho no topo da esperança
com os amantes inevitáveis e os amores impossíveis.
Ficarem à espera que o tempo e alguns navios ajudem
a levarem sem tempestades o Vento ao coração da Lua.

Talvez consigam abrir as represas sem levantar as pontes
desnudar a tarde com as amarras impróprias da navegação
quando na hora da partida os sentidos se encontrarem no cais
a gentileza da brisa e do mar do sol e do ar permitir a partilha.
Porque escrever é também um acto solidário da nossa solidão.



Budapeste (e outros mundos percorridos também com o coração) 2010-2011.

MAIS PALAVRAS

RUA DA SAUDADE



Ary dos Santos nas minhas palavras




"Minha laranja amarga e doce
Meu poema."  in "Cavalo à solta"


Ideia que começou a tomar a forma de palavras
durante os dias que estivemos no 1. Dto do Nr. 23
prédio de Ary (de Alexandre O’Neil e Fernando Tordo)
em Lisboa na Rua da Saudade.

PRAÇA DA CIDADANIA



"Em Lisboa vendendo a minha fruta
de azeite e mel de ódio e saudade" in "Cidade"

Os seus seios de cinza   gravados na cortiça
no vestido de rainha   moldado ao corpo da desalmada
com bicos de carvão   serviam nocturnos às mesas.

Champanhe com gravatas sintéticas   da cor dos collants
trabalho todo feito   pelo paciente proletariado chinẻs
explorado e muito mal pago   feliz por ter emprego.

Radiografia negativa e perpicaz   do fascínio da liberdade
de trabalhar e dormir   ás vezes cobrir e ser cobertor
furão o camarada maior   comia as melhores melancias.

Parava para refazer contigo   sem medo do senhorio
a casa da luxúria e da ousadia   a voz baixa transformada
e no sábado cortar a relva   onde crescia sensual a poesia.

Poderiam ser dos espelhos   das suas partes inferiores
sombras que ajudam o faro do cão   a não se perder
e a encontrar o caminho   para a praça da cidadania.

Conquista última do século   que agressivo o avaliador
como um cilindro de nojo   herói sedento de dor
quer destruir e aplanar   por conveniência e conivência.

TECE A TECNOCRACIA



"Terra onde o mar é bastante
para guardar os teus segredos"
in "Tempo da Lenda das Amendoeiras"

As matas e as florestas   dos ataques surpresa
das emboscadas furtivas   do direito à indepêndencia
seriam das guerras   se não fossem da paixão.

Se não fossem dos amores   interditos por lei à rendição
pelos brandes costumes   trocavam os lençois brancos
por um desvio intenso   de duas horas sem queixumes.

Tece tece tecedeira   que o Bom Deus tudo perdoa
aos que com acácias   ordeiros se submetem ao poder.
Tece enquanto podes   há trabalho e há máquinas.

Ainda não foram vendidas   tece enquanto há fios
salários baixos emprego precário   o coração apertado
quase fora do peito   tece pequeno o teu desespero.

Se o óleo fígado de bacalhau   do purgante acabou
prega-lhe de castigo    com terramicina a dobrar
com a justa epistomologia    tece tece a tecnocracia.

Paises de delatores e denuncias   pátrias de merdas
que entregam os vizinhos   ao degredo e à morte.
Haverá futuro?   Vale a pena escrever da má sorte?

RUA DA SAUDADE



"Que ficará na memória
das naus que de Abril partiram"  
in "As Portas Que Abril Abriu"

De cobre e estanho  antes se invadiu a guerra
e hoje se semeia o corpo   se fabrica o pão
se transforma bronze   o mais duro da nossa terra.

Entre pressa e vagares   sente algum pudor adulto
despe-se com cuidado   que as janelas estão abertas
e os pardais telhado atentos   espreitam descarados.

De tão abandonada   por dentro dos pensamentos
de entrega ao prazer que se aproxima   deixa distraída
esquecido o último obstáculo   sobre as teclas do piano.

Na rua lá em baixo   com a ternura não se sabia
se o que se ouvia   era uma das melodias famosas
que assumiam o amor   às vezes a luta de classes.

Se o gozo perfeito   a festa linda do seu coração.
Morrer? Morrer agora?   Morrer asssim canção?
Só quando não tiver mesmo   mais nada para fazer.

NA BARBEARIA CLÁSSICA



"Para a cauda avestruz do teu andar de vereda
o decote intenção da tua voz agulha
recorto este poema num papel de seda"
in "A Casaca" Para Natália Correia

Na barbearia clássica   a barbeira de Salamanca
cantava de olhos fechado   frente ao espelho maior
longe como estás homem    nem de foguete ou foguetão.

Cantava descalça   assentes nas tamancas grossas
as pernas lisas da hidráulica   das nádegas rijas
apoiadas na cadeira alta   do ferro de marca cromada.

Tinha na mão direita   sobre a pedra da ilusão
onde amolava cortante   a lâmina da navalha
se fosse mais abaixo   seria marítima rocha do cais.

Preparava a máquina zero  adiantava serviço
do próximo cliente   cabelo eriçado à ouriço
remoinhos de areias secas   cortados às escadinhas.

Bendito não há ouriça  que não goste de chouriço
que não convide no olhar   ao envolvimento precoce
do soldado valente   á civil sem armas de fogo.

Cantava descalça na barbearia   a linda barbeira do mar
a mão direita afiada    segurava a tesoura militar
que cortava o tempo os dias   ter com quem amar.

NOVIÇAS AO BALCÃO



"Vá de Metro
vá de burro passear
mas não leve o alfabeto
que se pode constipar " in  "O esplanador"
Exmo Sr. A. Ramos Rosa Faro

Em agosto a água fresca   quase quase gelada
parecia ser das fontes   ainda te lembras?
Meu amor   dos fontanários eternos de Roma.

A água marinheira que lavava   terna o teu rosto
se juntava em poças pequenas    em bocas acesas
e percorria desperta   o corpo muito muito devagar.

Em barro te moldava   e de pedra te esculpia
com os dedos que pedira   emprestados à noite
e nos custos incluídos   todos serviços bancários.

A melhor cerveja preta   a copo para turista
era servida no mármore   pelas noviças ao balcão
no pátio recuperado   novo design das Carmelitas.

Estavam pressionadas   que o diabo não dorme
preocupadas com o retorno   do dinheiro investido
é que Deus foi sempre   o melhor na contabilidade.

ONDE A CIDADE SE BANHA



"Vou pelas ruas da noite
com basalto de tristeza"  in "Rosa da noite"

Escreveu a correr   que só por dentro da noite
percorrendo a pé   a argila seca do pensamento
seria possível fingir   ignorar tamanho mistério
vestindo as metáforas   nas cercanias dos lábios.

Bordando a sombra   com as luzes da ilusão
recolhidas à pressa   durante o intervalo para almoço
rematando com fios   a madrugada da inquietação.
A ordem milenar   com barbas de consentimento.

Frente à deusa seria?   Sempre nova da paixão
sem a censura do pudor clerical   e nada a esconder
humana assim responderia   em texto ao amor
com as cores profundas   do erotismo e fascinação.

Levar-te comigo   convencer-te a ficar para sempre
na minha casa   com o arranjo verbal das palavras
o vinagre dos sentimentos   ensopados em vinha d’alho
e o violino húngaro nocturno     do teu sorriso mais claro.

Guardar na mala   as vozes doces do rio grande
onde a cidade se banha   e nós mais tarde um no outro.
O motorista de longo curso   com horários a cumprir
já devia estar na estrada   e ainda estava sentado à mesa.

PEDRAS DE GELO



"Por ti morro e ninguêm sabe
mas eu espero o teu corpo que sabe a madrugada"
in "Amêndoa amarga"

Em esboços a lápis negro   de pedreiro arquitecto
declara que inventou país   o teu nome minha raíz
pescador no umbral   desse mundo dito novo
onde as pedras de gelo   chafurdavam transpiração.

Assessores ocupam gabinetes    pensam ser gente
que podem decidir por nós   sobre o futuro dos outros
seguros das suas verdades   que a madrugada do mundo
antes da sua nomeação   era uma arca congeladora.

Meu botão de rosa    não os posso mandar à merda  
poderia levar   com um processo sumário em cima
e no tribunal do trabalho   o medo a confirmação
despedimento com justa causa   a prestação da casa.

Valeria talvez a pena lembrar   a estes rapazinhos de caca
que mesmo imperfeita em democracia    a festa da vitória
na noite eleitoral    é o primeiro dia da próxima derrota.
- Boas indemenizações    depois chegam outros iguais.

O TEJO A DORMIR



"a mulher é de granito
os seus braços duas pontes
entre o ventre e o infinito"  in "Fado transmontano"

Que sejas tu    com o teu olhar de bandolim
a tua voz contra-baixo   a parar a força do vento
e mandar para outras paragens    o grande vendaval.

Onde longe não faça estragos   nem às crianças mal
se ventania que seja   para limpar o céu redentor
o ar puro e fresco   no abrigo morno onde te espero.

Os poderosos há muito   que compraram o mundo
os seus herdeiros de sangue   os mui fieis servidores
tem-se limitado à gestão   assuntos correntes do lucro.

Para que nada mude   enquanto o mundo for mundo
sem a claridade da manhã   o saxofone do casino
quando o sol entra feminino   pela janela da sala.

Te ilumina acordeão   eu ponho a mão no teu rosto
nos teus lábios em tudo   para papel quimico do futuro
te reproduzir e guardar    na gaveta do meu coração.

- Subiamos até à rua   de Tordo e Ary dos Santos
a dois em esforço   pelas escadinhas de São Crispim.
O Tejo ao longe   calmo até parecia estar a dormir.

A LÍNGUA É DA SERPENTE



"É de linho o teu verso fiado no destino
dum país ao luar dum fio de azeite"
 in "Retrato de António Nobre"

As palavras embebidas   em aguardente caseira
aquecem e desfazem-se   na escuridão dos sentidos
no alçapão transparente   das ideias mais profundas.

Mas não negam aquilo   que na verdade sempre foram
cumplicidade e entrega   troca de curtas mensagens
o enxofre da vinha   o martelo da madeira mais dura.

Para bater a carne   espalhar pelo tampo da mesa 
do tempo da fome sem força   para morrer
dar nas canelas   dizer que não ao Grande-irmão.

E então não era   que sentada no barril de carvalho
na cor turva cultivada   no azeite fino dos seus olhos
não resistia   e dócil se deixava comer pelo leão!

Sagrado que enquanto comia   não falava nem ouvia
os seios euforia   debaixo da bata bem apertada
a dar de si    os bicos não poderiam estar mais tensos.

Nem o melhor detergente   do mercado grandalhão
a luz perversa dos olhos   a lei cega do olhar.
Não importa o que pensam   a língua é da serpente.