quinta-feira, 25 de outubro de 2018

PALAVRAS DE MULHER E POESIA

Narrativa nocturna



“Esta inesperada redondez
este perder mi cintura de ánfora
y hacerme tinaja,
es regresar al barro, al sol, a aguacero
y entender cómo germina la semilla
en la humedad caliente de mi tierra.” Daisy Zamora

Foi em busca da narrativa
com a afamada paciência nocturna.
na loja dos tecidos da avó de Platão.

Sabes o meu coração
é assim metade água
e metade de vinho.

Dizia à janela quase nua
com o copo na mão
com um sorriso de linho.

Entre as colinas, intacta a sua mimosa fragrância
deixava no mercado, sem palavras os mais incrédulos
no praça, por detrás das cortinas do nosso abismo.

Papoila de Pedra



“Soy un alma desnuda en estos versos,
alma desnuda que angustiada y sola
va dejando sus pétalos dispersos.

Alma que puede ser una amapola,
que puede ser un lirio, una violeta,
un peñasco, una selva y una ola.” Alfonsina Storni

Laranjas maçãs tangerinas biquinhos e azeitonas.
Vestígios do design interior do seu impetuoso coração.
Foi de autocarro e regressou à boleia de camião.

Sopa de roupa interior com salada e cogumelos.
Anéis e unhas verdes preparadas com palavras
pelas mãos finas de mulher respirando poesia.
- Antes da noite eu faço a bica sem açúcar para ti.

Imaginava-se sefardita a salvo da perseguição
com a sua papoila de pedra e a sua romã de bronze
que agora era avenida na salvação anunciada da praia
no porto outrora livre do mar Egeu. Seria em Salónica?

Mar Egeu



”Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste
sou poeta.”  Cecília Meireles

O barqueiro que pela ribeira do seu amor maior
rejeitou Safo e acabou em alface na horta de cidade
lá para os lados do improvável amante do Mar Egeu.

Melhor seria ter-se deixado ficar acácia de jardim
optimizando o saber, adivinhando o sabor a fruta
da Décima Deusa. O gosto secreto da sua bela gruta.

Sem bolsos sem porta moedas nem cartão bancário
resilente o meu sonho eram as trutas dos mercados
em sociedade com a fogueira do teu sorriso enigmático.
A sensualidade do mar profundo dos seus olhos.

Altas montanhas



Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.” Cora Coralina

Da investigação cuidadosa
pelas mentiras da nossa história
durante tempos sem fim
a terra jurava a pés juntos

que as virgens de azeite
e do sol mais impuro
cultivavam coca e milho
e rapavam os pelos do púbis.

Eram mesetas lisas com muita procura
viviam sobre as altas montanhas
protegidas pelos soldados da sorte
e aluadas todas as noites negras
cantavam nuas ao senhor da casa forte.

Cevada




“El viento y la lluvia me borraron
como a un fuego, como a un poema
escrito en un muro”  Alejandra Pizarnik

Belas e ousadas caminhavam de mãos dadas
pelas ruas da capital do antigo império.
Assumiam sorrindo o seu amor como quem respira
e acredita que cedo ou mais tarde no mundo há futuro.

Procuravam a padaria o pão para as duas
que dissesse não à fome com o sal grosso da vida.
Tudo o que estava tão bem escrito nas luas
na vinha encarnada do vosso coração de cevada.

Fly & kiss me



“Hoy quisiera tus dedos escribiéndome historias en el pelo
y quisiera besos en la espalda
acurrucos
que me dijeras las mas grandes verdades
o las más grandes mentiras
que me dijeras por ejemplo
que soy la mujer mas linda del mundo” Gioconda Belli

Do saltimbanco malabarista no parque distante
na grande cidade da moda, no salto alto italiano
e nas pernas com lingerie de gata borralheira.

Para destaque desaguar directamente na revista
que anunciava publicitando o fly & kiss me there.
Here, mesmo quando não está aqui, está ausente.

A rota quase eterna que ligava a Índia milenar
à cosmopolita e discreta pedra rosada de Petra
e repousava depois merecidamente em Alexandria.

Praça cultural e comercial do mundo de então
Época na qual se eu fosse mercador desonhos
Teria sido feliz e comido contigo azeitonas no pão

Teu trigo




Todo aquí alumbraron tus ojos de diamante;
bebieron en mi copa tus labios de frescura;
y descansó en mi almohada tu cabeza fragante;
me encantó tu descaro y adoré tu locura” Delmira Agustini

Amor que se enfiava nos dedos
nas unhas sem ninguém ver.
Mulher sem nome nocturno
mas o resto tinha tudo à luz do dia.

Não há tecnologia nem design
pedra ou muralha que resista
a tanto rio tanta água tanto olhar.

Porque branca te quero negra
no calor interior do vulcão
e nas cinzas do nosso amor.

Cheira a cavalo cansado
a palha muito revolvida
cheira a sangue e a fruta fresca.

Cheira ao pequeno-almoço
das manhãs de seara-livre
e ao pão torrado do teu trigo.

Jasmim & alecrim



“Si me quieres, quiéreme entera,
no por zonas de luz o sombra…
Si me quieres, quiéreme negra
y blanca. Y gris, y verde, y rubia,
y morena…
Quiéreme dia, quiéreme noche..
Y madrugada en la ventana abierta!”
Dulce María Loynaz Muñoz

Chamava-te bicho-da-seda amoreira e jasmim
o planalto perfeito nos caminhos do mar.
Chamavas-me falcão argumento verbo amar
peixe-espada-livre que um dia poderá ser alecrim.

Quis fazer de surpresa chá das tuas ervas
que precoces tinham ficado verdes das chuvas.
Foi quando de mansinho se abriu a porta
e em silêncio cúmplice ela deixou cair a sua saia.

Escrever e sonhar descascar ervilhas e cozinhar.
No fim, o amor as pedras lisas feitas para rimar.

Batata doce



”O corpo é leve como a alma
os minerais voam como borboletas”. Adélia Prado

Café e arroz na plantação alourada do seu peito.
Snack-bar, a cesta dos figos secos de Pompeia
antes mesmo do leite secar na figueira.

Aldeia groselha a sudoeste do seu olhar altivo
ou do peixe grelhado na brasa grossa do sal
trazida com o caril importado do seu sorriso.
A batata doce e sobremesas da doçaria conventual.

A alegria a baloiçar redonda por cima dos teus seios.
Flauta é tua, do teu ventre a melhor a mais suave
música de veludo, a flanela mais morna dos desejos.

Ninfa de pedra



“Yo fui la más callada
de todas las que hicieron el viaje hasta tu puerto”
Julia de Burgos

Junto ao mar para lá do planalto das rosas
da maresia que fazia multiplicar as ondas.
O tecido a metro da pele húmida das palavras
ficava na areia seduzida pelas marés-vazias.

Era o local exacto do jardim perfumado por ti
onde eu cheirava o tronco, as pétalas da tua alma.
Na vida não há nada mais lindo que o sal da festa
que a merenda bem condimentada pela paixão.

Diziam ser a trilogia perfeita do sonho.
Seria a ninfa de pedra picada pelo escorpião?

Noite da solidão



”Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?”
Clarice Lispector

Deitada sem se mexer descreve
a geologia húmida das nossas águas
o amanhecer adiado dos sentidos
a monotonia feliz de tardes sem mágoas.

Era primavera ou ficção minha papoila vermelha
havia um aroma que nunca antes tinha sentido
que escorria sem pressas pela inclinação do teu dorso
e que de olhos fechados parecia ter sabor a baunilha.

As beterrabas do açúcar castanho da adoração
que comia contigo nas sombras da alquimia
e que por minha culpa nunca mais encontrei
por entre as mãos das areias finas da poesia.
- As pernas redondas da última noite da solidão.

Romã de novembro



”Quem és tu? Perguntei ao desejo
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.” Hilda Hilst

Não seria bem um fado de dor e saudade
que não mais voltaria a escrever sobre a ilusão.

Porque velho antes de tempo adormecia sentado
e enquanto dormia os sonhos vividos vivia
com o vento, as noites nuas que passaram juntos
na cama da alegria no cobertor saciado do desejo.

Com as maçãs abundantes coladas às minhas mãos
e a romã de novembro aberta de primeira por mim
saborosa na primavera como nenhum outro outono
fruta eterna do jardim que guardou para comer depois.

Tão poucas noites de pé para tanto amor tanta flor.

Carvão & Oliveira



“Tómame ahora que aún es temprano
y que llevo dalias nuevas en la mano” Juana de Ibarbourou

Sorriso aberto pássaro meigo descalça se fazia à vida
água transparente se abria ao mundo se desfazia em amor.
Casa paixão da cultura e da tradição de saber amar
madeira dourada extraída da preciosidade mais querida.

- Sem esquecer despido o teu corpo
óleo e carvão sobre tela por vestir
que tinham arrematado mesmo ao cair
no leilão dos milionários do golfo.

Pomba linda voando em linha curva pela terra da ousadia
sem medo de ser raptada ou comida pelo voraz-caçador.
Tudo fazia  para pousar na oliveira do meu coração
lá onde longa a maresia ensopava os cabelos da poesia.

FRASES FEITAS DO MITO E DO ENGANO

Pandora do delito



Da visita pela tua ilha fiquei a saber
que a Vénus das nádegas belas
- segredo tão bem guardado dos escribas -
de fonte fidedigna era o fruto proibido
do fogo, da paixão pelo belo-escravo.

Que por partida do destino
foi quem muito mais tarde
abriu a gaveta da escrivaninha
da primeira Pandora do delito.

Na eminéncia sussurrante da decadéncia
no final moderno da narrativa veio a saber-se
que a maior parte dos deuses famosos
eram eunucos, nem cu emprestados tinham

Sopa de Pedra



Mar vermelho onde o velho rei Salomão
gostava de molhar os pés pesados do camião
aliviar o comichão sem lhe tirar a tesão.
Muito de mito pouco de grito nada de vida.

Procuravam na história mais antiga
palavras como raíz perdiz e meretriz
com as quais vegetal pudessem fazer
um guisado para a gorda da imperatriz.

O jovem-livre aprendiz de taberneiro
servia o vinho, toucinho servia de musa
de poesia aos homens mais velhos.
Já era assim há muito tempo
e ninguém era feito sopa de pedra.

Comércio Internacional



Quando o Mediterráneo hoje tão triste
deixou de ser o abismo da perdição
no desígnio e morte de cada náufrago
mas o caminho certo em barcos seguros
pelo mar calmo que juntava os povos.

A porta da entrada do comércio internacional
não a sepultura de vidas feitas mercadorias
do confronto moral do desespero, da impotência.
cada dia mais profunda, o tráfico negro do nada.

Documento de recusa das águas mais duras
como fronteira derradeira e definitiva da divisão
de namoros de risco e casamentos com a morte.
Assim só deus se de velho não adormece demente

Sorriso na mão



A honra e o amor e a lealdade sagrada do canto
mesmo quando se faz tanto mal ao mundo.

Nas rochas dos penedos no fundo da praia
a paixão interior foi para sempre interrompida
por aquele zé ninguém sem cara para a constipação
quanto mais para a revolta incendiária do país.

O lixo nuclear da erva onde pastavam os rebanhos
pois quem não tem cão, caça com um sorriso na mão.

As pombas das praças outrora repletas, meu amor
já não voam no céu de Nínive ou de Damasco
nem na Babilónia com muito passado mas sem futuro.
Hoje nem os mortos podem lentamente apodrecer.

Diáspora



A diáspora multi-ilhas modelo de muitas cidades
da civilização, da democracia anti-causa divina
feita por homens comuns, não por amados ditadores
com dentes podres unhas sujas e cabeças de gasolina.

Cansados deviam estar mas infelizmente não estão
dos senhores mais-que-perfeitos os filhos-das-serpentes
perfumes grelos e passarinhas pintadas cor-de-corvina
Apesar das saias curtas mal escondiam o cheiro a latrina.

Nas águas escuras na barragem da aproximação
na abordagem correcta da aterragem do avião.
Porra. Nem o tirano morre nem a gente almoça!

Favas & Formigão



São favas rapariga são favas
com sal pimenta salsa e cebola picada
para afastar o formigão guloso da cercania
as sombras das pernas lisas da tua porcelana.

Sem a depravação do coito de quartel
ter que passar por debaixo de todos
que fizeram a guerra por uma mulher
assim feita puta de todos e cada um.
Colectivizada pela vontade do vencedor.

Tirou o vestido abriu o corpo para o seu senhor
e a noite foi dia e foi noite antes mesmo do amor.
Boi preto boi corno da astúcia feminina da entrega  
e a dor da espada se fez braço de aço
no forno do mais apertado abraço.

Figo & medronho



A primeira dignidade chamava-se um figo
cuidava da alma do medronho e do pepino real
por debaixo do trajo cinzento sujo escuro
todos os sábados à tarde antes do jantar divino.

Com todos e todas o cardeal fazia que não via
mas no fim do jantar não se esquecia de oferecer
a boca santificada e de espalmar a pança lá no sítio.
Jogavam o jogo da cabra-cega até ao alvorecer.

No largo não faltavam guardas nem foguetes.
Eram comidas em demorados banquetes
quando rei não passava de um comum cidadão
e já lavava os dentes a seguir à refeição.

Vinho



Depois das rezas de sexta trabalha ao sábado
e dorme no domingo até querer e da gratidão
sente-se bem de pé, na idade da plenitude
olhando à volta do vidro, a latitude do perdão.

Antes de comer visita o quarto da escrava
e do coração manda fazer uma nova mesquita
com dinheiro estrangeiro acumulado do crude.
A lâmina fria corta e deixa a vida na escuridão.

Leitão não! Vinho nem pensar!
Carneiro chá e coca-cola pois então!
Quanto à circuncisão logo se decide.
Perdão! Mata primeiro e pergunta depois!
Como Marx eu também repito ”tenha cuidado
ao acreditar numa pessoa que não gosta de vinho.”

Guilhotina



Para isso nem é preciso guilhotina
chega a faca bem amolada, o facalhão
para a decapitação per cápita.
Assim cresce em velocidade cruzeiro
o produto interno da bruta da religião.

No chão sagrado dos axiomas do culto
filho é filho pai é pai e filho pai será.
Não confundir e aumentar a confusão.
Antes dá de beber à sede, à serpente
ao leão desdentado no deserto da escravidão.

Uma nota final, sem lágrimas mas muito pessoal.
- há poucas coisas na vida que sejam mais tristes -
do que visitar o amigo ao hospital, falar de futebol
de mulheres... sabendo do futuro em fase terminal.

Cerveja sem álcool



"Antes morrer de amor que morrer de ódio"


Preenche o formulário para se mostrar ao público
com horário privado despe-se por arrependimento
com as carnes caídas para resgatar no aviário.

Em fim de estação com as duas mãos a abanar
desce ausente a sábia e apertada rua do comentário
como quem quer avantajada ser peça de calendário.

Palavras e dogmas, provérbios e outras mentiras.
Vivemos uma época muito de modas e desígnios
muitas coisas não são mas querem parecer que são
da cerveja sem álcool, do leite de soja e de arroz.

Do peixe sem azeite e vinho que nem viu uva.
Filhos com pai a dobrar e nem uma só mãe
por mais pequena que fosse. Melhor agora seria
ter gostosa para entreter uma jeitosa viúva.