quarta-feira, 19 de março de 2025

Oxalá

 

Queira Deus que não seja o que se sente vir.

Foi pior, o horror metódico e sanguinário: o Holocausto

Carta a Radnóti Miklós (1909 - 1944)

 

Carta a Radnóti Miklós  

(1909 - 1944)

 

Sabes, Poeta, o meu neto, com a mãe e o meu genro

- O irmãozinho vem a caminho - vivem numa rua

que cruza com a rua que leva o teu nome - Radnóti Miklós

em Lipótváros, no bairro que foi sempre o teu, o bairro XIII.

Assim, sempre que os vamos visitar ou levá-lo a passear

passamos pela tua rua e vemos a tua estátua discreta.

 

Miklós - Glatter entes de ser Radnóti -, estive a ver as tuas fotografias

fiquei com a ideia de que eras um rapaz bonito, um homem elegante

um Poeta conhecido, de renome, com P grande. Lias regularmente

a tua poesia na rádio. Não admira que muitas miúdas, as mulheres

tivessem um fraquinho por ti. Sabes que eras um homem com sorte?

 

Fanni a tua Musa-Namorada de sempre era paciente e compreensiva

- Sim, eu sei que começaram a namorar eram ainda quase crianças -

e mesmo cheia de ciúmes, das zangas, perdoava as tuas aventuras,

com a jovem alemã klementine ou com a fogosa Judit, a tua pintora.

 

Arckép

Huszonkét éves vagyok. Így

nézhetett ki ősszel Krisztus is

ennyi idősen; még nem volt

szakálla, szőke volt és lányok

álmodtak véle éjjelenként!

1930. október 11.

 

Retrato

Tenho vinte e dois anos. Assim

devia ser a aparência de Cristo no outono

nessa idade; ainda não tinha

barba, era louro e as raparigas

sonhavam com ele à noite!

11 de outubro de 1930.

 

Caro Poeta, já estamos no primeiro quarto do século vinte e um.

Agora é comum falar sobre a importância da baixa pegada carbónica

de desenhar a estratégia sustentável para o futuro da humanidade

da comunicação imediata das redes sociais, das novas liberdades

e dos velhos discursos do ódio recauchutado, sempre mobilizadores.

A cegueira dos custos não imputados ao populismo assassino.

 

De custos, direi que para ti era em primeiro lugar a vida, a sobrevivência

que te custava caminhar, estar de pé, estar sentado, estar deitado.

Que morrer só depois de sonhar e de voar, de cair e de novo se levantar.

De escrever a última agonia antes da última bala, o último postal ilustrado.

Poeta, 4 postais para te ilustrar e iluminar, para te recordar e eternizar.

 

Negyedik Razglednica

Mellézuhantam, átfordult a teste

s feszes volt már, mint húr, ha pattan.

Tarkólövés. - Így végzed hát te is, -

súgtam magamnak, - csak feküdj nyugodtan.

Halált virágzik most a türelem. -

Der springt noch auf, - hangzott fölöttem.

Sárral kevert vér száradt fülemen.

Szentkirályszabadja, 1944. október 31.

 

Quarto postal ilustrado

Eu caí ao seu lado, o seu corpo virou-se

e já estava esticado, como a corda quando se parte.

Um tiro na nuca. - Assim acabas tu também, -

Sussurrei para mim próprio, - fica calmo e quieto.

A paciência floresce agora na morte. -

Der springt noch auf*, - ouviu-se por cima de mim.

Sangue misturado com lama secou nas minhas orelhas.

*Ele continua a saltar

Szentkirályszabadja, 31 de outubro de 1944

 

Acorda meu amigo, a Fanni está à tua espera, jovem, bela e apaixonada

como nos dias especiais, com um bolo de requeijão e um körtepálinka

com um exemplar do teu Bori notesz, símbolo maior do pior pesadelo.

Para te dar a novidade que em Budapeste há um teatro com o teu nome

que nenhum judeu é perseguido, nem os católicos convertidos como tu.

Há futuro mesmo quando a escuridão parece ser mais forte que o clamor do amor!

 

Budapeste, 1 de março de 2025

Születik a Vers (Nasce o Poema) Em memória de Hajnal László

 

Születik a Vers (Nasce o Poema)
Em memória de Hajnal László (Grün László)  1902 - 1943

Hajnal László foi jornalista, em jornais como Magyar Szó (Palavra Húngara),
Zsidó Jövö (Futuro Judeu) e na revista erótica Fekete Macska (Gato Preto).

Velho companheiro, com o Gato Preto vieram-me à cabeça
outros gatos, outras gatas nocturnas, outras épocas… 

Por exemplo, no início dos anos oitenta do século passado
em Budapeste, numa esquina perto da residência da rua Ráday
havia um bar chamado Fekete Macska. Eu era um törzsvendég.
Como estava perto da cama, podia abusar e abusei muitas vezes.  

Foi ali entre canecas de cerveja e copinhos de aguardente 
que comecei a série do Gato Preto. No verão seguinte 
o Zetho convenceu-me a publicar em edição para amigos. 

Como não encontro o único exemplar que tinha dos 50
editados por uma tipografia de Almeirim, vou tentar de cabeça  
reinventar um dos 13 textos que compunham a plaquete. 

A senhora por volta dos quarenta, de calças apertadas caminhava pela rua. 
Na cidade não havia ninguém que soubesse apresentar uma dança moderna 
como ela, a dança indiscreta das ancas e das nádegas pelos declives da calçada.   
Os homens nem reação ou verbo tinham, ficavam sentados a observar 
e a imaginar outros bailes e outras festas populares, outros arraiais.

Era tão fogosa que com medo de se queimar, ficar com os dedos esturricados
não havia alma que se chegasse à frente, que atravessasse a ponte da fortaleza.
Quem ganhava com a falta de coragem era o bichano, o gato preto da casa
habituado que estava não a caçar ratos ou pardais, mas a dormir sobressaltado 
na borralha da cinza quente e morna, quentes e boas, entre as coxas da dona.      

Hajnal László publicou poesia, prosa, peças de teatro e crítica literária.

Születik a vers
Ilyenkor tárjuk fel a mellünk,
A napsugárt szívjuk le mélyre
Kitárt két karral ünnepeljünk,
Mert az isten született bennünk,
Dobjunk el minden földit félre,
Mert elindult felénk a Vers...!

Nasce o poema
É chegado o tempo de abrir o peito
Deixar o sol descer até ao fundo,
Festejar de braços abertos,
Porque Deus nasceu em nós,
Deixemos de lado todas as coisas terrenas
Porque o Poema vem ao nosso encontro...!

Nasceu no último dia do ano, 2 depois da madrugada do século XX e em janeiro de 1943,
desapareceu como "munkaszolgálat" (recruta forçado sem armas) na Frente Oriental, na
URSS. Não se sabe onde nem exatamente quando, como judeu-carne para canhão,
desarmado, esfomeado e muitas vezes espancado só porque lhes apetecia.

O munkaszolgálat foi uma instituição militar especial criada e mantida na Hungria durante
a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Era um “serviço” de guerra realizado nas forças
armadas e unidades militares, mas sem armas e exclusivamente sob a forma de trabalhos
forçados. Normalmente nos combates iam à frente dos soldados do exército húngaro.

Budapeste, 2 de março de 2025

Éva élni akar (Éva quer viver) Em memória de Pajzs Elemér (1894-1944)

 

Éva élni akar (Éva quer viver)

Em memória de Pajzs Elemér (1894-1944)

 

A Éva desta história, ao telefone não parava de falar. 

Falava, falava e sorria dos seus lindos olhos escuros 

lanternas para os lábios finos e a sua boca bem feita. 

À volta todos sabiam sobre de que falava com a amiga. 

 

Para os curiosos, a história conta-se em um minuto.  

No sábado à noite tinha estado com colegas do trabalho 

a beber uns copos, alguns cocktails e sem se dar conta 

tinha-se deixado seduzir, na verdade tinha seduzido 

o empregado mais jeitoso do famoso bar em ruínas. 

Ia ter com ele. Há muito tempo que não estava tão feliz. 

 

Tinha um cabelo louro que chamava a atenção

e apesar da pouca luz, fim de tarde de um dia escuro

- ainda não tinham acendido as luzes do eléctrico -

via-se um rosto perfeito e umas sobrancelhas cuidadas.

 

As unhas arranjadas, discretas destacavam-se.  

Estavam pintadas de azul com tons de março 

mês que anuncia e desperta paixões ardentes.

Éva era a jovem mais bonita das viagens da semana

(mas também é verdade que era só segunda-feira). 

 

Seria Éva ou será que sem fui eu que inventei o nome  

à jovem e esbelta desconhecida sentada à minha frente? 

É porque nesse dia tinha estado a ler Pajzs Elemér. 

Um texto escrito há mais de cem anos e que não disfarça 

o erotismo natural de um askhenazi húngaro convertido.

 

Éva élni akar (Éva quer viver)

Talvez seja desejável. Sabeis isto, mãe.
Eu quero viver. Amar. O meu marido, se tiver um.
Ou outro homem... O meu sangue é quente... quente...
Peço desculpa mãe, por dizer estas coisas.
e se te zangares, deves perdoar-me, porque sou uma rapariga velha.

Velha. Vinte e oito anos. E o meu sangue é quente. A arder...
a arder, a fermentar como mosto. Eu quero amar...

Pajzs Elemér, 1912

 

Escritor que encontrei com as pesquisas e preparação 

do livro de homenagem aos dois diplomatas portugueses 

que em Budapeste em 1944 salvaram do holocausto 

a vida a cerca de mil judeus húngaros. Gente valente!

 

Pajzs Elemér, nascido Schön Elemér, escritor, jornalista, autor de peças de cabaré e tradutor literário. Judeu-húngaro convertido, foi um grande admirador de Salazar. Visitou e escreveu vários artigos sobre Portugal. É o autor do livro "Salazar: Egy kis ország nagy építője", 1942 (Salazar: O grande construtor de um pequeno país), mas nem a proteção portuguesa o salvou da morte. Em 1944, Elemér estava com a mulher e o único filho numa casa protegida da legação de Portugal e foram os três assassinados por milícias do partido nazi húngaro. 

 

Budapeste, 3 de março de 2025

Ilyen az élet (É a vida) Tributo a Rejtő Jenő (1904 - 1943)

 

Ilyen az élet (É a vida)

Tributo a Rejtő Jenő (1904 - 1943)

Nascido Reich Jenő, pseudónimo P. Howard

 

Rejtő Jenő em jovem escreveu poesia (um excerto)

Most vége... vége... emberek

Bolond az mind ki vár remél

Ősz van az űrben ősz hideg

S a föld a sárga falevél

– (Reich Jenő: Világromlás, 1923 k.)

 

Agora acabou... acabou... gente

Tontos são os que esperam com esperança

É outono no universo, um frio outono

E a terra é uma folha amarela

- (Reich Jenő: Decadência do mundo, 1923)

 

Banana descascada rima com sacana sem vergonha

Laranja cor-de-rosa rima com canja de pato bravo

Ameixa de perna aberta rima com madeixa da menina

Neste mundo paralelo e virtual de tanta esperteza saloia.

 

Porque no politicamente correcto do nosso tempo

temos quase perdida a guerra, a ilusão da liberdade.

Já há quem diga com a convicção rasca de ilusionista barato

que chegou a hora de desertarmos, abandonarmos a cidade.

 

Apetece-me mandá-los um por um para a puta que os pariu

mas a contagem das espingardas é-nos tão desfavorável

que é apanhar comer e calar, na sombra deixar-se ficar invisível

porque não foi um ditador que depois de tanto mando caiu.

 

Lembrar como era a vida e a morte há oitenta anos

como era assassinada a cidadania e espezinhada a liberdade.

Não perder a esperança nos homens e nas mulheres de boa vontade

porque chegará a hora do ajuste de contas, a morte dos tiranos.

Um pintassilgo do povo mesmo escondido não desiste de voar

mesmo disfarçado não deixa de ser livre, de pensar e de cantar.

 

Rejtő Jenő (29 de março de 1905 - 1 de janeiro de 1943) judeu húngaro, no período entre as duas guerras mundiais, foi um destacado jornalista, escritor e dramaturgo. Famoso pelos seus livros e novelas - romances de aventura e policiais, normalmente caracterizados pela ironia e o humor absurdo. Como muitos outros, ele também foi levado como "munkaszolgálat" (recruta forçado sem armas) para a Frente Oriental, para a região do Don na Ucrânia, URSS, onde o exército húngaro combatia. Não se sabe exatamente como passou Rejtő os seus últimos meses. Sabe-se que mesmo doente, até ao último dia, continuou a entreter e a divertir os seus camaradas de infortúnio. Não se conhece a sua sepultura, nem se sabe de que é que morreu. É provável que esteja enterrado algures na actual Ucrânia independente.

 

Ilyen az élet; egyszer lenn, egyszer fenn. És végre is: odafenn már nem fáj semmi. Rejtő Jenó

É a vida: uma vez em baixo, outra vez em cima. E finalmente: lá em cima, já nada dói.

 

Budapeste, 4 de março de 2025

Mit is akar a hangya? (O que é que a formiga quer?) Em memória de Liget Ernő

 

Mit is akar a hangya? (O que é que a formiga quer?)

Em memória de Liget Ernő (antes Lichtenstein Ernő) (1899-1944)

 

Doutorado em direito, foi jornalista, escritor e poeta. 

Mit is akar a hangya? (1916)

Szívem, mit mondjak néked el,

hogy tűnnek hosszú évek el,

hogy másnak kéne lenni

s nem lesz belőlem semmi.

 

Szívem, mit mondjak néked el,

szívemben madár énekel

tejüveg gyönyörű hanggal,

mint álomban az angyal.

 

O que é que a formiga quer? (1916)
Minha querida, como é que eu te vou dizer 
Como os longos anos se foram,
Que eu deveria ser diferente
E que de mim não serei nada.

Minha querida, como é que eu te vou dizer 
que um pássaro está a cantar no meu coração
Com uma bela voz de cristal  
Como um anjo num sonho.

 

Em 11 de janeiro de 1945 Ligeti Ernő foi assassinado. 

Ligeti, a mulher e o filho foram arrastados do apartamento que estava sob a proteção da Embaixada da Suíça, por uma brigada de nazis húngaros e levados para a sede do partido na avenida Andrássy, 60. Ali foram torturados e à noite executados na Praça Liszt Ferenc, por ordem do Padre católico Kun András, criminoso de guerra que foi enforcado em setembro de 1945. O filho Ligeti Károly (1928-2015) que sobreviveu milagrosamente às balas, em 1946 emigrou para a Alemanha e em 1950 para os Estados Unidos.

 

Não me digam mais nada senão morro (Ary dos Santos)

Não me digam nunca, nunca mais que os judeus 

tanto irritaram tanto provocaram tanto enraiveceram 

que alcatroaram o caminho do seu próprio destino 

 

que eram um corpo estranho, um inimigo da nação 

que se puseram a jeito estavam mesmo a pedi-las 

que comeram a sopa que eles próprios cozinharam.

 

Não me digam mais senão como ainda estou vivo

não tenho alternativa não vou calar e ficar em silêncio 

e antes de morrer vou disparar a matar para nos salvar. 

Shoah nunca mais! Não aos outros genocídios!

Levantar a voz de protesto e de luta, denunciar 

os genocídios sejam de ontem de hoje ou amanhã.

 

Budapeste, 5 de março de 2025

 

 

 


Carta-Tributo ao Professor Szerb Antal (1901 – 1945)

 

Carta-Tributo ao Professor Szerb Antal

(1901 – 1945) 

 

Mensagem para aqueles que por mero acaso venham a ler esta carta sobre

a intolerância, a discriminação e o racismo assassino e que na minha opinião

continua mais actual do que seria racionalmente aceitável. Oxalá esteja enganado.

 

Prezado Senhor Professor 

Se lhe dá alegria, gostaria que soubesse que aqui, mesmo morto

mesmo ausente, continua presente e é mais consultado

do que a maioria dos seus compatriotas contemporâneos.

 

Sim eu sei das 3 leis anti-semitas, como os fascistas húngaros o trataram

como o perseguiram, como o proibiram de ensinar, de publicar, de viver

como o internaram no campo de trabalho forçado de Balf,

como o assassinaram quando de tão enfraquecido já não rendia.

 

Mataram-no à coronhada no dia 27 de janeiro de 1945 

quando era evidente que a guerra estava perdida para a Alemanha nazi e seus aliados.

No dia da libertação pelo Exército Vermelho do campo de concentração de Auschwitz

e hoje Dia Internacional das Vítimas do Holocausto.

Um dos muitos exemplos das tragédias húngaras do século XX.

 

Apesar de ser muito religioso - nascido judeu, mas católico convicto - 

o jovem Antal amou como se não houvesse nem um minuto a perder. 

Nem sempre foi bem-sucedido, mas tal não o fazia desistir. 

Com Klára, a segunda mulher, encontrou o seu próprio romance, 

Aquela que foi a sua companheira até ao último dia da sua vida. 

 

Excerto de um soneto escrito com 22 anos para uma colega de universidade.

Como ela não lhe correspondia, casou-se com a irmã 5 anos mais nova

(casaram e divorciaram-se 2 vezes).

 

A távolságot szeretem miköztünk. (...) 

 

Te meg én, világ két sarkából jövők, 

a testünk más – szőke a Te hajad, 

a vérünk más – az enyém nyugtalan 

s integetnek idegen jövők – 

a vágyunk mégis egyfelé halad

(Részlet: Violaine-szonett), 1923

 

Gosto da distância entre nós. (...)


Tu e eu, vindos de dois cantos do mundo,
os nossos corpos são diferentes - o teu cabelo é loiro,
o nosso sangue é diferente - o meu é inquieto

e acenam futuros estranhos -
mas o nosso desejo vai na mesma direção.

(Excerto: Soneto de Violaine), 1923

 

Permita-me a minha resposta, a minha interpretação:

Para sabermos dar valor ao preço da vida (do amor partilhado com a dor)

à ansiedade virtuosa de quando moramos na mesma casa

à exaltação da emoção quando dormimos na mesma cama

e à intensidade da sedução quando habitamos um no outro. 

 

No mundo das nossas vidas (da ternura partilhada com amargura)

a distância é o selo de garantia dos domingos do nosso Amor 

o certificado fugaz e provisório das frias manhãs e tarde perdidas 

dos cinzentos dias da semana em que nada mais acontece. 

 

Em nós a distância com desencontro e ausência, mas sem esquecimento 

é nosso refúgio, o melhor do nosso ninho, a flor da madrugada, a luz do luar. 

Para nós a distância é o caminho que nos leva ao teu, ao meu, ao nosso destino.

 

Szerb Antal foi uma das principais personalidades da literatura húngara do século XX. Nasceu em Budapeste a 1 de maio de 1901 numa família de judeus convertidos ao catolicismo. Com uma grande apetência para os idiomas rapidamente se destacou como escritor, tradutor e historiador da literatura. Estudou alemão e inglês na Universidade e obteve o doutoramento em 1924, com apenas 23 anos. Viveu em França, Itália e Inglaterra. Regressou em 1933 e foi eleito presidente da Academia de Literatura Húngara. Em 1937 tornou-se professor de literatura na Universidade de Szeged - ano em que publicou a sua obra mais famosa “Viajante à Luz da Lua”. 

Budapeste, 6 de março de 2025

Sem Destino Tributo a Kertész Imre (1929 - 2016)

 

Tributo a Kertész Imre (1929 - 2016)

Aos seus livros, incluídos os que eu não li.

Texto poético dedicado a Ernesto Rodrigues com o seu

extraordinário livro “Hungarica” à mão de semear.

 

Kertész leszek fát nevelek (József Attila)

Jardineiro serei as árvores cuidarei.

 

Retiro uma a uma as pedras do Coração 

com elas enfeito e decoro o nosso jardim 

e protejo a velha árvore da nossa Paixão 

desse Amor que para sempre ficou em mim.

 

Do tempo em que menino a literatura degenerada 

andou a sofrer e a arrastar-se pelo Sorstalanság 

Sem Destino a morrer por Auschwitz e Buchenwald.

 

O poema cheira a água do riacho do seu ventre

mas como eu não fui prisioneiro nem sou sobrevivente

não associo o cabelo rapado à falta de um pente.

Navego somente do meu sonho até à sua nascente.

 

Vegsö kocsma - a última tasca da última estação do comboio.

- Dos vagões de gado para o matadouro do destino marcado -

A estação sem regresso ou se há regresso é porque o milagre existe.

 

Não haja ilusões ou ingenuidade mimada pela celebrada libertação.

Totalitarismo rima com submissão, com obediência e capitulação 

e provavelmente só se pode vencer se derrotado por outro totalitarismo.

Mais forte, cínico e enganador com nós a fazer uso cartesiano do optimismo.

 

Budapeste, 7 de março de 2025

 

Passei alguns meses na preparação e seleção dos escritores: 6 mártires do Holocausto Húngaro e 1 sobrevivente. Escrevi os 7 textos nos primeiros 7 dias de março de 2025.

Budapeste, 8 de março de 2025