Queira Deus que não seja o que se sente vir.
Foi pior, o horror metódico e sanguinário: o Holocausto
Queira Deus que não seja o que se sente vir.
Foi pior, o horror metódico e sanguinário: o Holocausto
Carta a Radnóti Miklós
(1909 - 1944)
Sabes, Poeta, o meu neto, com a mãe e o meu genro
- O irmãozinho vem a caminho - vivem numa rua
que cruza com a rua que leva o teu nome - Radnóti Miklós
em Lipótváros, no bairro que foi sempre o teu, o bairro
XIII.
Assim, sempre que os vamos visitar ou levá-lo a passear
passamos pela tua rua e vemos a tua estátua discreta.
Miklós - Glatter entes de ser Radnóti -, estive a ver as
tuas fotografias
fiquei com a ideia de que eras um rapaz bonito, um homem
elegante
um Poeta conhecido, de renome, com P grande. Lias
regularmente
a tua poesia na rádio. Não admira que muitas miúdas, as
mulheres
tivessem um fraquinho por ti. Sabes que eras um homem com
sorte?
Fanni a tua Musa-Namorada de sempre era paciente e
compreensiva
- Sim, eu sei que começaram a namorar eram ainda quase
crianças -
e mesmo cheia de ciúmes, das zangas, perdoava as tuas
aventuras,
com a jovem alemã klementine ou com a fogosa Judit, a tua
pintora.
Arckép
Huszonkét éves vagyok. Így
nézhetett ki ősszel Krisztus is
ennyi idősen; még nem volt
szakálla, szőke volt és lányok
álmodtak véle éjjelenként!
1930. október 11.
Retrato
Tenho vinte e dois anos. Assim
devia ser a aparência de Cristo no outono
nessa idade; ainda não tinha
barba, era louro e as raparigas
sonhavam com ele à noite!
11 de outubro de 1930.
Caro Poeta, já estamos no primeiro quarto do século vinte e
um.
Agora é comum falar sobre a importância da baixa pegada
carbónica
de desenhar a estratégia sustentável para o futuro da
humanidade
da comunicação imediata das redes sociais, das novas
liberdades
e dos velhos discursos do ódio recauchutado, sempre
mobilizadores.
A cegueira dos custos não imputados ao populismo assassino.
De custos, direi que para ti era em primeiro lugar a vida, a
sobrevivência
que te custava caminhar, estar de pé, estar sentado, estar
deitado.
Que morrer só depois de sonhar e de voar, de cair e de novo
se levantar.
De escrever a última agonia antes da última bala, o último
postal ilustrado.
Poeta, 4 postais para te ilustrar e iluminar, para te
recordar e eternizar.
Negyedik Razglednica
Mellézuhantam, átfordult a teste
s feszes volt már, mint húr, ha pattan.
Tarkólövés. - Így végzed hát te is, -
súgtam magamnak, - csak feküdj nyugodtan.
Halált
virágzik most a türelem. -
Der springt
noch auf, - hangzott fölöttem.
Sárral
kevert vér száradt fülemen.
Szentkirályszabadja, 1944. október 31.
Quarto postal ilustrado
Eu caí ao seu lado, o seu corpo virou-se
e já estava esticado, como a corda quando se parte.
Um tiro na nuca. - Assim acabas tu também, -
Sussurrei para mim próprio, - fica calmo e quieto.
A paciência floresce agora na morte. -
Der springt noch auf*, - ouviu-se por cima de mim.
Sangue misturado com lama secou nas minhas orelhas.
*Ele continua a saltar
Szentkirályszabadja, 31 de outubro de 1944
Acorda meu amigo, a Fanni está à tua espera, jovem, bela e
apaixonada
como nos dias especiais, com um bolo de requeijão e um
körtepálinka
com um exemplar do teu Bori notesz, símbolo maior do pior
pesadelo.
Para te dar a novidade que em Budapeste há um teatro com o
teu nome
que nenhum judeu é perseguido, nem os católicos convertidos
como tu.
Há futuro mesmo quando a escuridão parece ser mais forte que
o clamor do amor!
Budapeste, 1 de março de 2025
Születik a Vers (Nasce o Poema)
Em memória de Hajnal László (Grün László) 1902 - 1943
Hajnal László foi jornalista, em jornais como Magyar Szó (Palavra Húngara),
Zsidó Jövö (Futuro Judeu) e na revista erótica Fekete Macska (Gato Preto).
Velho companheiro, com o Gato Preto vieram-me à cabeça
outros gatos, outras gatas nocturnas, outras épocas…
Por exemplo, no início dos anos oitenta do século passado
em Budapeste, numa esquina perto da residência da rua Ráday
havia um bar chamado Fekete Macska. Eu era um törzsvendég.
Como estava perto da cama, podia abusar e abusei muitas vezes.
Foi ali entre canecas de cerveja e copinhos de aguardente
que comecei a série do Gato Preto. No verão seguinte
o Zetho convenceu-me a publicar em edição para amigos.
Como não encontro o único exemplar que tinha dos 50
editados por uma tipografia de Almeirim, vou tentar de cabeça
reinventar um dos 13 textos que compunham a plaquete.
A senhora por volta dos quarenta, de calças apertadas caminhava pela
rua.
Na cidade não havia ninguém que soubesse apresentar uma dança
moderna
como ela, a dança indiscreta das ancas e das nádegas pelos declives da
calçada.
Os homens nem reação ou verbo tinham, ficavam sentados a observar
e a imaginar outros bailes e outras festas populares, outros arraiais.
Era tão fogosa que com medo de se queimar, ficar com os dedos esturricados
não havia alma que se chegasse à frente, que atravessasse a ponte da fortaleza.
Quem ganhava com a falta de coragem era o bichano, o gato preto da casa
habituado que estava não a caçar ratos ou pardais, mas a dormir
sobressaltado
na borralha da cinza quente e morna, quentes e boas, entre as coxas da
dona.
Hajnal László publicou poesia, prosa, peças de teatro e crítica literária.
Születik a vers
Ilyenkor tárjuk fel a mellünk,
A napsugárt szívjuk le mélyre
Kitárt két karral ünnepeljünk,
Mert az isten született bennünk,
Dobjunk el minden földit félre,
Mert elindult felénk a Vers...!
Nasce o poema
É chegado o tempo de abrir o peito
Deixar o sol descer até ao fundo,
Festejar de braços abertos,
Porque Deus nasceu em nós,
Deixemos de lado todas as coisas terrenas
Porque o Poema vem ao nosso encontro...!
Nasceu no último dia do ano, 2 depois da madrugada do século XX e em janeiro de
1943,
desapareceu como "munkaszolgálat" (recruta forçado sem armas) na
Frente Oriental, na
URSS. Não se sabe onde nem exatamente quando, como judeu-carne para canhão,
desarmado, esfomeado e muitas vezes espancado só porque lhes apetecia.
O munkaszolgálat foi uma instituição militar especial criada e mantida na
Hungria durante
a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Era um “serviço” de guerra realizado
nas forças
armadas e unidades militares, mas sem armas e exclusivamente sob a forma de
trabalhos
forçados. Normalmente nos combates iam à frente dos soldados do exército
húngaro.
Budapeste, 2 de março de 2025
Éva élni akar (Éva quer viver)
Em memória de Pajzs Elemér (1894-1944)
A Éva desta história, ao telefone não parava de falar.
Falava, falava e sorria dos seus lindos olhos escuros
lanternas para os lábios finos e a sua boca bem feita.
À volta todos sabiam sobre de que falava com a amiga.
Para os curiosos, a história conta-se em um minuto.
No sábado à noite tinha estado com colegas do trabalho
a beber uns copos, alguns cocktails e sem se dar conta
tinha-se deixado seduzir, na verdade tinha seduzido
o empregado mais jeitoso do famoso bar em ruínas.
Ia ter com ele. Há muito tempo que não estava tão
feliz.
Tinha um cabelo louro que chamava a atenção
e apesar da pouca luz, fim de tarde de um dia escuro
- ainda não tinham acendido as luzes do eléctrico -
via-se um rosto perfeito e umas sobrancelhas cuidadas.
As unhas arranjadas, discretas destacavam-se.
Estavam pintadas de azul com tons de março
mês que anuncia e desperta paixões ardentes.
Éva era a jovem mais bonita das viagens da semana
(mas também é verdade que era só segunda-feira).
Seria Éva ou será que sem fui eu que inventei o nome
à jovem e esbelta desconhecida sentada à minha frente?
É porque nesse dia tinha estado a ler Pajzs Elemér.
Um texto escrito há mais de cem anos e que não
disfarça
o erotismo natural de um askhenazi húngaro convertido.
Éva élni akar (Éva quer viver)
Talvez seja desejável. Sabeis isto, mãe.
Eu quero viver. Amar. O meu marido, se tiver um.
Ou outro homem... O meu sangue é quente... quente...
Peço desculpa mãe, por dizer estas coisas.
e se te zangares, deves perdoar-me, porque sou uma rapariga velha.
Velha. Vinte e oito anos. E o meu sangue é quente. A
arder...
a arder, a fermentar como mosto. Eu quero amar...
Pajzs Elemér, 1912
Escritor que encontrei com as pesquisas e preparação
do livro de homenagem aos dois diplomatas portugueses
que em Budapeste em 1944 salvaram do holocausto
a vida a cerca de mil judeus húngaros. Gente valente!
Pajzs Elemér, nascido Schön Elemér, escritor, jornalista,
autor de peças de cabaré e tradutor literário. Judeu-húngaro
convertido, foi um grande admirador de Salazar. Visitou e escreveu vários
artigos sobre Portugal. É o autor do livro "Salazar: Egy kis ország nagy
építője", 1942 (Salazar: O grande construtor de um pequeno país), mas nem
a proteção portuguesa o salvou da morte. Em 1944, Elemér estava com a mulher e
o único filho numa casa protegida da legação de Portugal e foram os três
assassinados por milícias do partido nazi húngaro.
Budapeste, 3 de março de 2025
Ilyen az élet (É a vida)
Tributo a Rejtő Jenő (1904 - 1943)
Nascido Reich Jenő, pseudónimo P. Howard
Rejtő Jenő em jovem escreveu poesia (um excerto)
Most
vége... vége... emberek
Bolond az
mind ki vár remél
Ősz van az
űrben ősz hideg
S a föld a sárga falevél
– (Reich Jenő: Világromlás, 1923 k.)
Agora acabou... acabou... gente
Tontos são os que esperam com esperança
É outono no universo, um frio outono
E a terra é uma folha amarela
- (Reich Jenő: Decadência do mundo, 1923)
Banana descascada rima com sacana sem vergonha
Laranja cor-de-rosa rima com canja de pato bravo
Ameixa de perna aberta rima com madeixa da menina
Neste mundo paralelo e virtual de tanta esperteza saloia.
Porque no politicamente correcto do nosso tempo
temos quase perdida a guerra, a ilusão da liberdade.
Já há quem diga com a convicção rasca de ilusionista barato
que chegou a hora de desertarmos, abandonarmos a cidade.
Apetece-me mandá-los um por um para a puta que os pariu
mas a contagem das espingardas é-nos tão desfavorável
que é apanhar comer e calar, na sombra deixar-se ficar
invisível
porque não foi um ditador que depois de tanto mando caiu.
Lembrar como era a vida e a morte há oitenta anos
como era assassinada a cidadania e espezinhada a liberdade.
Não perder a esperança nos homens e nas mulheres de boa
vontade
porque chegará a hora do ajuste de contas, a morte dos
tiranos.
Um pintassilgo do povo mesmo escondido não desiste de voar
mesmo disfarçado não deixa de ser livre, de pensar e de
cantar.
Rejtő Jenő (29 de março de 1905 - 1 de janeiro de 1943)
judeu húngaro, no período entre as duas guerras mundiais, foi um destacado
jornalista, escritor e dramaturgo. Famoso pelos seus livros e novelas -
romances de aventura e policiais, normalmente caracterizados pela ironia e o
humor absurdo. Como muitos outros, ele também foi levado como
"munkaszolgálat" (recruta forçado sem armas) para a Frente Oriental,
para a região do Don na Ucrânia, URSS, onde o exército húngaro combatia. Não se
sabe exatamente como passou Rejtő os seus últimos meses. Sabe-se que mesmo
doente, até ao último dia, continuou a entreter e a divertir os seus camaradas
de infortúnio. Não se conhece a sua sepultura, nem se sabe de que é que morreu.
É provável que esteja enterrado algures na actual Ucrânia independente.
Ilyen az
élet; egyszer lenn, egyszer fenn. És végre is: odafenn már nem fáj
semmi. Rejtő Jenó
É a vida: uma vez em baixo, outra vez em cima. E finalmente:
lá em cima, já nada dói.
Budapeste, 4 de março de 2025
Mit is akar a hangya? (O que é que a formiga quer?)
Em memória de Liget Ernő (antes Lichtenstein
Ernő) (1899-1944)
Doutorado em direito, foi jornalista, escritor e poeta.
Mit is akar
a hangya? (1916)
Szívem, mit
mondjak néked el,
hogy tűnnek
hosszú évek el,
hogy másnak
kéne lenni
s nem lesz
belőlem semmi.
Szívem, mit
mondjak néked el,
szívemben
madár énekel
tejüveg
gyönyörű hanggal,
mint álomban az angyal.
O que é que a formiga quer? (1916)
Minha querida, como é que eu te vou dizer
Como os longos anos se foram,
Que eu deveria ser diferente
E que de mim não serei nada.
Minha querida, como é que eu te vou dizer
que um pássaro está a cantar no meu coração
Com uma bela voz de cristal
Como um anjo num sonho.
Em 11 de janeiro de 1945 Ligeti Ernő foi
assassinado.
Ligeti, a mulher e o filho foram arrastados do apartamento
que estava sob a proteção da Embaixada da Suíça, por uma brigada de nazis
húngaros e levados para a sede do partido na avenida Andrássy, 60. Ali foram
torturados e à noite executados na Praça Liszt Ferenc, por ordem do Padre
católico Kun András, criminoso de guerra que foi enforcado em setembro de 1945.
O filho Ligeti Károly (1928-2015) que sobreviveu milagrosamente às balas, em
1946 emigrou para a Alemanha e em 1950 para os Estados Unidos.
Não me digam mais nada senão morro (Ary dos Santos)
Não me digam nunca, nunca mais que os judeus
tanto irritaram tanto provocaram tanto enraiveceram
que alcatroaram o caminho do seu próprio destino
que eram um corpo estranho, um inimigo da nação
que se puseram a jeito estavam mesmo a pedi-las
que comeram a sopa que eles próprios cozinharam.
Não me digam mais senão como ainda estou vivo
não tenho alternativa não vou calar e ficar em
silêncio
e antes de morrer vou disparar a matar para nos
salvar.
Shoah nunca mais! Não aos outros genocídios!
Levantar a voz de protesto e de luta, denunciar
os genocídios sejam de ontem de hoje ou amanhã.
Budapeste, 5 de março de 2025
Carta-Tributo ao Professor Szerb Antal
(1901 – 1945)
Mensagem para aqueles que por mero acaso venham a ler esta
carta sobre
a intolerância, a discriminação e o racismo assassino e que
na minha opinião
continua mais actual do que seria racionalmente
aceitável. Oxalá esteja enganado.
Prezado Senhor Professor
Se lhe dá alegria, gostaria que soubesse que aqui,
mesmo morto
mesmo ausente, continua presente e é mais consultado
do que a maioria dos seus compatriotas contemporâneos.
Sim eu sei das 3 leis anti-semitas, como os fascistas
húngaros o trataram
como o perseguiram, como o proibiram de ensinar, de
publicar, de viver
como o internaram no campo de trabalho forçado de Balf,
como o assassinaram quando de tão enfraquecido já não
rendia.
Mataram-no à coronhada no dia 27 de janeiro de 1945
quando era evidente que a guerra estava perdida
para a Alemanha nazi e seus aliados.
No dia da libertação pelo Exército Vermelho do campo de
concentração de Auschwitz
e hoje Dia Internacional das Vítimas do Holocausto.
Um dos muitos exemplos das tragédias húngaras do século XX.
Apesar de ser muito religioso - nascido judeu, mas católico
convicto -
o jovem Antal amou como se não houvesse nem um
minuto a perder.
Nem sempre foi bem-sucedido, mas tal não o fazia
desistir.
Com Klára, a segunda mulher, encontrou o seu próprio
romance,
Aquela que foi a sua companheira até ao último dia da sua
vida.
Excerto de um soneto escrito com 22 anos para uma colega de
universidade.
Como ela não lhe correspondia, casou-se com a irmã 5 anos
mais nova
(casaram e divorciaram-se 2 vezes).
A távolságot szeretem miköztünk. (...)
Te meg én, világ két sarkából jövők,
a testünk más – szőke a
Te hajad,
a vérünk más – az enyém nyugtalan
s integetnek idegen jövők –
a vágyunk mégis egyfelé halad
(Részlet:
Violaine-szonett), 1923
Gosto da distância entre nós. (...)
Tu e eu, vindos de dois cantos do mundo,
os nossos corpos são diferentes - o teu cabelo é loiro,
o nosso sangue é diferente - o meu é inquieto
e acenam futuros estranhos -
mas o nosso desejo vai na mesma direção.
(Excerto: Soneto de Violaine), 1923
Permita-me a minha resposta, a minha interpretação:
Para sabermos dar valor ao preço da vida (do amor partilhado
com a dor)
à ansiedade virtuosa de quando moramos na mesma casa
à exaltação da emoção quando dormimos na mesma cama
e à intensidade da sedução quando habitamos um no
outro.
No mundo das nossas vidas (da ternura partilhada com
amargura)
a distância é o selo de garantia dos domingos do nosso
Amor
o certificado fugaz e provisório das frias manhãs e tarde
perdidas
dos cinzentos dias da semana em que nada mais
acontece.
Em nós a distância com desencontro e ausência, mas sem
esquecimento
é nosso refúgio, o melhor do nosso ninho, a flor da
madrugada, a luz do luar.
Para nós a distância é o caminho que nos leva ao teu, ao
meu, ao nosso destino.
Szerb Antal foi uma das principais personalidades
da literatura húngara do século XX. Nasceu em Budapeste a 1 de maio de
1901 numa família de judeus convertidos ao catolicismo. Com uma grande
apetência para os idiomas rapidamente se destacou como escritor, tradutor
e historiador da literatura. Estudou alemão e inglês na Universidade e
obteve o doutoramento em 1924, com apenas 23 anos. Viveu em França, Itália e
Inglaterra. Regressou em 1933 e foi eleito presidente da Academia de
Literatura Húngara. Em 1937 tornou-se professor de literatura na Universidade
de Szeged - ano em que publicou a sua obra mais famosa “Viajante à Luz da
Lua”.
Budapeste, 6 de março de 2025
Tributo a Kertész Imre (1929 - 2016)
Aos seus livros, incluídos os que eu não li.
Texto poético dedicado a Ernesto Rodrigues com o seu
extraordinário livro “Hungarica” à mão de semear.
Kertész
leszek fát nevelek (József Attila)
Jardineiro serei as árvores cuidarei.
Retiro uma a uma as pedras do Coração
com elas enfeito e decoro o nosso jardim
e protejo a velha árvore da nossa Paixão
desse Amor que para sempre ficou em mim.
Do tempo em que menino a literatura degenerada
andou a sofrer e a arrastar-se pelo Sorstalanság
Sem Destino a morrer por Auschwitz e Buchenwald.
O poema cheira a água do riacho do seu ventre
mas como eu não fui prisioneiro nem sou sobrevivente
não associo o cabelo rapado à falta de um pente.
Navego somente do meu sonho até à sua nascente.
Vegsö kocsma - a última tasca da última estação do comboio.
- Dos vagões de gado para o matadouro do destino marcado -
A estação sem regresso ou se há regresso é porque o milagre
existe.
Não haja ilusões ou ingenuidade mimada pela celebrada
libertação.
Totalitarismo rima com submissão, com obediência e
capitulação
e provavelmente só se pode vencer se derrotado por outro
totalitarismo.
Mais forte, cínico e enganador com nós a fazer uso
cartesiano do optimismo.
Budapeste, 7 de março de 2025
Passei alguns meses na preparação e seleção dos escritores: 6
mártires do Holocausto Húngaro e 1 sobrevivente. Escrevi os 7 textos nos
primeiros 7 dias de março de 2025.
Budapeste, 8 de março de 2025