segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

TARDES DE DOMINGO

Descrevo a correr a geometria da água
a palidez da audácia em carvalho envelhecida.
As escadas no comboio urbano o mosquito
monotonia na faculdade aberta da noite.
Sulfamidas da ferida no trevo desenhado pela luz.
Sabíamos que os morangos eram ritual profano
que a seara do centeio era a lei do mais forte
do solstício das mãos pelo granito das pontes.
Tinha guardado no bolso um par de ferros curtos.
Na bolsa das ideologias a falência era colectiva.

Um pastor alemão conduzia um cego.
Com a pressa de um lugar sentado no autocarro
até o cão foi arrastado pela cegueira da manada.
Onde há polícia há caso. Onde há magalas
há putas de certeza como na Praça Rákóczi.
No quarto ao lado Simon & Garfunkel
gemidos de prazer na carne profunda da ilusão.
Sabíamos que a tarde era mortal o canário
uma imitação barata de importação ilegal
que a erva doce era amarga como merda!

Pois é rapaz a bola rola e rebola é redonda
e entra na baliza mas não acerta os problemas
de aritmética! Professor nunca mais o esqueci.
Como guardamos os melhores pensamentos
da prata no relógio do tempo! Canto pois
a ausência quando a presença nem se deseja.
Quero estar só sem a dança na areia dos lábios
frente à longevidade mentira do sonho.
Sabíamos dos estábulos dos cavalos selvagens
potros promissores dos limites da tolerância.

Minhas queridas não se preocupem com o pneu
até nem é de veículo pesado tractor agrícola.
As mamas servem-se em pratos de barro
na pesca a balança marca apenas cinco quilos.
Não se preocupem com o rabinho cutim
ou pano cru. Assim na sombra da cor do cetim
a porca criadeira é um investimento garantido.
Sabíamos que o oxigénio não era de toda a gente
não queríamos ar condicionado motoristas
e guarda-costas. Foguetes e gravatas oficiais.

O meu primo navega no mar da Califórnia
faz pela vida pela família ignora a poesia
e na última carta que me chegou por via aérea
escreveu-me com a caligrafia que na primária
aprendeu e a filosofia que ensinou à vida.
Para que serve a minha liberdade se nem ganho
o suficiente para alimentar os meus filhos?
A tempestade secular do movimento da dialéctica
uma enseada um porto de abrigo quando os poetas
só queriam nas palavras a reinvenção da igualdade.

Outras formas outros conteúdos do amor
as melhores páginas que guardei no coração
para nunca mais te esquecer linda flor.
Canto pois o primeiro olhar na praça da alegria
a comover-me à frente de ninguém
a saber-me observado e ignorado.
Que as minhas musas espreitam divertidas
e riem das gargalhadas até às lágrimas.
Tão belas tão falsas incapazes de me entender
na periferia pós-cosmopolita do desejo.

Cuidadosamente tenta reproduzir
o lago verde da salsa no jardim escondido
da paixão anterior. Um fósforo uma vela capaz
de incendiar uma vez mais o centro da cidade
de tingir de poeira o roseiral da colina
os azulejos do oceano na leitaria da esquina.
Na rua Váci são mais curtas as tardes de domingo
mais fermento mais fruto mais romã
mais mastro mais vela a litania da palavra.
Sabes irmã o dogma constata-se não se contesta!

No podão amolado dos sentidos
e nas melhores uvas das videiras do corpo
o vinho a martelo somos nós próprios
porque estamos despertos atiradores furtivos
com um sono mais leve que um pardal-trigo
ou uma cadela perdigueira recêm-parida.
Patas chocas de um futuro distante.
Nem tudo o que escreve vão entender
melhor só que mal interpretado pior apenas
se comprado por um pratinho de lentilhas.

Os enteados malhados do gato preto da poesia
desenharam a lua em bocas pequenas em textos
longos e silêncios íntimos pontes invisíveis
portos flutuantes em contornos de madressilvas.
Na espera do primeiro café do dia
na paragem do autocarro número sete
uns olhos sempre os olhos sempre os olhos
mais belos que a luz do fogo mais límpidos
que a água pura da fonte gelada.
É então que jovem o meu coração se liberta
e parte no mar azul dos teus olhos!

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