segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

DOMINGO MĂE

Imaginas que imagino um tordo escondido
um pisco irrequieto aos saltos no mato
uma cabra portuguesa. É tão bom imaginar
quando não há mais nada para fazer.
Sinto essa dor crescer no peito de palha
e a garganta seca os lábios da má sorte.
Acendes acendo um cigarro sophiane na cave
biblioteca da residência uma fresquidão
excessiva um silêncio delicioso. Doloroso.
Percorro minucioso os meus pés chatos.

Neste domingo mãe minha sinto-me sujo
impuro porque não fujo do mau olhado.
Uma necessidade urgente de questionar
que me fales de mim este sentimento opaco
e estranho do eu. Mãe na Irlanda do Norte
a mãe do Bobby Sands resistiu à última agonia
do filho. Foi terrível mãe! Foi uma outra mãe
primeira dama de um baralho muito antigo
que o deixou morrer. Que o mandou matar.
Cinzas sem coração. Da negação do perdão.

Imagino que imaginas aproveitar os restos
as cascas de melão e melancia. As galinhas
pintos coelhos e pombos da Portela das Padeiras.
Os gatos que sempre nos acompanharam.
Neste domingo cinzento sinto-me indefeso
muito dependente da família que está longe
do jantar que não comi bacalhau assado no forno
a meia-tripa do amor que não quis e que desertei.
Hoje prefiro sentir-me criança homem provisório
pensar-me herói contra os cabelos farpados do medo.

Mãe como me desejaram como sentiram
indiscreto gostaria de perguntar se foi um descuido
das noites frias das terras ribatejanas no final
dos anos cinquenta que disse o pai quando soube?
Queria que me contasses dos meus primeiros dias
de como fazias como me vestias como dormia.
Não mãe! Não estou a choramingar estou lúcido
a viajar em mim a ocupar o tempo divertir-me
a lembrar-me das hortenses que tu plantaste
as últimas águas que hoje regam a minha inspiração.

Toda a vida vai ser a viajar despedir-me
afastar-me calcorrer as minhas mãos o ventre
todo do universo. Assaltar os castelos da ausência
como quem bate com pedras nos dedos da emoção.
Subir a pulso os caminhos do inferno as baías
mais fascinantes do corpo as baratas da ternura
que é tão fina tão longa tão resistente
e que resiste agora que os infieis somos nós.
Mãe deste à vida um poeta. Um dia talvez
a minha oferta seja um neto um rapaz mais ousado.

Estou a pensar se me visses com mais um cigarro.
Não queiras fumar filho o tabaco só faz mal.
Mãe há que fumar há que beber há que pensar
como transformar o mundo para o melhorar.
Tu dirias que houve sempre pobres e ricos
que para os humildes chega bem a vida eterna
lá no reino dos céus. Mas será que já não há ceifa
nos campos de Portugal? Trolhas à jorna
os amolas tesouras as barbearias da oposição
ou o fio-de-prumo do pedreiro de Vinícius?

Hoje sentes que me sinto mais poeta que nunca
mais em perigo mais indefeso e vulnerável.
Sinto que sentes que estou aos poucos a perder-me
mais perto da água mais desenhado na terra
mais longe da liberdade que tanto sonhei.
Fica esperança de um dia alguém se lembrar
de dizer - estas são as palavras que ficaram
afinal a poesia do poeta pedro assis coimbra.
Sinto-me que só assim mesmo distante sou eu
mas que apenas poeta é muito pouco é quase nada.

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