terça-feira, 23 de dezembro de 2008

CONFISSăO FERROVIÁRIA

Para Nour Ben Ali

1. Se um dia me libertar das vozes interiores
inquietação e amargura que fascinam
e me lançam no abismo da felicidade.

Então direi: Poesia o teu esforço
foi inútil. O silêncio é o meu destino.

2. Quis comprar um acordeon da marca
dos filmes do Comissário Maigret
para oferecer à lígia que inventei e me espera
já na próxima estação com um ramo
de bagas venenosas no canto verde dos olhos.

Para desgosto da namorada de lígia
tinham estado em saldo e esgotaram-se.

3. Tiro ovos cozidos do saco de plástico
pastėis de bacalhau e alperces pisados da viagem
sandes do sol a tempo já duras
em palavras simples insinuar que tenho fome.

Uma garrafa de água do fastio como se tinto
do Cartaxo hoje sem uma vénia especial.

4. A festa de Hemingway?
O amor de Éluard e Baudelaire maldito?
Ou a amarga-doçura de Edith a Piaf?

Paris! Paris quem és? Revolução primeira?
Fascínio europeu de intelectual de esquerda?

5. Não! Não tenho dúvidas: Éva
é no azul fogo dos teus olhos que dorme
o cais do último navio da esperança.

6. Amor vêm percorrer o meu coração!
Vêm cultivá-lo de ferrugem
desbravar os seus bosques cerrados
libertar os saltimbancos de madeira.

Descobre como ele é grande como é negro
como todo o prateado já estalou e resiste.

7. Eu queimaria toda a alegria
em troca de uma só laranja da baía
para que nunca deixe de ser agridoce
como a liberdade como a poesia.

Paris, 26.08.1980.

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