terça-feira, 8 de agosto de 2023

 


Zangam-se as comadres
 
Para evitar mal-entendidos ou brigas 
a história de amor que vou contar 
não tem nada a ver com os nossos dias.
 
Passou-se em infelizes tempos antigos  
não havia internet, apenas pombos-correios 
que por vezes do cansaço eram caçados 
e feitos em caldo de falsa galinha dos campos.
 
- Tão alegres que elas eram, casadas 
amavam-se na época sábia em que vistosas 
as flores duravam até não secar por falta de água. 
Pareciam ter pilhas dura-sempre. Dava gosto ver.
 
Mas essa maldade divina do ciúme
em forma de língua afiada apenas 
para se espernear horas na lama.
- Andas com o meu, andas com outra!
(Se fosse só andar ou estar a descansar).
 
Esse instante de corno e de lazer
quando se zangam as comadres 
e descobrem-se as verdades.
Conclusão: O que cai no chão, parte-se.
A paixão de outono-verão não é excepção.  


Quem não tem cão

Quem não tem cão caça com gato com o cão do vizinho 
Com incentivo de comer de outro prato fora de casa  
Comida variada que faz bem à sede e faz crescer 
Com a porta aberta para o que a vida tem de melhor. 
 
Dá sabor às tardes da noite e tempero às noites do dia
Não ter de ficar sozinha com as palavras cruzadas  
Filantropia divide o pão pelos esfomeados mais próximos
Ganham com a programação partilhada e a fome saciada.
 
A classe e excelência de um monumento vivo assim
Merece o melhor da refeição e a permissão de caçar.
Um dia sem caçadeira será caçada a caçadora?
As deusas Ártemis e Diana será que foram caçadas? 



Este forte sentimento
(Para mais tarde recordar)

Tropeçou nos chinelos da monotonia
e por isso ou porque mais não merecia
na vida que por entre os braços escorria
nunca mais desertou a própria melancolia.

Deixa-a vir até mim com essa aragem
a que passa mais perto do seu alçapão 
para que possa ler a última mensagem
de quem nesse dia frio largou da mão.

Era barqueiro na embarcação errada
a sua estava à distância de uma vida
à repetição insensata da amarga bebida 
para enxaguar a mágoa da despedida.

Este tão forte e demolidor sentimento 
da chegada ao fim do melhor de tudo
do que mais gosto dava sentir e viver
para mais tarde recordar e reescrever.

Disseram-me que a nova resiliência 
é dedilhada, o fado triste da lucidez. 
Será que resignação final significa 
que agora sim, o amor se foi de vez? 



Águas passadas não movem moinhos 

O amor é muito, mas as condições são poucas.
Transformar o mármore em água a ardósia em pó.
Na rua veste quem pode e despe quem sabe.
Será verdade que a felicidade nos acomoda 
acaba com a poesia, desencaminha o poeta?
 
As águas passadas já não movem moinhos  
nem mandam às malvas as folhas secas da fome 
dos gansos mais matulões e demais alimentos. 
Mas destroem a sementeira do chupa que é doce.
Por isso, se a paixão acabou, ala que se faz tarde.
 
A sua imagem desenhada no espelho da saudade  
e não digas que aí, a saudade é mais portuguesa   
é mais triste e mais antiga do que aqui onde estou.
- Saudade tão bela palavra, saudades só as tem  
quem muito amou ou de quem amar tem saudade.
 
Era apenas a mensagem do pouco que ficou
no resto de uma parede à berma da estrada 
solidário com quem espera, alguém escreveu: 
- Fica tão feliz que só por essa grande alegria 
só por ela, você devia ficar feliz para sempre! 



Casa onde não há pão
(Desenha a magia para fascinar)

"Être seul, c’est s’entraîner à la mort."
Louis-Ferdinand Céline

Se a nostalgia do povo tantas vezes cantada
que nos cala as palavras e escurece a voz
- Não viesse incolor do fundo do poço de nós. 
 
Viesse da lonjura de outras terras e sentimentos
em guitarras pés de areia e braços de fogareiro
- Com outros alfabetos ou idiomas, outros prantos.

O verbo do mais fácil consenso continua a dizer
todos nós temos culpa, somos uns pecadores
- Não passamos de uns missionários bajuladores.

Desenha a magia para enfeitiçar e me fascinar 
para depois fechar e esquecer a obra na gaveta 
- Nega haver algum desenho para recordar. 

Com o velho arraial da festa maior que há no mundo
de mãos abertas apenas gostaria de deixar escrito
- Definitivamente a luz interior vai-se apagando.

Nota final: Na resposta elaborada para amargar a ilusão. 
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão  
usou um velho cilindro feito para alisar sonhos e solidão.  
Nortada agreste para secar todas as flores desse verão.



Por causa das tosses
 
Contra a chuva e por causa das tosses
a frase feminina que aprendi há pouco 
e tenho de confessar, nunca tinha ouvido 
- Homem rico nunca é demasiado velho! 

Estava entre panelas, meias e janelas
quando me lembrei ir à borga com elas.
Eram mais que as mães e tão corajosas
que do susto fiquei encostado às cordas.
 
Convém esclarecer que o mais importante 
não é como se vai, mas com quem se vem.
No caso é uma meia-maratona pelo asfalto
não a prova de 200 metros em pista coberta. 
 
Que eu saiba, coçar é para aliviar a comichão 
e arranhar é gata a ferrar a unha até ao fundo.
Ele sabe mais do que o mestre da música 
mas no mundo de hoje já nada é seguro. 

Estamos todos muito a precisar de apanhar ar
e em caso de dúvida maior, o melhor é perguntar 
à inteligência emocional cada dia mais sentimental.
Até a poesia de cordel vai ter de provar ser original.



Quem cala consente
(A descer todos os santos ajudam)
 
Repito, não é por ninguém me ler
que eu vou deixar de escrever.
A descer todos os santos ajudam
a subir nem o calmeirão do Tarzan.
 
As flechas ou fisgas das nossas lutas
pousadas ou esquecidas por rendição
por debaixo das mesas e das cadeiras 
em local anónimo de muita submissão.

É caso para dizer e abraçar a alma
que não entrou muda nem saiu calada 
e enquanto esteve foi a festa sonora.
Saiu com a boca cheia de ternura. 
 
Apesar dos ventos desfavoráveis 
ainda hoje continua a ser verdade.
Já chega de quem cala, consente.
Tenham a certeza, não vamos desistir!
 
O futuro não rima com uniforme único
a mesma merda o mesmo discurso fardado. 
Rima com pensamento livre, com liberdade 
Sem conformismo. Será preciso repetir?

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