terça-feira, 8 de agosto de 2023

Limoeiro de abrigo


Depois de muita conversa fiquei a saber que nessa terra
de montes, vales e serras, sapeiro não era ave de rapina.
Queria dizer nevoeiro. Ensapeirado, enevoado e o limoeiro
quando estava neblina, servia de abrigo ao velho sapateiro.
 
Se vais à vila não te esqueças e visita a cabeleireira
e no carreiro temos as nêsperas das melhores nespereiras.
Pergunta se do frio e da braseira lhe voltaram as frieiras.
Aproveita e bebe o café de cevada que faz na cafeteira. 

No chão, no asfalto, nas pedras não cheira a chuva.
Com um tempo tão seco dói ver as flores com sede.
Não sabes mas em menina ganhei os meus calos 
nas mãos a descascar e cortar batatas e cebolas. 

Eu existo! Sim estou aqui. Deitei fogo em ti. 
Deixa-o arder! Ele é a vida que nos faz viver. 



Soneto à caça 
 
O troféu, a peça de caça não interessa 
se nem é necessário ficar à espreita 
para o tiro certeiro, está e não dá luta.
 
A dizer que não vende lebre por gato
que sem sã concorrência e competição 
sem a disputa em que vale quase tudo
nem um pouco lhe chama a atenção.
 
Em terras de perdiz, coelho ou veado 
gosto paladar cheiro carne pele penas 
ou hastes que não tragam apetite novo.
 
Sem nada que desperte os instintos 
anuncie novas conquistas e aventuras
que traga à vida morna novos desafios
e outra vez lhe entusiasme os sentidos.
 
Ouvir a voz terna que espalha graça 
e para destacar a caçadora mais bela
desenhar um soneto ao jogo e à caça.



As amoras dos lábios
 
Primeira versão 
Na luz mais profunda do meu olhar  
Que nas margens se mistura com o teu
No rio onde tu mostras que sabes nadar
Gostaria que soubesses quem sou eu. 
 
Eu vim até aqui para escutar o vento 
Para o sentir em toda a minha pele 
Deixar o meu vestido abrir-se para ele 
Deixá-lo entrar pela minha casa dentro.
 
Segunda versão 
É nos olhares rápidos que trocamos  
Que deixamos escapar o que somos.
Porque há uma mão faminta de novo
Que delícia se afunda toda no lodo
No fogo rosa da bela moça do povo.
 
Escurecida pelas cinzas quentes da noite 
Sobre a imaginação dos caminhos de xisto  
Na planície de seda da sede da sua pele  
Bordada no vitral lento e valioso do vento.
 
No tricot ousado do pulôver cor de mulher  
Acentuada nos seios pelo perfume dos olhos  
Para beber feito homem o néctar do prazer 
As amoras mais saborosas dos seus lábios.  



Corpo em combustão
 
Primeira versão 
Porque os corações são diferentes
também se ama de muitas maneiras.
Eu quero amar com unhas e dentes
e de amor encher as minhas algibeiras.
 
Segunda versão 
Forte a sua cor é como uma linda sinfonia
para cortar uma talhada à medida da boca
deixar os dedos receberem algumas gotas
com sabor à vida que desliza húmida 
pelos lábios entreabertos da sua melancia.
 
Há momentos quando apetece saborear as palavras
como fazemos com um doce ou uma fruta apetitosa
quando o seu gosto ou perfume espalham a tentação.
 
Os desejos e as lembranças dos pensamentos
e como diz em comentário por correio privado
incendeiam e deixam-lhe o corpo em combustão. 



Regressam todos os anos à terra 
 
Regressam todos os anos à terra 
à casa onde nasceram e cresceram.
Felizes lembram juntos outros tempos 
voltam a ser crianças e adolescentes.
 
Reforçam os laços antigos de amizade 
e por vezes começam novos romances 
que ardentes acabam em casamento 
em nada em Lisboa ou no estrangeiro.
 
Gostam de se exibir de mostrar mais do que têm.  
À tarde e à noite vestem as melhores roupas. 
Riem e conversam até às tantas da madrugada.   
 
Na festa entre tanta gente no largo da aldeia 
sentado na esplanada do café em frente 
pediu-lhe com os olhos e por mensagem
para com discrição afastar mais as pernas. 
 
Para que pudesse ainda por uma vez mais   
ver de novo os seus mistérios mais íntimos 
recordar e reviver esses momentos únicos.
 
Recordar o primeiro beijo sôfrego e clandestino 
que iluminou o passeio às escuras da mocidade.  
Os encontros tão esperados do mês de agosto 
e o melhor o mais belo segredo das suas vidas.
 
Que seria de nós gente do povo filhos da terra 
sem a alegria de histórias de amor para contar?



Muguet (lírio-do-vale) de maio
 
Flor singela elegante graciosa perfumada e discreta
ainda que frágil e pequena uma imagem da firmeza.
As flores como as mulheres não se medem aos palmos
nem no número de quantos lhes escrevem salmos.
 
Símbolo da sorte do recomeço de um novo dia lindo
um novo mês e os perfumes do seu jardim por perto.
Com o licor doce da felicidade da festa do regresso
em valioso baixo-relevo de ferro forjado do desejo.
 
Apesar de que tão bem ficam as rosas vermelhas
o tempo é de cultivar lírios-do-vale nos teus lábios.
Povoar de muguet os planaltos e as tuas colinas
guardar as sementes nas tuas planícies protegidas.
 
Tão singela que aqui também se diz flor de pérola
e se oferecem às moças solteiras pela primavera.
Depois escrever no mais alto penedo onde te sentas
Bem-vindo-maio-primeiro-mês-da-flor-mês-do-amor.



Uma manhã mimosa e terna 

Os peitos estavam a menos de um dedo da perfeição 
E sobressaiam redondos por baixo do vestido liso 
Com a luz das areias e o desejo colado ao corpo 
Ainda mais forte e mais intenso que o sal da emoção.
 
Se a paixão não fosse como o sal e não se diluísse na água  
Se as areias não fossem barro sem valor nem designação 
Se amar fora de horas não apagasse as certezas do fogo
Se o amor da falsa fervura não se evaporasse do coração. 
 
Olhavam para o pano de linho ainda preso ao corpo
Olhavam para as mangas curtas da sua nova blusa 
Olhavam para o fino algodão da sua toalha de rosto 
Sabiam do toque que seria uma manhã mimosa e terna.



Deixa-me sem palavras

"E quando houve uma forma só de lábios
erosiva argilosa vigilante
a prolongar o litoral nocturno" Olga Gonçalves

A noite permite fantasias que à luz do do dia
poderiam ser consideradas provocantes.
A noite gosta de decotes, perfumes galantes
audaciosa gosta de ter os homens aos seus pés.

Véus que fazem por nada esconder ou revelar
e se o olhar se atardar em dizer o que sente
os olhos acomodam-se fascinados e quase
se diluem na perfeição pintada dos lábios.

A ousadia do lugar deixa-me sem palavras
momentos de prazer, primeiro as mulheres
mas os homens não se podem lamentar
chegará a sua vez, serão recompensados.

Hoje sem dizer nada a ninguém autorizei-me
a levar comigo essa bela obra de arte nocturna.
Para dizer a verdade que havia eu de dizer se ela
estendeu os braços e perguntou: posso ir contigo?



As Quatro Estações 

Estas palavras que cruzam com a nossa idade 
são para ti, sobre ti, estás lá dentro e há outras. 
Escrever sobre as ondas a minha própria liberdade. 
 
Ouvíamos As Quatro Estações de Vivaldi num dia de verão  
não para inventar ou disfarçar um orgasmo intelectual.  
Porque intensa a música faz bem ao espírito e ao coração.
 
A nossa sorte é estarmos e vivermos num mundo  
maravilhosamente grande e fascinantemente pequeno.  
Recebe meu amor esta flor e um beijo ainda maior.
 
Ao vê-la pensei que era preciso arranjar uma jarra  
se não em pouco tempo iria perder o seu esplendor.  
Encontrei uma que me pareceu perfeita para uma flor.
  
Ela tem a humidade e a luz dessa pequena abertura 
e foi-me dada em troca de apenas um sorriso gratuito.
Entrego-a aos teus olhos, sei que ali irá durar muito. 



Palavras e metáforas
 
Primeira versão 
O mar meigo e o véu aberto de prata azul
de recorte fino dessa brisa que lhes era tão cara
procurava a rosa-flor daquela alma mais a sul.
Acariciava o céu da sua pele de porcelana rara.

Segunda versão 
As ondas meigas da ilha e o luar feito de fios de prata
com as mãos quentes do sol e da paixão vinda do sul
que com meiguice acariciavam suavemente a espuma.
O seu corpo de conchas, de gaivota do doce mar azul.
 
Conclusão 
Ao imaginar e desenhar o edifício principal
de Com as palavras até ao fim 
e com o esboço da nave central
Palavras e as Minha Metáforas 
Mulher com Mar no Olhar 
Caminho e Solidão das Palavras.
 
Quis em mim assumir em primeiro lugar 
a diminuição das palavras e das metáforas
para poder sem filtros repetir até à exaustão
- O mesmo sorriso e os mesmos olhos.
- A mesma boca, lábios e o mesmo olhar. 
A alma talvez mas que faz o poeta do coração?

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