terça-feira, 8 de agosto de 2023


Sem eira nem beira

Introdução
Primeira bola a sair do saco ou da sacola.
Olha, não te ocupes com o que os outros 
vão pensar de ti quando já cá não estiveres.
Importante é o que pensam de ti agora.

Continuação
Estava sentado com a televisão ligada
a analisar a origem de um novo provérbio
quando ouvi o mui-culto lambe-botas-mor.
Assim é, quem muito fala pouco acerta
de bolso cheio é para o lado que dorme melhor. 
 
Pior será mandar dizer mesmo que só por gestos 
finita a comida, não há pão para mais ninguém. 
É saber que já não há quem nos faça milagres
que transforma água do tanque em vinho maduro
e pedras da calçada em pão de ló. Não é preciso 
estar no convento para saber o que se passa dentro. 
 
Recapitulando a lição de hoje para ajudar amanhã
- Sem eira nem beira mas com a tribeira das telhas
dos pobres, que nem a água, o pão e o vinho faltem.
O trabalho seja reconhecido e melhor recompensado. 
Que amanhã seja possível para os filhos de todas! 



Quem se lixa é o mexilhão

Um dia de manhã, tarde para acordar
com toda a má vontade da ressaca 
e da azia, levantou-se trambolho da cama 
de braços escuros de tanta luz e emoção.
 
Por azar, levantou-se com o pé esquerdo  
à frente e as unhas há semanas por cortar.
Por ser resmungão descuidado escorregou 
no plástico das pantufas e caiu desamparado 
batendo sem piedade com a cara na agitação.

Desse mar de inverno que não olha a meios 
para atingir os seus fins mal-intencionados 
sabe-se que quando o mar bate na rocha 
dá porrada e quem se lixa é o mexilhão. 

Desse sol dourado ao sal, à manteiga sem ele
do leite e das gorduras das vacas irlandesas
como se não houvesse vacas suficientes e boas 
com sal e outros condimentos por estes lados.
Na retrosaria do lado vendiam outras miudezas.



Quem te avisa teu amigo é
 
Não te deixes pela vertigem enganar
o amor não vem para a tua vida arrumar.
Quando chega vem para desarrumar
para a tranquilidade desassossegar
para prender a alma e para a libertar.

Quando com a tua alma repleta 
que por tua livre decisão e vontade 
deixaste que fosse toda ocupada 
tem cuidado com a cegueira do amor. 
Olha, quem te avisa teu amigo é.
 
Desse amor espera apenas 
o que a amante tem para dar. 
Nunca queiras, peças ou exijas 
mais do que ela tem dentro 
e ainda menos do que não tem.
 
É uma prosa vulgar, uma frase feita 
repetida por tantos, vezes sem conta.
Não é por não ter sílaba de novidade 
que deixa de ser menos verdade.
Olha, quem te avisa teu amigo é.



Foi chão que já deu uvas

Pelo que vejo e de longe me dizem
parece ser, foi chão que já deu uvas.
Perto dali cansadas as vinhas foram-se
deram o melhor que tinham para dar. 

Que te tal se recorrer às boas práticas
se aprender a peregrinação à mitologia 
na cátedra famosa do maior da filosofia 
estudar de novo e ser seu fiel discípulo?
 
Ir bater à porta de outras capelinhas 
com passado e formação mais recente 
naturalmente com muito menos classe
menos exclusivas, mas também valiosas?
 
O vinho rima com o teu outro vizinho 
e o meu carapau rima com bacalhau.
A água fresca é toda tua e deixa o vinho 
para um teu sedento admirador como eu. 



Idade para ter juízo
(Dá Deus nozes)

A sua pública e deslumbrante, destemida afirmação
madura, sedutora e sensual, confirmando a citação
apesar do seu bom gosto ficou longe da estação.
 
Sentada nas últimas filas da plateia do seu público 
atenta e invejosa, embevecida e bisbilhoteira, pensava 
quem me dera ter um corpo assim, até eu mostrava.
 
De tão esbelta, tanta ousadia e abundante sedução 
fazia renascer qualquer homem e eu não era excepção.
Também via e lambia os beiços como um gato guloso 
que gostou e quer mais. Não se arranja mais um pouco? 
 
Acrescentava, dá Deus nozes a quem não tem dentes!
Não é para arreliar, é conversa de velho antiquado. 
Que ideia a de partilhar com outros tamanho tesouro!
 
Quando me ponho a dedilhar os meus pensamentos
ao falar calado com cada um dos meus botões, realizo 
que mais dia menos ano, já tenho idade para ter juízo.



Tira o cavalinho da chuva

Se já anoiteceu e escrever não apetece
se Roma pifou e o grande Amor adormece.
Se a primavera não voltou nem de lambreta
vê mais um filme e tira o cavalinho da chuva.

Com o sossego e os prazeres da nova vida 
andava muito distraída ou pelo menos parecia
ela que desde sempre entre todos se destacava.
Não tinha tempo nas poucas horas do seu dia 
e não deixava dúvidas que não estava interessada.
 
Era em verso que se ouvia esse queixume distante 
do desgaste do seu desinteresse que se colava à pele.
Como interpretrar esse sentimento, como entender 
ser a mais desinteressada em saber e em conhecer?
Custa sentir ter escrito tanto para nada, para esquecer.

O seu desabafo na última mensagem antes da partida
foi uma actualização para ficar como certidão de vida.
O amor acabou? Lembra a festa que foi enquanto durou. 
- Pulsar da poesia, nesse vazio e abismo da desilusão
será de nunca mais escrever as palavras do coração?



Tapar o sol com uma peneira
(A palavra meretriz vem do latim)
 
A maioria não sabe mas podia perguntar. 
A palavra meretriz, não há como inventar 
ou tapar o sol com uma peneira. 
Vem do latim meretrix 
(do verbo merere, merecer) 
e quer dizer cortesã ou prostituta. 
 
Não seria bem ter o que merecia,
porque certamente merecia mais e melhor.
Merecer o dinheiro de vender o corpo 
ter as regalias e porque não, sindicato 
que apresentasse as suas reivindicações.
 
Já com a dona concubina é diferente.
Era mulher que ia regularmente para a cama 
com um homem sem serem casados por Deus
mas pelo pão. Era amante de um só homem
por isso não lhe chamavam prostituta.
 
Concubina não era programa para combinar
o local horizontal e patriarcal da reunião
mas combinações, roupa interior feminina. 
Combinação de noite que serve para dormir
e se veste quando chega ao pé da cama.
Camisa de não dormir que tira antes de se deitar. 

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