terça-feira, 8 de agosto de 2023

 


MULHER COM MAR NO OLHAR



O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher. Ruy Belo 

Cuerpo de la mujer o mar de oro
donde, amando las manos, no sabemos,
si los senos son olas, si son remos. Blas de Otero
 
Approchez-vous de cette femme et demandez-lui
si la lueur de ses yeux est à vendre. André Breton




Mulher com mar no olhar
 
Mulher com a água fresca da sua fonte 
que traz o cheiro do mar no seu olhar.
Na festa do amor cabe tudo que faça bem 
e muito mais, tudo o que não seja inocente.
 
Caminhar para no final da aventura 
descansarem os dois de olhos abertos.
Por debaixo da reconstrução da noite 
dos vestidos transparentes da cidade.
 
Com a tua pele desenhada a quente
no veludo fino dos nossos desejos. 
O que é amar e sobreviver ao amor
sem acordar juntos na manhã seguinte? 



Nenhuma mulher se chama mar
 
Porque será que no meu país nenhuma mulher se chama mar
perguntava ao final do dia a poesia, inquietava-se o poeta.
Esse mar azul que há centenas, milhares de anos nos envolve 
e nos seduz como essa mulher do sonho, deusa feita milagre.
 
A mulher ou deusa do mar que da terra fértil da paixão 
da celebração da festa, tirou o lenço da sua cabeça perfeita 
cabeça de modelo e amante do escultor anónimo da palavra.
 
Tirou o manto para mostrar melhor o olhar e o sorriso 
os mais lindos da praia, de todas as praias do mundo
que vai e vem e fica com a baixa e a praia-mar do amor.



Demorava-se na rua
 
Alongado o seu corpo de lua cheia
Sentado sobre as suas próprias ancas
Tinha na terra a pose perfeita da ternura
A forma e o sabor exacto das amoras.
 
Demorava-se na rua com o xaile da demora
e protegia-se do sol com o véu da distância.
Era no meu tempo o conteúdo e a substância
a dádiva que não se foi embora, a minha hora. 
 
Foi quando o sonho se fez vida e lhe deu canto 
lhe deu o nome de menina e de mulher adulta. 
A beleza dos detalhes e a diáspora do coração. 

Tão linda a superfície de água nos seus olhos.
A sua vida contada dava um filme muito belo.
Como gostaria de ser eu a escrever o guião.



Vem bater à porta por um beijo
 
Oiçam, enquanto a pele verde-escuro do lago
se mistura com o silêncio parado do barco
em paz, o amor adormece como um menino
e o murmúrio vem bater à porta por um beijo.
 
Em que fenda se enfiou a centopeia da paixão? 
Ouviu-se ao longe o meu suspiro profundo?
É o suspiro de quem ama e não pode abraçar
de quem sente, mas não vê nem pode tocar.
 
Deixa-me saborear devagar as tuas palavras
Desfolhando atento as páginas do teu corpo.
Que seja eu a colocar a bracelete no tornozelo
e a poesia a escolher a saia acima do joelho.



Diz serra diz mar 
 
Porque se insinua de novo a madrugada?
Diz, foi por ti que a serra adormeceu?
Que luz insubmissa da tua lua furtiva 
ilumina a noite da nossa sombra cativa?
 
Faz como sabes e sem pressas porque o amor 
é como o mar, tem tanto de calmo como bravio
com tempo para escolher a cor do teu colar. 
É único como as tuas frases de alecrim dourado.
 
Cheiros, sementes e ternuras de um sonho lindo 
vão acompanhar o meu sono pela noite dentro. 
Diz serra, que seria do mundo sem te amar?
Diz mar, que ficaria de nós sem o nosso amor?



Na dobra do teu sorriso
 
As mãos, os ímpetos acompanham
e os seus dedos não se enganam
no lento desabotoar de cada botão
no acelerar do bater do seu coração.
 
Por acaso, soube nesse dia ao fim da tarde
na Lisboa fraterna, que o nosso primeiro beijo
não estava esquecido nem se tinha perdido.
Tinha cuidado dele como a um filho menor
a uma chama que chama, uma fogueira maior.
 
Estava cuidadosamente guardado 
na gaveta da sua mesa de cabeceira
na dobra do seu sorriso fascinante.
Na dobra do seu olhar deslumbrante.



As metáforas eram escassas

Livres, as metáforas eram escassas
para tanta dádiva, para tanta emoção
tanto partilha, descoberta, alguma poesia. 

O brinco perdido foi pela ternura encontrado
no restaurante mais próximo da nossa casa
no casaco de malha esquecido no teu olhar.
 
- Que felicidade a minha, que exaltação 
sentir-me na estação esperada e desejada  
abraçada e beijada no meio da multidão. 
 
Foi o mapa íntimo da viagem prometida
desvestida pela aventura da imaginação
quando a paixão ainda era a própria razão. 



No barco do soneto

Vai palavra vai deixa o outro poema
Embarca nua no barco do meu soneto.
Vai e vem e volta comigo na sua vela
Espalha e desafia as metáforas da vida.
 
Trazida pela sedução dos ventos da alegria
Pelo mar mais forte do velho mito bendito
Vem ancorar comigo no meu novo paradigma
Vai e vem sem medo até a praça da poesia.
 
Da surpresa punha a mão na boca
Como quem não acreditava
Ser possível ser tão bom.
 
Como ir ao céu antes de morrer?
Perguntava com um sorriso maroto
Que não deixava dúvidas sobre a resposta. 



Há um sorriso malandro 
 
Pacientemente foi chegando à minha vida 
como a água da chuva que se infiltra na terra. 
Lenta e silenciosamente sem ninguém o saber 
fez-se hóspede de toda a minha alma vadia. 
 
Nos seus olhos nocturnos há um sorriso malandro 
que se envolveu com eles e os faz brilhar de malícia. 
Sente-se no sabor a doce de morango ou destino 
que deixa na sua boca fechada o paladar da carícia.
 
Depois de tomar com tempo o pequeno-almoço 
para imaginar o encontro da tua barba no meu rosto
para que seja intenso ponho o meu vestido preto. 
O desafio da minha vida é cultivar o nosso amor. 
Cuidar do seu canteiro para que venha a ser flor. 



Vens da Finisterra

Primeira versão 
Hoje, com mais do ar da nossa terra
e um pouco menos do frio da serra.
Com um pouco mais do pó do caminho.
Tu vens e eu nunca mais estarei sozinho.
 
Segunda versão 
Com a suave ousadia do teu linho
e o gosto encorpado do meu vinho.
A arquitectura trabalhada do teu friso  
e os meus dedos na ranhura do postigo.
 
Pelas veredas do pão doce e do chão liso
cachopa espiga, fino açafrão da nossa terra
para embalar a madorna do teu sorriso  
vens ao meu encontro lá da tua finisterra.
 
Há que estugar o passo e aligeirar o caminho 
para a luz convidativa dos teus olhos 
para o luar único e fascinante do teu olhar.
De mãos abertas, pedaços do meu destino
se tiver o teu carinho nunca mais estarei sozinho.



Xisto das palavras

"Elle a la forme de mes mains" Paul Éluard

Na lentidão da saudade as grandes cheias
corriam mornas para o regaço que as desejava. 
Juntavam-se no chão descamisado do milho.
 
O rio prometia a melhor colheita da década.
Na eira ao fim do dia era o tempo do namoro
com o trigo maduro dos teus olhos à minha espera.
 
Peças de cerâmica extraídas do xisto das palavras
ânforas, taças ou bilhas partidas pelas danças
as pernas ao léu abertas pelas carícias lentas.
 
Quanto mais lentas, mais o fogo se aviva no olhar
como o líquido que resvala e escorre para o teu mar
pela fresta para o fundo da tua gruta, bela sala de estar. 

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