terça-feira, 8 de agosto de 2023

 

No teu café com devoção 

 
Dizem que grosseiro o inverno chegou 
e que gélido pela casa dentro entrou
o calor do nosso namoro quer congelar
e o melhor dos pensamentos apagar.
 
Porque para acender a nossa lareira
não há como ter boa lenha guardada
com as achas prontas do melhor fogo.
Com as brasas de desejo do teu corpo. 

Lembra-te daquelas fugas douradas 
pautando silêncios que crescem em flor
no murmurar das pétalas mais valiosas.
O salvamento da barcaça frágil do amor.
 
Subimos as encostas do primeiro anoitecer
levando nos bolsos a luz até amanhecer.
De manhã bebe-me no teu café com devoção.
Preciso de ti para os meus olhos terem vida.



As semanas sem nós

“Tu, céu claro sobre mim,
Quero confiar-me a ti.”  Lou Andreas-Salomé
 
Há muitas luas que os campos tinham sido abandonados
Desejo maior do mundo, os pensamentos estavam em ti 
Não havia tempo a perder era imperioso chegar ao cais
Abastecer de mantimentos que fazem a terra ser gente.
 
“Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua?”  Rainer Maria Rilke
 
Percorrer lentamente a tua sombra antes de me fazer anunciar 
Juntar nas minhas mãos todas as carícias das semanas sem nós
Procurar no teu peito as marcas mais íntimas da minha paixão 
Recolher no teu regaço os sinais mais profundos do nosso amor. 
Saberão as minhas palavras encontrar o caminho do teu coração? 



Convidava a sonhar

“O despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.” Rainer Maria Rilke
 
Com um irresistível charme e uma elegância de esplendor 
Sorriso que convidava a sonhar de tão contagiante e sedutor 
Se ela fosse a rainha do povo, seria uma das mais esbeltas 
Das mais poderosas e admiradas, perfume único da história. 

A pensar em ti de forma profana escrevi que se fosses igreja
terias a arquitectura perfeita, serias uma basílica bizantina.
 
“Espaço e mais espaço é o que quero sobre mim!
Para ajoelhar-me sobre o azul e venerar-te.” Lou Andreas-Salomé
 
Com o bater do meu coração das ondas salgado  
É por entre as margens dentro de mim que corre 
O rio cheio que desagua lento no fundo do teu mar.
 
Entrega-se feito fogueira azul no porto de abrigo 
Junto à embarcação que adormeceu nas areias 
Onde estamos de mãos dadas e braços trocados 
A arder na humidade da noite, no murmurar das brasas.



Voltar ao cais

“Com todas as minhas forças te aperto!
Que as tuas chamas me devorem.” Lou Andreas-Salomé

O beijo vinha de longe e para chegar
A tempo e tão depressa como o carinho 
No seu ardor não parou nem descansou
Não perdeu nem um minuto no caminho. 
 
“Depois regressa o silêncio.
Os meus olhos, muito abertos, pousaram em ti.” Rainer Maria Rilke
 
Depois da fome marinheira e da sede na fonte saciada 
Depois da festa do reencontro chegou a hora da partida 
Para um regresso de promessas entre beijos demorados.
 
E os seus lábios? Perderam-se na água ou no fumo? 
O barco saiu do porto sem ventos fortes nem rumo 
O único desejo era voltar ao cais e aos seus braços.  



Nas minhas asas

Se até hoje ainda não tinha sentido
é porque contigo estava destinado
que haverias de ser tu o primeiro
a fazer-me conhecer este sentimento. 

Onde a imaginação e a fascinação
de um contentamento assim sem fim
é o começo da minha melhor excursão.
- Deixa a porta sempre aberta para mim.

A bela e terna ave que me acompanha
com a sua penugem suave e colorida
e que elegante me envolve e me fascina
me prende, me seduz e me liberta.

Finalmente livres pego-te na mão
e levo-te comigo nas minhas asas
até às sombras dos ramos e das copas 
até à invenção de novas madrugadas.

Tenho vindo ao longo dos tempos
a deixar pelas ruas pedaços da alma
a espalhar pequenas histórias de amor.
- Uma é minha, outra é tua
e a outra é de quem a escrever.



Inventar a festa e documentar o prazer

Os braços pressentiam a chegada da maresia
por ela tão desejada, destacavam-se ousados
nos detalhes íntimos das suas vestes de fantasia.
No sorriso, no convite mais lindo dos seus olhos.
 
O morango da minha horta, amargo sei que não era. 
São doces para os amantes os frutos da primavera. 
Ela para com sensualidade à noite se despir para ele 
de rendas se vestiu por debaixo do seu vestido leve.
 
És toda a minha vida. A alma da outra parte de mim.
A minha inspiracão para descobrir o mundo da alegria.
Espalhar ao vento para que todos os viajantes saibam.
Para inventar a festa e documentar o prazer da poesia.



Amor da melhor malha

Há uma obra-prima que realizamos os dois 
tu com a tua meada de fio e eu com a minha.
Hoje tecemos o nosso amor da melhor malha
com as linhas entrelaçadas e rolos de entrega. 
 
Artesã jeitosa e jovial da rua que fica em cima 
de pernas à mostra, sentada no degrau da sua porta.  
Mulher que com os seus diligentes e hábeis dedos 
todos sabem, faz o melhor crochê do seu bairro  
e colorir como ninguém o pasmo do inverno cinzento. 

Crochet valioso deixe-me aprender com o seu jeito 
experimentar a sua agulha e algum do seu fio. 
Luz da lua para viver com o vento o resto do tempo
passageira do sonho que chegou de madrugada
a rimar com desejo, a rimar com pêssego maduro.  



É aí a minha casa

Diziam como quem reza por um deus maior
feito homem e feita mulher: O verdadeiro amor 
é onde nos sentimos desejados e compreendidos.
O nosso amor tem chão, sala e lareira, o quarto 
e muito mais para nos conhecermos um ao outro.
 
Ainda te lembras do dia primeiro em que cúmplice  
a cidade nos recebeu? Era janeiro e chovia, chovia 
como era hábito, mas nem a chuva nem o frio 
sentíamos, e até sonhamos uma banda de música 
de boas-vindas para o desfile folião da felicidade. 
 
Por ser assim, porteira portadora das chaves 
dos portões para as catacumbas do meu mundo. 
Quero que saibas que lá onde bate o teu coração 
seja aldeia, vila, grande cidade ou terra sem nome
é aí a minha casa onde eu moro e cuido das árvores.



Acácias da mesma raiz

Próximas de ti escorregavam no licor das pedras
junto à margem do rio, nos espelhos dos dedos
com as rimas exactas pelos jardins do teu peito
bem guardadas no bolso, no navio das promessas.
 
Minha alegria renovada meu passeio de mãos dadas
pelas avenidas sem fim de uma desejada aventura
onde tu, meu amor, és o meu sal e eu a tua doçura.
Quem diria, mas porque o nosso tempo não condiz
é conversa fiada que nos encontraremos em Paris.
 
Abraça-me forte, sem dó para que pensem ser só pó
e os nossos beijos serão a voz mais falada entre nós.
Memórias da mesma terra e acácias da mesma raiz.
Digam, será que nestes dias ainda é moda ser feliz?



Um sorriso assim

Se não fosse a vida valeria a pena inventar?
Valeria a pena recriar os sonhos dos outros
sentir os melhores momentos nunca vividos
escrever do passado para no futuro recordar
para o presente de promessas prolongar?
 
Numa mistura de curiosidade, excitação 
e amor, procurei-me nas tuas palavras. 
Quis ver-me nesse espelho sem fim
que resulta da tua atenta observação 
do estudo cuidadoso que fazes de mim.
 
Se estivéssemos deitados ou sentados lado a lado 
ia pedir-te que em voz alta me lesses o teu poema 
e me desses um breve e ligeiro beijo a cada palavra 
que dissesse em segredo o meu nome. Sorrio… 
Quanto não vale um olhar e um sorriso assim?  
 
Diz-me amor, seriam muitos os teus beijos? 
Não sei porquê, mas sinto que a tua leitura 
não iria muito além do primeiro. Sabes que sorrio...
Há quanto tempo esperava um sorriso assim!  



Linhas retas da geometria 

Frase do dia. De triângulo em triângulo 
no estúdio onde a tinta corria até a noite ser dia
e a jovem modelo sem pressa se vestia e se despia
nos olhos do pintor se encontrava e se perdia.
 
Frase da noite. O desejo confesso do pintor 
era pintar à mão um azulejo, um quadrângulo. 
do musgo escuro que seria tão bom percorrer.
 
Na tela a caneta comovida do poeta dizia 
como fazer linhas retas da geometria dessas curvas. 
Diz, que pintaria o poeta? O pintor que escreveria?



Alma de alfarrabista

Para uma última vez amolar as palavras
Com o violino e a harpa da nossa melodia.
Com a chegada do verão afinar as metáforas
Que nos afastam do frio e trazem a poesia.

Era um local muito próximo da povoação
Que quando era preciso abrigava e protegia
Libertava o teu coração alegre de gaivota
E da chuva a minha alma de alfarrabista.

Alisar com as mãos os lençóis do mundo
O álibi da noite que nos fazia recordar.
Partir é morrer no deserto árido da alvorada
Partir é viver na vastidão, no oásis do teu olhar.

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