terça-feira, 8 de agosto de 2023

 


Não vale a ponta de um corno
(É preciso ter tomates)

Primeiro no iludir ainda juvenil do seu pseudónimo
depois na ardósia fria da métrica cinzenta do produto
e fruto das incertezas públicas do pensamento vigente. 
Sabe que quem o come em chibo não o come em bode
 
Escreve a frase-chavão que seja mais fácil de promover 
conseguir algum protagonismo ainda antes de a vender. 
É cada vez mais difícil desenhar a palavra mais certeira.
Janela de oportunidades ou as oportunidades à janela.

Olhar o mercado e o estado. A mão invisível do mercado. 
(Dogma, axioma, postulado) e o pé-pesado do pai-estado. 
(Purgatório, limbo, último refúgio ou socorro a náufragos). 
Sabem o que mais? É preciso ter tomates! Tê-los no sítio.

A teoria do marketing aleatório não oferece nada de novo. 
Junta-se água ao vinho e tem-se vinho aguado, martelado.
Junta-se pão ao tintol e tem-se sopas de cavalo cansado.
Na verdade, para nosso mal não vale a ponta de um corno.



Daqui não saio daqui ninguém me tira

 Anúncio informal que aprendi com o meu pai 
- Mal por mal, antes na cadeia do que no hospital. 
 
Daqui não saio daqui ninguém me tira! 
É mentira seu cantador de gozo e aldrabar. 
Não sai dali porque ao descer do autocarro 
escorregou e partiu a perna e desde então 
(a sorte que ele tem, podiam ter sido as duas) 
ainda não se mexeu, a não ser para ressonar.
 
O que é que esta porcaria mal escrita tem a ver 
com criatividade e com literatura comprometida? 
Será que veio à praça apenas para encher morcelas 
e botar no lixo o peixe-espada que deixou estragar?  
Fome que não dê em fartura, farturas com canela. 
Sabe tão bem no verão no passeio junto à praia!
 
Melhor que passear pela marginal ou pelas vielas da capital 
de barco pelo canal, sem a mentira nem o coiso do cardeal. 
Com a reinvenção do pecado original do mais belo coral
da transparência vegetal transformar-me em nómada digital.



Foi a conta que Deus fez
(Pior a emenda que o soneto)

Introdução: Pior a emenda que o soneto.
Em abril chova a cântaros e a garrafões 
sobre a fina seda vinda diretamente da China
ou faça sol a sério para animar a loja
e com laços enfeitar o valioso bonsai japonês.  
 
Haja tapetes persas à venda no bazar turco 
ou tesouras e talheres no banzé francês. 
Eu vos digo, pregava o frade franciscano 
- Seja na Ásia nas Américas ou no Paraíso 
seja onde for, razão tem sempre o freguês. 

Razão: Um dois três foi a conta que Deus fez
e eu acrescentei, quando faz pipi um português  
chega uma só árvore, fazem logo dois ou três.
Para alegrar a malta tocava bombo e era maltês.  



A pingar do nariz
(Um passo maior que a perna)
 
Com os seus óculos graduados e a pingar do nariz
sem ser, mais parecia personagem da escrita maldita
do alto da roseira do seu intelecto austero de ermita.
 
De um insecto raro com pinças de homem, não desdiz 
ser verdade que quanto mais se estuda menos se ganha
a alma moderna da inteligência artificial, nem contradiz
a paciência ao natural que nem da marmita necessita.
 
É, pois, a rimar assim à força bruta e à martelada
com um martelo pneumático no laptop da ilusão
que leva na mão o frasco da marmelada descuidada
e por isso acabou por dar um passo maior que a perna.
- As dúvidas de senior a duvidar da sua própria razão.



Beijo a beijo enche a galinha o papo
(Klimt está por aqui para dar um ar erótico)

Jogou ao berlinde em miúdo e agora vende azeitonas 
e Klimt está por aqui para dar um ar erótico-intelectual 
a esta conversa menor de acesso livre e internet gratuita. 
 
Com ar de instrutor-sabe-tudo dizia ao microfone: 
Não esquecer que beijo a beijo enche a galinha o papo 
que Klimt quando de Viena se foi desta para melhor 
já se tinha acostumado ao púbis, aos pêlos da namorada 
às línguas matreiras entrelaçadas, aos excessos do clima.
 
Dizia que se ria ao rever o Beijo e outras malandrices
amareladas ou com outras cores e pinceladas dos dedos.
Com a evolução positiva do marketing dos mercados
era agora colado e vendido em copos, canecas e pratos
malas de senhora e mesmo em calcinhas de menina.

Klimt, Chagall, Picasso, Modigliani, Monet, Manet, Matisse 
Van Gogh, Kokoschka, Magritte... sabem não me importa
se é pedante, lugar comum desfilar assim com os pintores 
que mais gosto e que ao longo vida tentei interpretar.
Integrar nas minhas palavras para em mim os guardar. 

Atento olhava-a e pensava como seria o seu abraçar.
Quer o livro dos provérbios ou o livro das reclamações? 
Se me dás a escolher prefiro convidar-te para jantar.



Faz o que ele diz 
(A ocasião faz o ladrão) 

Estejam em matilha ou solitários
Parece que perderam os dentes 
O seu uivar está a perder o pio 
Já nem os lobos são os mesmos.
 
Encostam-se à pia dos azeites
Descansam à sombra da fama
Vivem de esmolas, restos dos outros
São uns sedentários inofensivos.
 
Afirmação: Faz o que ele diz 
não faças o que ele faz.
Conclusão: Não faças como ele 
que nunca faz o que diz.

Olha, cá se fazem cá de pagam.
A discussão é de faca e alguidar.
Na verdade a ocasião faz o ladrão. 
No forno lampreia, sável e salmão.
Em quem estarei eu a pensar?



A pensar morreu um burro
 
O money para uns vem de helicóptero 
e para outros vem nas asas de avião.
Para a grande maioria nem de bicicleta  
não entra no bolso, é enterrado no chão.
 
Ó burro velho que cantas tão bem 
e sem parar andas para lá e para cá.
Famoso cantor de ópera me pareces
no mundo todo tenor igual não haverá.
 
Nem o relinchar elegante da égua
te faz sombra ou te chega às patas.
Como és família de aproveitamentos
soprano seria se fosse a tua fêmea.
 
Sabe-se que a pensar morreu um burro
e tu no palheiro de livro aberto na canção. 
Vê-se, não és apenas cantor, és um doutor
gestor a programar a nova época no avião. 
 


Os olhos também comem 
(Arroz outra vez)
 
Com fome os olhos também comem 
e se o apetite não é suficiente 
manda vir salada mista e tostas de pão.  

Há uma dúzia de sardinhas sem espinhas   
espalhadas em círculo na mesa de jantar
com o pano de cozinha à espera do serão.
 
- O que há parece que vai chegar 
para a sua voz terna e carinhosa
para os seus finos dedos furtivos. 
As bocas que sabem ao que vão.
 
Sem fome os olhos também comem 
e muitas vezes também se cansam 
de comerem sempre a mesma refeição.

Aquecer as couves e repetir a conversa  
fiada de arroz outra vez, alho ou rodelas 
de cebola-miúda na palminha da mão.



Türelem rózsát terem   
(A paciência faz crescer rosas)
 
Türelem rózsát terem que traduzido à letra quer dizer  
a paciência cultiva, faz crescer, rosas. Um roseiral. 
Habituada vem de automotora ou comboio regional 
dos que pára em todas as estações e apeadeiros.  
Ninguém tem pressa em chegar, medo de se atrasar. 
 
Pressas para quê? Para se fazer velha mais cedo? 
Até a beleza é miragem e a formosura passageira.  
Eterna é a virtude, mas aí fico sempre de pé atrás  
A beleza está nos olhos de quem vê, de quem olha.
Foi por uma maçã que Adão saiu da zona de conforto.
 
Depois de tanto lume brando para deixar passar o tempo
até à hora da saída do desejo sem falta para o deserto
de ver tanta Madonna, tanto Bambini e tanto Santo 
foi tão bom ver um beijo ardendo na parede pendurado 
e o pecado regressar por momentos ao paraíso perdido.
Nunca digas que dessa água já bebeste o suficiente!



Não passamos da cepa torta
 
Desfaziam com evidente prazer as flores
o sonho de muitos, essa porcaria de sonhar!
Com tantas promessas, Abril quem te viu. 
É mais que tempo, um dia tem de se acabar.
 
Incumbente e inculto, inútil e incumpridor. 
Querem mais impunidade para estes gajos?
Pornografia pura o salário da tal senhora 
se fosse senhor, igual - pornográfico seria.
 
Com eles não passamos da cepa torta
da mão na vinha, na casta ou na videira. 
Continuem na treta do "Não Passarão!" 
Muito longe de certeza não chegarão. 
 
Eu sei do percurso da minha própria vida
- Digam o que quiserem, mas a grande verdade 
é que são muito mais as certezas quando se tem
vinte anos, do que quando se tem sessenta.



Galeria da mentira  
(A brincar a brincar com as verdades me enganas)
 
Via-se, não têm dinheiro nem para mandar cantar um cego.
Na galeria da mentira moderna construída sobre a laje fria
a pressa dos novos donos de acabar com a livraria que ali havia
apetece dizer, pena não ser soldador e ter pontaria de pistoleiro.
 
Ter de aturar o grosso padeiro ao quadrado do único herdeiro 
com cara de jumento alegre como se tivesse ganho a lotaria. 
Inacreditável como é possível contar à boca toda com dentes  
uma mão cheia de mentiras dizendo apenas meias-verdades. 
 
Fundo de verdade, manipulação da palavra. Muita sacanice. 
Sem tino e juízo perfeito, cegueira e o obsceno seguidismo. 
A brincar a brincar com as verdades me enganas trapaceiro.
Faz-nos falta um feiticeiro certeiro. Um implacável justiceiro.

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