terça-feira, 8 de agosto de 2023

O sol sabe muito bem 

Tojo, campânulas, giestas, fetos e hortenses. 
Pela flor vistosa que cresce no seu canteiro
podia bem ser uma Rosa de Pentecostes. 
 
Talvez Domingo das rosas, da celebração    
quando o templo do povo fica enfeitado 
pelos perfumes das rosas mais jovens.
 
Aqui, no dia do Senhor, a história é outra.
Seja inverno ou verão, com o mar imenso
ali tão próximo com seu vento e nevoeiro. 
Que ritual tão bonito da parte de quem ama. 
 
Ir comprar de manhã e trazer para casa 
o pão-mais-doce do despertar ao domingo
para no pequeno-almoço mimar a sua menina. 
É tão terno o amor quando é verdadeiro. 
 
Camélias, magnólias, cassiopeias e alecrim. 
Desencantar, descobrir e o carinho descodificar.
O bom sol sabe muito bem quem deve iluminar. 



Basalto liso

A famosa costa-mar de granito-prosa
com as suas rochas e areais únicos
em tons profundos sedentos da rosa
como a cor mais viva dos seus lábios.

Tanta morfologia marítima de encantar
quando percorre a pé a sua delicadeza.
Tanta história por conhecer e nos contar
pelos caminhos das falésias e da beleza.

Eu tenho entre as mãos um remo
com a areia húmida dos teus seios.
O basalto liso e canastras de beijos
nas dunas salgadas do teu corpo.
A flor de sal, a aritmética do pecado.



Ma plus belle histoire
 
“Je suis venue pour vous dire, 
Ma plus belle histoire d' amour, c'est vous”... Barbara

Peço-te que sejas indulgente comigo. 
Ama-me e não penses em mais nada
nem mesmo nos meus defeitos.
Ao fim da tarde se tiveres tempo
se quiseres, vamos dar um passeio.

Emociona-me até às lágrimas 
como o pincel do teu sorriso
caia em luz as paredes rugosas
do interior opaco da minha alma.
Nunca ninguém entrou tão fundo. 

Hoje quero almoçar contigo. 
Leva-me a um sítio novo
onde toda a gente me veja.
Se já tens um compromisso 
leva-me contigo nos teus olhos. 

Lá fora no largo recatado da vila 
vinda do mar com a luz do luar 
como se fosse o remexer dos corais 
podia-se ouvir a sua voz de afagar 
- Não pares quero tudo quero mais. 



Outras fantasias
 
“Où tu es son bleu, bleu couleur océan 
et où moi j’aimerais être un rayon de soleil?”
Quando a fotografia é tanto como é a poesia 
não queiras saber a arquitectura da sua alma.
 
Sabes o que é viver uma paixão assim? 
É olhar a chuva que não pára de cair 
e continuar a sorrir com um ar muito feliz 
porque o seu amor acabou de lhe falar.
 
No horizonte sem fim dos meus pensamentos  
com os ventos insubmissos surgiram os teus lábios  
que conhecem a rota e não se desviam do caminho.
Seguros do seu destino foram-se aproximando.
 
Digo-te que o mar se preparou para te receber.
A nossa mesa está à tua espera com as iguarias 
que sei até depois da sobremesa te vão satisfazer. 
Até à hora da sesta e de pé para outras fantasias.



A chuva de primavera

Com Chiyo-ni (1703 -1775) 
Grande poetisa do haiku japonês
 
"A chuva de primavera...
todas as coisas na terra
tornam-se belas."

E ao sétimo dia a papoila de maio  
da lua anunciou feliz a primavera. 
Casada de fresco pôs-se à janela  
a sorrir e a cantar, a abrir-se e a florir.
 
"Bebo na fonte 
esquecida que trago 
carmim nos lábios."
 
As escadas fascinantes do mel no teu olhar. 
O terraço dos teus lábios cor de framboesa. 
A curva apertada da tua boca que sabe a trigo.   
O passeio pedonal do teu sorriso deslumbrante.
 
"De novo as mulheres
vêm para os campos
cabelos despenteados." 
 
Se ainda não disse aqui fica dito:   
- Amor com amor se paga.  
Esta paixão infinita e ardente  
foi feita ao lume, muito lentamente. 



Naufragar no meu mar

Na boca a sede de crescer não parava.
Mais do que na boca era na garganta 
nos ombros no lado de dentro do peito 
na cintura subida na barriga à mostra.
Mais do que tortura ou aflição era festa.
 
A sede que não passava bebendo água
bebendo chá sumo de laranja ou vinho.
Mais do que seda era a fome do queijo 
fome do frango assado da fruta madura.
Fome e sede do melhor do teu marisco.
 
Fazer a sede e a fome em mim naufragar
chamar-te para te saciares no meu mar. 
“Vem mergulhar em mim como no mar 
vem nadar em mim como no mar
Vem-te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar.” Vinícius de Moraes

O teu sorriso é um porto e a tua voz é uma porta
que dá passagem para a promessa na tua casa.
A sensualidade da água profunda dos teus olhos.
Convite ousado da flor de morango nos teus lábios.
 


A mão nessa posição

Sábia e serena a mão nessa posição
como se fosse uma colher de prata
de sopa para dar de comer à fome
não estava ali para segurar o coração.

Essa mulher vinha do mar para seduzir a cidade
casaco cereja aos quadrados e saia pelo joelho.
Foi vista de dia a sair do hotel. Não era de admirar
os olhos embevecidos do taxista à espera de clientes.
O seu olhar dizia tudo, se não tivesse de trabalhar...

Ondas desse mar que te hão-de trazer até mim
abre-lhes os braços e entra nas minhas águas.
Ousado marinheiro quero sentir-te a perder o pé
para no final saciada ser eu a servir-te um café.



Se fosse verdade 

Escuta, hoje deixa-me ser a tua cotovia
e levar até ti todo o canto do meu sonho.
Poder sentar-me, descansar ao teu lado
com um prato de cachos de uva malvasia
e juntos os comermos nas asas do tempo.

Nas viagens e segredos assumidos do tinteiro
da paixão que estremece no remo do barqueiro
coração moldado em ternura, em forja de ferreiro
e depois das tuas flores mais íntimas ser canteiro.

Se veleiro fosse verdade o que eu não escrevo
silêncio ancorava para sempre em ti minha raiz
se eu adivinhasse que sem ti meu jardim seguro
navegando sería possível ser barco no teu país



Escadaria desenhada em ti

Fez-se gente e mulher em terra de onde não era.
Guardou e cuidou das saudades da terra primeira. 
Aprendeu, moldou-se e construiu o seu caminho. 
Em filhos, fina cambraia e superfícies de veludo.

Em brincos e outra joalheria de chamar a atenção. 
Fantasia ao gosto delas, olhares sonhadores deles.
Recriou nas palavras a sua ousadia e imaginação.

As suas flores vistosas em terra-jardim semeadas
ou com o seu ardor em fios e linhas trabalhadas.
Um brinco-princesa e rosto em flor de amor-perfeito.
 
Pelo mel puro da sua terra que feliz oferecia
pelos doces dióspiros da aldeia apanhados por si
pela broa e pão de milho com sabor da sua boca.
 
Para poder estar perto do brilho dos teus olhos
há quem pense na escadaria desenhada em ti 
a que leva às partes mais altas da tua casa 
ao sótão, ao miradouro panorama do teu corpo. 



Ficção fina e delicada 
 
Era muito mais que romance ou ficção fina e delicada
feita de pedras, anéis, brincos, colares e pulseiras
para isso bastava vê-la elegante a atender os clientes.
 
Diz-se que até as mulheres lá em casa ganhavam.
Os homens iam comprar para sentirem o seu perfume 
conversar e poder cruzar os seus com os olhos dela.
 
Não passava despercebida onde quer que estivesse 
fosse a tomar o café da manhã ou a passear à beira-mar 
o seu charme natural era o seu melhor cartão de visita.

Com os metais trabalhados do seu sorriso de deslumbrar
mesmo sem nada fazer o olhar não parava de seduzir.
Fala-se por ali que a natureza já não inventa jóias assim. 



Janelas da memória
 
Queria refazer de novo as janelas da memória 
tão intensa como o teu baton encarnado.  
Raparigas viçosas na decoração da ânfora
junto à fonte da água feita vinho sagrado. 
 
O vinho não era kosher como tinha jurado o empregado 
do restaurante arménio na cidade velha em Jerusalém.
Apesar dos preços proibitivos acabei por beber e repetir 
vinho tinto apropriado ao consumo por judeus e outros 
curiosos como eu. O melhor foi o que serviram ao almoço 
junto ao velho mar, onde fotografei umas papoilas bíblicas. 
 
Não me posso queixar da vida que vivi 
e ainda não acabou. Se não é por mais 
é porque nunca beijei e degustei lábios 
tão perfeitos e tão saborosos como os seus. 
 
Só pelos seus lábios e pelos nossos beijos 
já valeu a pena ter passado por aqui.
Ainda te lembras do primeiro? 
E do segundo e do terceiro? 
Dos meus nos teus lábios sedosos?



Com as mãos abertas

Ali tudo seria demora e presença
Sophia de Mello Breyner Andresen

Nocturno o barro vermelho dos teus lábios 
refazia a ponte de pedra do nosso caminho  
que te levava todo o sal dos meus dedos. 
 
E havia uma noite à espera e um dilema
que nos levava a pensar em não dormir.
Havia uma madrugada e a tua açucena
que fazia sentir em casa antes de partir.
 
A tua boca os teus olhos e a tua graça
fruta ou coisa boa a cheirar a alfazema. 
Sei que as folhas, o verbo não chegava 
para tanta distância e tanto telefonema. 
 
Depois há que sobrevoar a terra em voo raso
revestir de felicidade o horizonte da nossa paixão.
Acreditar uma vez mais na intensidade do fogo
e com as mãos abertas reconquistar o teu coração.

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