terça-feira, 8 de agosto de 2023


PROVÉRBIOS COM PALAVRAS



Aquele que nunca se queimou ao sol, 
não sabe o valor da sombra. Provérbio turco 

Queres pérolas? Mergulha no mar. Provérbio curdo




Peixe não puxa carroça

Quem me dera ser sardinha sarda ou pescadinha
se soubesse que seria pescada por ti
pela tua cana de pesca de olhos astutos.
Ficar presa à tua rede de braços longos e perigosos 
e me levasses para tua casa, para o teu frigorífico.
 
Ser vendida na lota à peça, ao quilo ao quarteirão  
a quem der mais pela minha carne sem escamas
ter a certeza que no fim não me vais deixar ir.
Vais licitar-me e a oferta mais alta cobrir.
 
Quero ser a tua sardinha no pão 
que me comes com espinhas e tudo.
Ser comida por ti bem azeitada ao almoço  
com uma boa salada e catalão assado.
 
Que me importa se peixe não puxa carroça
se me comes e não deixas nada para outra boca.
Se eu for puxada e vá sentada ao teu lado 
na tua carroça tão bem estimada. 
 
O que eu quero é ficar no feno contigo
cama macia para bem dormir e sonhar 
se não houver nada melhor para inventar.
 
Apesar de saber nadar apenas como um prego
o meu sonho é ser peixe, garoupa ser o teu par.
Ficar no mar para te abraçar sempre que o desejar.    



Não poder com uma gata pelo rabo
 
Provavelmente tu serás a alimentação intuitiva
de que eu necessito para passar o obstáculo
que dirá não ao resultado negativo do provérbio
de já não poder nem com uma gata pelo rabo.
 
Talvez com o deslumbramento da loja por ocupar
com o detalhe perfeição de ter tudo no seu lugar
e que bem podia passar por fruta da época
da mais cara, a que se deseja e se descasca. 

Depois no início da noite da festa ao sábado 
sabe-se que há um gato preto à espreita 
pronto a fazer festas à gata de pêlo branco. 
- Junta-se a fome à vontade de comer
de beber e poder dormir o domingo contigo.



Quem feio ama

Não era tão mal parecida como dizia de si mesmo.
Não era zarolha como o Luís que o perdeu em Ceuta.
Não tinha uma perna a menos nem uma mama a mais.
Quanto aos peitos bastava olhar e como não sou cego.
 
Aliás, com ela nem a lei da gravidade funcionava
não caiam com o calor do verão como maçã madura.
Como feixe de luz o par duro ficava no ar parado.
Melhor nem na farmácia com receita se arranjava.
 
Também se pode constatar mas não contestar
que não tem bigodaço acima do beiço superior.
Se tem alguns pêlos teimosos para serem notados
são do bigodinho cuidado em sítio fácil de imaginar.
 
Com a tamanha qualidade do dito rebotalho 
- à cautela diz-me onde fica o teu caixote do lixo
boa demais para a negação da sopa e da sobremesa 
a não ser que fosse muito paspalhão ou espantalho.
 
À entrega na cama francesa de mais uma noite
- Em relevo deitada é uma verdadeira peça de arte
é que fica claro e melhor se entende o provérbio 
tão benevolente: Quem feio ama, bonito lhe parece! 



Por dá cá aquela palha 
 
Nas guerras e batalhas do Peloponeso
com o dedal da traição e da bota cardada
secando o finito mar siciliano que já foi teso  
mar velho que da infinita tragédia transborda. 
 
O assédio era outro, não era pelos grandes muros
com mulher a valer tanto como o homem na relva.
Era mais fino, mentiras, lavagem ao cérebro perfeita
fosse na horizontal, vertical ou nos acessos traseiros.
 
Na aproximação à civilização europeia meia diluída
lançavam pedras, não lançavam bombas caseiras
um avanço mesmo com muitas cabeças partidas.
A muralha humana era só para fingir ser solidária.
 
Era para o meio das pernas que puxava a conversa 
com menos sexo virtual e mais banha da cobra.
Na verdade, tanto fazia para a fogosa senhora
falava de liberdade, vendia-se por dá cá aquela palha. 



Não tem pernas para andar 
 
Na terra vizinha, a viúva do jovem pescador 
há semanas desaparecido no mar da sua labuta 
lançava flores tristes ao grande rio parado 
na curva da vida, sem presente nem futuro. 
 
As fisgas da minha infância e as fisgas do povo.
Como mortal penso também no David palestino
contra a força bruta do Golias vingativo de Israel.
Na minha aldeia vagalume chamava-se caga-lume. 
Iluminado vinha descansar no xaile preto da morte. 
 
Para terminar estas palavras gostaria de lembrar
(para lá do filme Decameron, de Boccaccio e Pasolini)
ter cuidado com a ferramenta, a língua e os dedos 
com as lâminas do cinto de castidade feito de bambu.  
Tu com os cornos, cavaleiro desarmado desse tempo 
sem ferro, a minhoca não tem pernas para andar. 



Atirar a primeira pedra

Primeira versão
A pedra das pedras duras do caminho 
ou uma constatação fora do contexto.
 
Para afastar interpretações deslocadas
decidi guardar com o velho despertador 
uma das minhas palavras preferidas 
entre as que mais usei como amolador.
 
Aquele que nunca pecou na sua vida 
Tenha coragem de atirar a primeira pedra.
 
Segunda versão
Campos abandonados e calor sufocante.
Pedras, pedregulhos, torrões e palha seca.
Animais e flores, árvores e plantas a morrer.
 
Quando tiro o lenço da minha algibeira 
e limpo dos olhos as lágrimas da tristeza 
é porque sinto que seca a terra está a sofrer.

Não por estar farta de ser a nossa terra
nem por não apreciar no mundo a beleza
mas por passarem tantos meses sem chover.

Colapso climático e implosão irreversível.
Pedras, pedregulhos, torrões e palha seca.
Animais e flores, árvores e plantas a morrer.



Da missa a metade 
 
Sabes bem que ela não precisa de sutiãs 
para suster e lhe puxar as mamas para cima  
com as que tem pode bem passar sem eles.
Dos peitos e mais para baixo é tudo do melhor 
e do mais caro, o que aquilo não deve custar.
 
Que eu não estou a dizer porque ouvi
eu vi com estes olhos que Deus me deu.
Espreitei para o quintal para ver o estendal. 
 
É tudo do mais chique que há nas lojas
como se vê nos anúncios da televisão 
cuecas pretas e encarnadas com rendas.
Vê-se logo que não lhe falta dinheiro 
e que está casada com um estrangeiro.
 
Olha como ela anda nua naquela roupa
que mais parece uma camisa de dormir 
com o sol a mostrar tudo muito acordado.
 
Comentavam as duas velhas bisbilhoteiras
conhecidas como rádio nacional do largo.
Ai se elas soubessem da missa a metade 
com quem se deita quando não está sentada
ou não vai para o povo e passear pela vila.



Por uma unha negra 

Estava tão distante da capital que nos recebeu 
tão afastado do caudal do rio que nos navegou
tão alheado do portal que da tempestade nos protegeu.
 
Estava tão esquecido das promessas mil vezes repetidas
tão seduzido pelas memórias cúmplices das nossas noites 
tão embriagado pelos perfumes das tuas madrugadas.
 
Tão ocupado em cultivar as minhas metáforas em ti
tão enfeitiçado pelas tuas mezinhas de fada madrinha
que hoje mitigando a dor, sei, foi por uma unha negra 
por migalhas de nada, que da tristeza não te perdi.



Fechar com chave de ouro

Diziam que para lhe fazer ciúmes
se meteu com o seu melhor amigo.
Nos gemidos do carro eram as tardes
depois seria a sua vez de ser abrigo.

Com um petisco daqueles servido à mesa
em pratos de prata trabalhada em fantasia
não se importava nada ser moeda de troca
de ser usado para ela conseguir o que queria.

Para não se ficar só pelas cópias numeradas
com elegância decidiu fechar com chave de ouro
os vestígios com pimenta do triângulo amoroso
do para-raios ou para-choques das surpresas.

Algum tempo depois foi novidade no meio
que do jogo guloso a três, ficaram apenas dois.
Dizem que depois da dança de salão do bairro 
e de outras músicas boas de ouvir, foi o amigo
que recebeu, afinal o código do seu apartamento.



Mais não te posso dar 
 
Sabes, tu estás sempre comigo  
eu empresto-te os meus olhos 
e assim podes ver o que eu vejo
pela janela aberta dos meus desejos. 
 
Ofereço-te o meu corpo 
para tu com as tuas mãos 
à medida exacta do seu gosto
o trabalhares como se fosse barro. 
 
E mais não te posso dar 
que já é teu o meu coração.
Eu sei meu amor, eu sei 
sonhar não se proíbe a ninguém.

Sem admiração o amor não sobrevive.
É como estar no escuro parado no bosque
e não saber o caminho que se segue.
“C’est quand qu’arrive le temps d’aimer?” 

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