terça-feira, 8 de agosto de 2023

CAMINHO E SOLIDÃO DAS PALAVRAS 




Me fui con mis palabras a la calle
las abrazo, las escojo
soy libre
aunque no tenga nada. Giaconda Belli 

 
Regressou marítima ao sonho da ilha com muito chão
Regressamos sem saber como pelas mãos leves do mar
Não se ouvia nem um pedido nem uma mensagem de amor. 
Sabiam que escrever é o caminho solidário da nossa solidão. 





A poesia virá depois

Sabes, naqueles tempos a poesia 
era a voz e a flauta mais escutada 
o eco maior da vida e da emoção.
Das façanhas e da beleza do amor. 
Dos feitos e sabedoria da civilização.

Os cabelos dia após dia ganham 
a cor desbotada do tempo que passa. 
Os olhos trocam o brilho de ontem  
pelas cores e as sombras de hoje. 

Para nós foi uma época intensa 
de descoberta, fascínio e liberdade. 
Era pelas palavras que subia a pé 
as colinas solidárias da inspiração.

O tempo não parava de estremecer 
e de descer até ao duro alcatrão.
Será que está a chegar ao fim 
o nosso prazo de validade?
 
Sei que se um dia lá chegar 
eu já cá não estarei para ver.   
Fraterna a terra tão sonhada 
a nossa poesia virá depois.

Pelos outros que virão dá alento saber
que a água continuará a correr sem parar. 
Acreditar que este chão ainda aqui estará 
resistente quando nós já cá não estivermos. 



Ilusão da última fotografia? 

É verdade, não é impenetrável.
São apenas as minhas palavras
e o uso persistente das metáforas
 
que sempre me habitaram
sempre me visitaram
sempre me acordaram
sempre me desafiaram
sempre me reinventaram
sempre me fizeram viver.
 
Não, não sou impenetrável
e contigo de um opaco oceano
fiz-me mar quase transparente. 

Quando em mim senti e comecei
o caminho e solidão das palavras
não sabia que teria tantas pedras.

Bom dia, diz que horas são no teu coração 
se és metáfora ou ilusão da última fotografia? 



A mim soa bem. Tenho razão?

Para o Miguel e Sandra Amendoeira

Versão para este esboço da minha convicção.
Poesia é fixar a felicidade e alegria dos outros 
trazê-las com as metáforas para as palavras. 
Escolher algumas entre as mais solidárias 
guardá-las e levá-las para casa no bolso 
da camisa que fica mais perto do coração. 
 
Se bem me lembro, li, ouvi ou sonhei
tinham a mente no céu e os pés na terra.
Aprenderam que o futuro faz-se em cada dia.
Que não se deve apenas vestir o corpo 
com roupa bem justa e muito vistosa. 
 
Deve-se também vestir a alma e o espírito 
com a vontade mais firme do carácter 
determinação, conhecimento e insubmissão.
Sem aceitar nunca a filosofia do deixa andar. 
A mim soa-me bem. Será que tenho razão?



Poema encomendado à inteligência artificial
 
Passei por uma seara de espigas de trigo
procurei-te e nela encontrei os teus lábios.
Estava ali e não sabia como abrir o postigo
para chegar mais perto da luz dos teus olhos.
 
Como me falou com emoção do genial Van Gogh
fui ver os seus campos e os vasos de girassóis.
Quis escrever da vida e da festa de um bom jogo
para depois te cobrir com pétalas e com lençóis.
 
Tinha-me cantado as palavras sentidas de Brel
o duro verso "Deixa-me ser... a sombra do teu cão".
Pensei amor assim não cabe em apenas um papel
e vai passear na areia à beira-mar de mão em mão.
 
O que mais me gosta é não haver em ti nada de superficial
que te posso imaginar sentada ver-te e sentir-te deitada
como o frito que faz bem e a fruta para comer descascada.
O meu primeiro poema encomendado à inteligência artificial. 



Uma mão vazia cheia de nada 
 
Temos uma mão vazia, cheia de nada 
e um coração repleto de coisa nenhuma.
Na tempestade o navio da justiça à deriva.
 
Que errou no porto de chegada à bonança 
e para surpresa de todos ficou ancorado 
no lado direito do peito, longe da esperança.
 
Para dar sentido às palavras, lia-se no protesto  
inventado à pressa e em desespero de causa
para que seja possível acreditar, não seja ignorado. 
 
Não seja de novo abafada a voz de quem sofre.
Chega de mordomias e ainda mais com caganças. 
Temos de dar nome à alma, à pobreza das crianças.



As falsas ruas do futuro
 
Ao percorrermos as falsas ruas do futuro
com o passado aldrabado na algibeira
os cornos alçados enfiados nas dunas
e o presente amarrado às redes da mentira.

Mesmo sem rendição em dias de ânimo menor 
quando do dejá vu nem argumentar vale a pena
a gentil maçonaria a cavalo e os outros à la pata. 
- A mentira repetida em verdade se transforma. 
 
Seria tão bom que não nos esquecêssemos 
da baixeza que nunca dorme nem se cansa
e que vive em todos e em cada um de nós.
- Que vive em todos e em cada um de nós!



Quem tem álibi tem tudo
 
Parábola ou palavra de honra que não tenho medo.
(Se ouvissem o bater apressado da minha pulsação...)
 
Quem tem álibi tem tudo e quem não tem, não tem nada. 
Será provavelmente uma das minhas últimas cem palavras 
que vou usar antes de bater asa, a bota ou chinelo de praia. 
Primeiro se quiseres posso ensinar-te a andar de bicicleta
bem perto da colmeia descarada da abelha abelhuda.
 
Pensar que narrativa de álibi vou selecionar na conversa 
no exame final com Pedro, sentado entre o céu e os homens. 
Vou jurar a pés juntos, que como muitos outros, eu também 
não pensei nem soube, não vi nem ouvi, nunca estive 
nos locais do pecado, estava em outro lugar muito distante.

Por tão profundamente serena ser a sua expressão
estaria adormecida e em algum belo sonho mergulhada.
Acorda moça da barriga tesa parte o pão e põe à mesa
que vem lá o sacristão mais esfomeado que um pavão. 



Uma flor silvestre

A terna fragilidade de uma breve borboleta
desprotegida e incerta a voar ou a delicadeza 
de uma bela flor silvestre agarrada ao seu chão.
  
A resistência duradoura de um prato maciço
de cerâmica persistente ou um copo de vidro
que desajeitado, sem querer deixas cair da mão. 
 
Diz qual? Qual é o quebradiço? Qual é o resistente?
Qual é o vulnerável? Sólido como este nosso mundo?
Na correria sem nexo da vida, qual é o mais seguro?
No desamor, qual deles é o símbolo da paixão? 



O amor sonha-se aos poucos

Não quero estar triste só por conveniência 
nem feliz por obrigação formal ou inerência.
Estar onde do nada me surpreendeu sem dano 
e eu apanhei o único banho de mar do ano.
 
Em mês de fim de estação e de reencontros
passeava contigo de mãos dadas pela praia. 
Entre tanta gente para nós mais ninguém existia
sentia-me feliz e pensava enquanto te ouvia.
 
Continua a ser verdade o que li há muitos anos
viajava para a cidade num comboio a escaldar.
- Foram feitos um para o outro não se pode negar.
 
- O amor sonha-se aos poucos muito devagar
sentido com um estremecimento por dentro 
e enfeitado com o fascínio infinito do teu olhar.

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