Apenas por ser morena 

"El barro es la vida, el yeso es la muerte  
y el mármol es la resurrección", disse um dia  
o grande poeta nicaragüense Rubén Darío  
de visita ao escultor mexicano Enrique Guerra.
 
Entre outras obras, gostei muito da escultura  
“El Sueño  de Sulamita”. Pesquisei e decidi contar  

trazendo para as palavras as imagens que ficaram.  
Especiarias, ouro, pedras preciosas e a sua virtude.
 
Soube que entre as muitas centenas de mulheres  
com quem dormiu, de todas foi ela a mais amada  
pelo rei Salomão. Muito bela e morena, quase negra  
recebeu vários nomes, mas não o de rainha de Sabá.

 
A Sulamita desnudada pelo gesso do escultor  
que no caso queria dizer tanta vida, deu troco  
e respondeu ao disfarçado de pastor de ovelhas  
sem saber que era o poderoso rei dos judeus.
 
Tudo começou no lagar onde se pisavam as uvas   
com as quais se fazia o melhor vinho do reino.  
Uvas pisadas por jovens vestidas de branco. 
- Pastor de ovelhas eu conto-te um segredo  
mas não me olhes apenas por ser tão morena.

Evangelho da Ressurreição 
 
Na hora de louvar e resgatar o corpo de Cristo 

do homem que veio ao mundo para nos salvar.
Vítima maior do ódio, da denúncia e da traição.

Despedir as mãos com os véus e com os lenços 
na amargura de mãe, das pedras com olhos
com as vestes mais tristes e escuras da solidão.
 
Pelas gentes foi proclamado novo rei dos judeus 
com a certeza clandestina da palavra do Senhor. 
Atacado e cuspido, escárnio colectivo da multidão.
 
Para que povo saiba quem manda nesta terra
que não há lugar para mais ilegítimas dinastias 
e um novo evangelho solidário da ressurreição.
 
Para filho de doméstica e de um velho carpinteiro 
não há regalias de vivos-mortos nem mortos-vivos.
Quem está morto não vai aparecer de supetão. 

Está bem onde está, perdido nas ruas da escuridão. 

O legado de Cristo 
 
Hoje apetece-me escrever sobre aqueles
que falam de moral cristã e de mãos limpas
da necessidade do estado digital-minimalista
de preferência virtual, por correspondência.
 
Que para os favorecer quando é preciso
lá estão eles a exigir a intervenção do estado 
para salvar da falência os seus bancos privados

ganharem o filé mignon dos concursos públicos. 
 
Na realidade não arriscar nada e tudo ganhar 
que difícil é meu Deus conseguir multiplicar o lucro. 
É só repetir o que fizeram com o legado de Cristo 
- Primeiro estatizado ao serviço dos mandantes
e depois privatizado ao serviço dos mandatários.

40 dias e 40 noites 
 
Não sendo Deus, Cristo, Profeta Moisés ou Ali-Babá 
o que são 40 dias ou 80 ladrões na nossa longa vida?
Assim começa a pergunta para o texto que segue
apesar de não estar em quarentena nem ser quarentão.  
 
São 40 dias do milagre do nascimento da vida e da morte 
porque não há vida sem morte nem morte sem vida 
e como disse há dias um amigo que não via há séculos
para se viver tem de se morrer, morrer para se renascer. 
 
No Antigo Testamento, Deus destruiu a terra com o dilúvio, 
e fez chover a cântaros 40 longos dias e 40 longas noites.
No Novo Testamento Jesus foi tentado 40 dias e 40 noites 
e houve 40 dias entre a ressurreição e ascensão de Cristo.
 
Moisés, profeta de raro consenso, viveu três vezes 40 anos. 
Esteve a rezar no Monte Sinai durante 40 dias e 40 noites
e passou 40 anos no deserto cuidando dos seus rebanhos.
Morreu em paz depois de ter guiado o seu povo à libertação. 
 
Li que 40 dias pela vida é uma campanha cristã para o fim 
do aborto no mundo através da oração, de jejum e vigílias.
Anoto que quarentena é a reclusão para pessoas com saúde 
por causa da epidemia, mas que felizmente não são 40 dias.
 
Gosto da mensagem que chega do Ali Babá e os 40 ladrões 
a decisão do ladrão que rouba a ladrão tem 100 anos de perdão. 
Ali foi o primeiro empresário que criou uma lavandaria de lavar
o dinheiro roubado e o reintroduzir no circuito do dinheiro bom. 
 
Tudo por querer arranjar material de introdução para dizer 
que na fase de recuperação de não perder a minha vista operada 
durante 40 dias de nada fazer tive de estar quase sempre deitado
como se interessasse a alguém esta conversa sem jeito nem fio.

Maria mãe adolescente viúva jovem 
 
Como se fosse muito culto e muito inteligente 
e nada do que é religioso me é estranho
hoje venho falar de uma Mulher muito importante 
que com os séculos passou de simples Maria judia 
que concebeu O Salvador, declarada Virgem Perpétua.
 
Foi mãe adolescente, viúva jovem, o normal da época
que acontece quando se casa quase criança 
com um homem, o carpinteiro José, muito mais velho
e que conheceu no dia, na noite do casamento.
 
Mas antes muita água se evaporou do rio Jordão
e aconteceu a Anunciação pelo Arcanjo Gabriel.
Esta milagrosamente conceberia uma criança 
um menino judeu que seria O Filho de Deus.
 
Maria, chamada Máriam também é figura de proa 
na outra religião abraâmico vizinha, no islamismo 
e é mãe do mais novo profeta do Islão, J. Cristo. 

Com o respeito que o assunto merece, termino.
Obrigado pela atenção. Deus é grande. É o Maior. 

A minha mãe ainda não partiu 
 
A minha mãe ainda não partiu 
mas a sua alma gentil já está
muito distante de nós, da casa
e das flores que toda a vida cuidou.
 
Com a vida que há muito me tem fora 
vejo-a apenas de vez em quando
e fico sempre impressionado até ao ponto
a que a demência pode chegar. É tão injusto!
 
Assim poderiam começar as palavras
de tributo e agradecimento à minha mãe
que foi sempre discreta e humilde
a retaguarda e o porto seguro da família. 
 
Tinha sempre tempo boa disposição
disponibilidade e comida para quem chegasse.
Se as escrever, talvez seja esta a introdução
As palavras e as flores da minha mãe.

Adeus pai. Adeus velhote. Até sempre

"Não lamentes serem os versos
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte". José Tolentino Mendonça
 
Vamos sentir muito a tua falta, a ausência.
Com as tuas vistas largas e bondade natural
perspicácia espontânea e alegria de viver
fizestes de todos nós melhores pessoas.

A mãe coitadinha, que já nem de si própria sabe
diria o mesmo e choraria tanto como todos nós juntos.
Nesta última viagem, repousa em paz na eternidade. 
Enquanto cá estivermos, estarás sempre connosco.
Budapeste, 26 de fevereiro de 2021, tempo de covid-19

Adeus mãe. Dá um beijo ao pai
 
Na vida há anos em que não se passa nada.
Parece que é sempre dia a meio da semana 
já há quem lhe chame a nova normalidade.
 
Repito há anos em que não acontece nada 
e o melhor seria não lamentarmos a falta
nem dos feriados nem dos fim-de-semana.
 
Há anos que no interior cinzento da melancolia 
acontece tudo o que não devia ter tanta pressa 
a dura certeza de que nunca mais os vamos ver.
 
Este foi um ano com vida e com morte
- Com o anúncio do nosso primeiro neto 
e a última etapa da vida para os meus pais. 
 
Um ano em que em 16 semanas de sexta  
a sexta, quase à mesma hora, partiu o meu pai 
a 26 de fevereiro e a minha mãe a 2 de julho.
 
Como então escrevi: Adeus minha mãe. 
Descansa em paz. Dá um beijo nosso ao pai.