terça-feira, 8 de agosto de 2023

 

A cada um segundo a sua sede

Ontem à noite disseram-me
que para ser verdadeiro, amor é
de cada um segundo a sua fome,
a cada um segundo a sua sede!
E quem não aceita não recebe café.
 
Viu-se logo que comida era coisa fina
que não era amor de encher a barriga.
Era mais de encher toda a cabeça
nem que fosse a pontapé e pela força.
Era amor de tipo novo, de vanguarda.
 
Nada, pois, como uma dita boa foda
nem que seja só para avisar a canalha
mostrar que até no quente da cama.
No coito é o grande chefe quem manda.



Não há totalitarismo que seja eterno!
                    François (Ferenc) Fejtő
 
Depois que esteja tudo perdido, sem perdão
para lá do último abismo anunciado da morte
que a repugnância do crime se tenha consumado
e que o mundo tenha recebido a extrema unção.
 
Tenha morrido afogado ou ficado cinzas do fogo
em fase de menos metáforas e mais cacetada
que só se perdem as que caem estúpidas no chão
eu espero ainda ter força para mijar contra o tempo.
 
Outros apostam quanto mais bates mais gosto de ti
mas nós não queremos masoquismo, o autoflagelo
é para os cobardes e para quem lhes dá rédea solta.
Não se esqueçam, não há totalitarismo que seja eterno!



Vão para os céus? Vão para os céus uma porra!

E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada 
casa da oração; mas vós a tendes convertida 
em covil de ladrões (Mateus 21:13)
 
Entre tanta oração, tantos pais-nossos que estais nos céus
santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino
e aves-marias cheia de graça o Senhor é convosco, com eles.
A sorte que esta gente tem que não lhe caem os dentes!
 
Lá em cima, depois de cá em baixo tanto terem pisado
tanto mal fazerem, tanta mentira e tanto cinismo espalharem
tanto Deus da boca para fora, com tanta riqueza acumulada,
pensam que é tudo uma questão de oportunidade de negócio
que o reino dos céus também se compra e se vende, pois claro!
 
Cremados, debaixo da terra ou nos jazigos dourados da morte,
da hora que chega a todos, acabou-se a mama, fim do festim.
Estão na fila? Vão para os céus? Vão para os céus uma porra!
Para os braços de Deus coisa nenhuma. A vida não acaba assim!



O Bom Deus e O Seu Filho
 
Primeiro (Roma e seus donos) a contra-gosto
aceitaram e depois nacionalizaram: Pai e Filho.
Mais tarde, como é comum entre os poderosos
Pai, Filho e Virgem-Mãe foram privatizados.
 
Desde então, entre rezas, credos, esmolas
e lucros divinos, parcelam gulosamente o Céu.
Cuidam do Paraíso e não param de construir
condomínios de luxo para depois das partidas.
 
Com tanto poder, tanta responsabilidade social 
nem têm tempo para ler o velho Novo Testamento
- O rico, o Paraíso, o camelo e o cu da agulha. 
Bom domingo. Boas Festas. Feliz Tempo Pascal.



Egoísmo e negação dos outros

Não, não sei se os dias que vivemos 
são mais de egoísmo e negação dos outros.

Não tenho dúvidas que o nosso tempo
necessita de muito mais humanismo   
de solidariedade individual e colectiva. 
Sim, mais fraternidade pelo próximo. 
 
Sei que precisamos de mais acção 
muito mais entrega e ter o coração aberto  
aos que sofrem e são vítimas da guerra 
da fome da força bruta da injustiça 
da segregação racial e da perseguição 
por causa das suas ideias e da sua religião. 



Corpos feitos de trapos 
 
Se as mãos habilidosas da cesteira 
do suor diário do que dizem ser talento 
ela que não é a namorada do carteiro
ele que é o padrinho do seu prometido
trouxessem a boa nova do cessar-fogo.  
 
Se as costas curvas, curvadas da ceifeira
dos ribatejos duros de outros tempos 
caminhando por longos e áridos carreiros
anunciassem agora a nova serrapilheira
mezinhas caseiras e corpos feitos de trapos.
 
Se fosse possível a convicção de cão rafeiro
com um pedaço desbotado de calor humano.
A vida não é só facilidades e fins-de-semana
uma cabana em praia privada e um cinzeiro.
Um travesseiro a fazer de conta ser o traseiro.



Que venha o dilúvio
 
Com tanto fogo tanta cinza tanta terra queimada
Tanta gente com sede, com fome, falta de tudo
tão pouco oxigénio, água que não chega para nada. 
 
Que venha o dilúvio, que traga o fim do mundo
pelo menos os que sabem nadar não vão ao fundo 
e outros, com cunhas, consigam lugar na barca.
 
Talvez, redentor a sorte divina proteja os afilhados
talvez se safem na carcaça esburacada da desgraça 
que o mau olhado quando vem não é para todos. 
Muito menos para os que são ameaça para a raça.



Alhos. Cabeça dura. Galo. Brama. Olha
 
Algumas das frases soltas de tamanho 
de corpo e meio que costumo anotar no telefone.
Uma vez na internet para sempre na internet!

A terra é redonda com os collants nas pernas 
e as cabeças de alho guardadas na dispensa
não nas orelhas e os alhos pendurados na varanda. 

Com três corações, oito braços e nove cérebros, polvo 
está só, ignorado e desprezado como se um velho galo 
sem galinhas no galinheiro, nem as maçarocas de milho.
 
Cabeça dura? Não muito, apenas o suficiente 
para não ser cabeça toda mole e não permitir 
que a porcaria feita lixo selectivo ali faça ninho. 

Brama se és veado e queres acasalar para reproduzir 
dá o teu grito mais forte e viril, mas nunca te esqueças 
que é sempre a fêmea que escolhe para quem se abre.

Se não passas de gato ou de cão, brada aos céus 
em vez de te sufocares, te afogares no sentimento 
no marasmo, na indiferença desse poço sem fundo.
 
Olha, goza muito na cama, fode com quem quiseres 
mas não gozes com o povo, minha puta, meu cabrão.
Pelo facto de ouvir mal não quer dizer que não veja bem.

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