quarta-feira, 10 de setembro de 2014

XVIII. Os Textos a Morte e a Despedida



1. TEXTOS

Na fachada redonda do prédio principal
estava escrito bem grosso para inglês ver
- O amor passa mas os tomates ficam.

Para se redimir argumenta com a televisão
a qualidade do ensino, por isso primeiro
agradece com gosto e depois come com prazer.

Também não é de estranhar meu avião-poente
que pensa que tudo sabe e nunca se engana.
- Um petisco assim não se papa todos os dias.

Peitos brancos e macios, ancas rijas e claras
tão ao gosto do fino paladar da santa nobreza.
Apreciador do doce conventual mais apetitoso.

De virgens em conserva lavadas em água benta
pela bigamia intelectual do velho testamento.
Dogmas, profetas de luxo e outros textos sagrados.

2. MORTE

Uma boa ideia é um pedaço de quase nada.
Rasga-se, têm a resistência de papel
arde bem e num ápice se faz cinza.

Do verniz do retoque da tinta branca
da interpretação, a censura da actualização
para corresponder ao pensamento que domina.

Está há muito cansada de cá estar
mas não tem pressa nenhuma em partir.
Morrer que seja de repente e de barriga cheia.

Talvez tenha chegado a hora da ingenuidade
de abrir todas as portas às palavras
ao portão perfeito do coração e sonhar.

Dizem poesia que por serem livres, o amor
e a morte, andam sempre de mão na mão.
Passeiam por perto pelas terras do ciúme
perto da morte da sorte, da morte do amor.
Desse amor que pensavam ser eterno.

3. DESPEDIDA

Com frio a chover ou a fazer sol
o pescador vai fazer como se fosse à pesca
a remar sentado parado no mesmo sítio.

Quem se aproveita e ganham e comem o pão
são as vacas em botão e as formigas inimigas.
Espalham ainda mais tristeza nas redes sociais.

No mosteiro do mar o não-profeta do futuro
de braços abertos perguntava em voz alta:
- que será do povo se não houver trabalho? 

Deste lado da margem barqueiro
mesmo esperada, a morte de um amigo
é o anúncio antecipado da nossa despedida.

No acerto de contas com a vida 
essa mão cheia de cinzas
estas serão possivelmente 
as minhas últimas palavras.

Pedro Assis Coimbra (2012-2014)
Budapeste,  outras terras e cidades europeias.

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