quarta-feira, 10 de setembro de 2014

XVII. A Chuva o Creme e as Laranjas



1. CHUVA

Papoila paixão do deserto, espada
símbolo infiel da pedra, da culpa
da falta de homens e de água
de dilúvios e da chuva a mais.

Da depilação e da fragrância
pecando em flagrante pela noite
com a invocação dos mortos-vivos
e as rendas roxas da difamação.

- Como era de manhã bom acordar
escrevia junto à praia na brisa da ternura.
- Beber café e sentir os teus lábios de fumo
cozinhar e saber as tuas mãos na cintura.

Camisa azul escassa para vestir tanta beleza.
O teatro gourmet dos sonhos de domingo.

2. CREME

A polpa de tomate servia como creme
refresco e fresquidão, para gueixas e concubinas
ganharem a eternidade dos velhos imperadores.
Comichão e amendoas, alcatrão e outras doenças.

A decadência do império, ladrão de terracota
ocupante da gasolina e camelos da rota da seda.
Sapateiro de profissão, martelava o dia inteiro.

Havia uma interpretação discreta da gastronomia:
cozer o pão, moldar o barro e beijar a tua boca.
Minas na lama dos campos de arroz do Vietnam.
E muitos, muitos que comiam queijo até esquecer.

No areal gostava de misturar bagas, geleia e mamilos
com bolas de Berlim com creme e poder ouvir:
- Olha a bolacha americana torrada! Chorem meninos!

3. LARANJAS

As begónias da Babilónia
O cravinho da India
As nésperas da Pérsia
O pessegueiro de Pompeia

As amoras Otomanas
As beringelas de Bombaim
As acácias de Xangai
Os pepinos da Sícilia

As ginjas de Bizâncio
As amendoeiras de Pequim
As cebolas de Casablanca
O alho francês de Avignon

As tangerinas de Atenas
Os damascos maduros da Siria.
As uvas fermentadas das vinhas de Shiraz.
Os lábios da meseta virgem da Mesopotâmia.

- Porque disse-me Tarik, as laranjas de Istambul
foram - portokal – já lá vai quase meio-milénio
trazidas da China pelos marinheiros portugueses.

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