1. CHUVA
Papoila paixão do
deserto, espada
símbolo infiel da
pedra, da culpa
da falta de
homens e de água
de dilúvios e da
chuva a mais.
Da depilação e da
fragrância
pecando em
flagrante pela noite
com a invocação
dos mortos-vivos
e as rendas roxas
da difamação.
- Como era de
manhã bom acordar
escrevia junto à
praia na brisa da ternura.
- Beber café e
sentir os teus lábios de fumo
cozinhar e saber
as tuas mãos na cintura.
Camisa azul
escassa para vestir tanta beleza.
O teatro gourmet
dos sonhos de domingo.
2. CREME
A polpa de tomate
servia como creme
refresco e
fresquidão, para gueixas e concubinas
ganharem a eternidade
dos velhos imperadores.
Comichão e
amendoas, alcatrão e outras doenças.
A decadência do império, ladrão de terracota
ocupante da
gasolina e camelos da rota da seda.
Sapateiro de
profissão, martelava o dia inteiro.
Havia uma interpretação discreta da gastronomia:
cozer o pão,
moldar o barro e beijar a tua boca.
Minas na lama dos
campos de arroz do Vietnam.
E muitos, muitos
que comiam queijo até esquecer.
No areal gostava
de misturar bagas, geleia e mamilos
com bolas de
Berlim com creme e poder ouvir:
- Olha a bolacha
americana torrada! Chorem meninos!
3. LARANJAS
As begónias da
Babilónia
O cravinho da
India
As nésperas da
Pérsia
O pessegueiro de
Pompeia
As amoras
Otomanas
As beringelas de
Bombaim
As acácias de
Xangai
Os pepinos da
Sícilia
As ginjas de Bizâncio
As amendoeiras de
Pequim
As cebolas de
Casablanca
O alho francês de Avignon
As tangerinas de
Atenas
Os damascos
maduros da Siria.
As uvas
fermentadas das vinhas de Shiraz.
Os lábios da
meseta virgem da Mesopotâmia.
- Porque disse-me
Tarik, as laranjas de Istambul
foram - portokal –
já lá vai quase meio-milénio
trazidas da China
pelos marinheiros portugueses.
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