terça-feira, 8 de agosto de 2023

 


COM AS PALAVRAS ATÉ AO FIM



Palavras e as Minhas Metáforas
Mulher com Mar no Olhar
Caminho e Solidão das Palavras
Provérbios com Palavras
Textos e Panfletos do Contra 



Pedro Assis Coimbra

PALAVRAS E AS MINHAS METÁFORAS


 
La chanson du vent te dit que mon amour t'attend. 
Boris Vian

O amor que move o sol e as outras estrelas.
Dante Alighieri




Levantar o meu copo de vinho
 
Quero levantar o meu copo de vinho tinto
a tudo o que fui e não fui e gostaria de ter sido
ao que a vida me deu e ao que eu fiz pela vida
a tudo o que deixei por fazer e não foi pouco.
 
Mesmo em pleno outono avançado da vida
mais inverno que outra qualquer primavera
não quero por nada que este meu tempo
comece a recuar e a fazer marcha atrás.
 
Como outros já antes e melhor o disseram
para mim, saudades só de ti, só do futuro.



Até ao fim das palavras 
  
Podia escrever a linha imperfeita das mágoas 
que trazia de volta as sombras das lágrimas
o amanhecer adiado das suas águas tépidas.
 
Mas um dia de surpresa entre gargalhadas
entornou parte do seu perfume na minha alma 
que ali ficou e estará até ao fim das palavras.
Para viver à luz dos mistérios da nossa história.
 
A fragrância suave dos relevos doces da sedução
espelhada nos seus olhos - filha preferida do mar 
navegava nas ondas com a salmoeira da emoção.
As carícias lisas das minhas mãos de tanto amar.
 
A primavera está a chegar em força e em festa
que sejam dias e dias pintados de muitas cores
com muitas flores com dálias e malmequeres.



Ruas da cidade

Nesse dia caminharam pelas ruas estreitas da cidade
Iam de mãos dadas lado a lado nas folhas da lembrança
Não sabiam o que os esperava na esquina da Saudade 
Antes de regressarem de táxi aos abrigos da bonança.

Sentiam que quando a lua chegasse para os abraçar
Já não seria muito cedo para quem tanto tinha para dar.
 
Noite de luar com muitas aventuras para partilhar
Inspiração que vinha da certeza de cada momento
Na calçada quem poderia tanta paixão adivinhar? 
Amantes que juntos perdiam a noção do tempo.



Palavras ditas por uma mulher
 
Comprei uma caixa de lápis de cor para ajudar.
Diz-me poesia, como posso dar a volta ao texto
como fazer que sentir e inventar, como escrever 
como se fossem palavras ditas por uma mulher?
 
Um pensamento, uma mente ousada e livre 
que dizia atardar-me e eu entendia deliciar-me   
poder ver no fundo da mensagem dos seus olhos.  
- Ontem foi a noite que sempre sonhei para nós.
 
Como estou preguiçosa entre pétalas de jasmim 
peço-te que me tragas um café curto sem açúcar 
com um beijo abrasador e uma flor do teu jardim.
Depois vou-me vestir e do nosso amor me enfeitar. 



Uma poça de água 

Introdução
Seja de hoje de ontem ou de amanhã
é uma bela e maravilhosa fotografia
de uma sensualidade encantadora
com essa luz fantástica do pôr do sol.

Os amantes de Lisboa abrem os braços ao desejo.
Entregam-se ao beijo no nascer da lua à beira Tejo.

Continuação
No recanto interior da pequena baía
que nos protegia das marés imprevistas
havia um búzio entre os teus seios.
Do encantamento pareciamos perdidos

Para nos encontrarmos e nos fundirmos
com o regresso à praia na barriga das ondas
e uma concha negra entre as tuas coxas.
Uma poça de água de ventura e descoberta.



Chuva de pouca dura 
 
Era um poço fundo e estreito que indicava
nos dizia para refrescar a cara da horta.
Depois uma chuva morna de pouca dura 
que mais fazia lembrar o sabor da tua boca.
 
Sim, quem nada quer, nada consegue 
mas aqui, pelo contrário ela tudo fez.
Era o sol na figueira e mulher meia nua
de tanto seduzir nem o melro lhe resiste.
 
Ainda estou com o cabelo molhado
das carícias infinitas das tuas mãos.
No final sinto o coracão com mais fome
das tuas palavras e da nossa saudade.
 
Uma opinião criativa, muito atenta
de quem desconfia do verbo insinuar
e não o troca pela sua arte de encantar. 
 
Intuitiva como o grande espelho de sala 
que a devolve, me mostra e a ilumina 
e deixa resplandecente a minha janela. 



As noites da vida

Se um dia soubesse escrever
as palavras para um só poema
haveria de dizer em voz alta
para quem me quisesse ouvir.

Que este amor que sinto por ti
se escapou de uma fina falha
que tinha esquecida dentro do peito.
Milagre sentido num dia de inverno.

Desde esse momento a tua presença
deu voz à razão da minha opção definitiva
de substituir as velhas por novas palavras
para poder saborear as tuas metáforas.

No pátio interior desta história 
tu és a estrela da manhã
o sol forte do meio-dia
a lua das minhas noites.
- O cobertor do meu sono.
- Os dias e as noites da vida.



Pequeno milagre da mina
 
A framboesa mais deslumbrante da minha rua
às primeiras horas do dia passeava quase nua 
vestida pelo sorriso da lua que a imaginava sua. 
 
Um corpo que pela manhã se assemelhava à água
pronto a ser cantado para regalo dos ouvidos
que corria da bica da fonte na festa dos seus peitos
e ganhava voz de cigarra na noite toda da dádiva.
 
A atração irresistível que tanto desejo acendia 
a um coração que ficava a descansar junto ao rio
com a mão deslizando por entre a roupa mais clara
enquanto ela se abandonava como terra em pousio. 
 
Navio calmo que lentamente nos encaminhava  
enquanto ao acaso os dedos procuravam a entrada   
o cheiro profundo do pequeno milagre da mina.



O perfume por descobrir 
 
A vontade do refrão de se aconchegar   
andava por aqueles lados meio perdido   
sorriso vadio que disfarçava a impaciência   
de chegar depressa ao seu destino   
e a sua sombra a contraluz abraçar.
 
Por onde será que ele se demorou   
se era para chegar bem mais cedo   
e atrasado só agora aqui chegou?
 
Se o regaço fosse a cacimba do riacho   
teria o esplendor húmido do mármore   
a embriaguez anunciada do vinho novo   
os lábios subindo docemente as colinas.   
O perfume intenso da vida por descobrir. 
 
Pedaço de terra primeira do sonho
desejo banhar-me nos teus olhos
perder-me nos corredores do teu corpo.



A geografia do teu país
 
Trago ramos de papoilas e alperces maduros
que ao fim da tarde apanhei pelo caminho
segredos e narrativa de algumas aventuras.
Eu retiro o lençol que afinal não te protege
e olho com atenção a geografia do teu país.  
 
Venho aqui para te acariciar enquanto dormes
saber a tua essência mais íntima de mulher
é comovente sentir os meus dedos na tua pele.
Destino maravilhoso de me deixar fascinar
nos vestígios e nas humidades do teu prazer.
 
Flor de rosmaninho penso em ti a cada momento.
Quero sem rima contar-te o meu sonho de amanhã.
Na tecelagem das palavras artesã do meu coração. 
Quero escrever-te até não ter mais nada para dizer.



Na esplanada do bar
 
Na esplanada do bar no anoitecer da cidade   
ouvia-se uma voz vinda de dentro do seu véu   
descendo afoita às escuras sem destino certo     
debaixo das mil luzes ciumentas do novo céu. 
 
Atrás de ti murmurando palavras indecentes   
os teus frutos propriedade das minhas mãos   
e sem pressa os dedos alisando o terreno  
até ao fundo da tua alma, até ao fundo de ti.
 
O intenso relevo da sedução tão próxima    
com os teus seios, os teus lábios agridoces   
a pele do teu ventre e a encosta milagrosa   
até a nascente do lago ou desse rio calmo.  
 
Puxa o fecho do vestido e desce lentamente   
os lábios à medida que o fecho vai abrindo.   
Segue-lhe o trilho e não pares de me beijar.

Abrir as asas e voar

Deslumbrante estava sentada até a magia da perfeição
sítio que pela sua resiliência persistente lhe pertence.
Bosque ou destino que merece pela entrega e sedução
viagens e doce descoberta de ave migratória e livre. 
 
Depois abrir as asas e voar mais alto e mais longe  
para sentir o pão em si, a conquista da liberdade  
por debaixo das penas em cada cm2 da sua plenitude  
ou quando exige silêncio, que não a olhe nem lhe fale. 
 
Que se escreva de vez para que se saiba a verdade.
Nada se assemelha a esse amor e a essa devoção 
a essa comunhão, a esse clamor, a essa paixão. 

Denominada património sentimental da humanidade
que neste caso particular poderia ser simplesmente
património pessoal e intransmissível do meu coração.



No início dessa aventura
 
Na estação da palavra, no início dessa aventura
em silêncio ou de voz aberta gostaria de sublinhar
para que não fiquem dúvidas por falta ou omissão 
- tudo o que de mais íntimo penso e deixo escrito
é-me ditado por esse fogo que não pára de ditar.
 
Porque se és a nascente, na cidade sou a fonte 
somos o cântaro de água para saciar a nossa sede.
As minhas metáforas nascem e crescem por ti
para ti e são tuas para o que falta da minha vida.
 
Agora vou regar as minhas novas plantas
porque ontem à noite acabei por não o fazer.
As flores em botão que no domingo comprei
para felizes na primavera nos sorrirem 
e perfumarem as ruas do nosso entardecer.



Praça das nossas promessas

Primeira versão
Eva, do verão muito quente estava nua no alpendre 
com as entradas do corpo à mercê da boa serpente 
feita homem da vertigem, feito Adão de fogo ardente. 
A ceder ao pecado, a merecerem o perdão da noite.

Segunda versão
Sabia da terra amanhada e cultivada
que bem cedo prometia abundante colheita.
Era a noite do dia, dessa lua tão desnudada.  
Suspiro, é esse o meu espirro de amor!
 
A lua cheia a morar entre o sol e a terra 
e lá do alto a olhar por nós pecadores.
A sementeira desalinhada pelo vento.
 
Pelos nossos frutos os nossos alimentos 
os nossos outonos e os nossos invernos  
o nosso março, a alegria da nossa festa.
 
Na praça de encontro das nossas promessas
porque a terra atrai a lua e a lua atrai a terra 
e até os cães se calavam à nossa passagem. 
 
Sabe-se que a vida começa com a lua nova 
e atinge o seu apogeu com a lua cheia. 
Será assim o amor? Será assim o nosso?



Celebração e adeus

Primeira versão 
O espelho de mão do olival a madrugar  
sentia o encanto da colheita dos frutos 
e a doçura da sua compota por degustar.

As azeitonas maduras dos seus olhos.  
O vale profundo, as uvas do seu olhar.
Está tão distante como se quer mostrar?
 
Segunda versão 
Durante a noite enquanto não sonho nem durmo 
os fazedores de opinião com o seu bom senso 
dizem-me convictos agora mais do que nunca.
 
Nos casos da poesia sem rosto nem rasto 
com as pegadas do pouco tempo que resta
os anos não perdoam a ninguém, nem ao poeta.
 
Ser urgente, chegou a hora de assumir a ventania 
o outro cinzentão das nossas vidas como futuro.
Da celebração do amor e do adeus mastigado. 
O melhor das memórias? O tempo passado contigo.



Malmequer a rimar

Bem-me-quer. Bem-me-quis. Mal-me-quer.

Malmequer porque me queres convencer
aqui de pé ao balcão da nossa pastelaria
que já não conto e me ofereceu uns patins
me pôs na lista dos que lhe são indiferentes.
Mudou de página e já não gosta de mim?
 
Nunca te esqueças que para me teres
tens de me conquistar todos os dias
seduzir no início de todas as noites
porque todos os dias sou outra aventura
que floresce nos olhos e canta a ternura.
 
Malmequer a rimar, flor que não sabe mentir.
Quando se perde a magia é o fim da poesia.
Fica para nos lembrar o amor que acabou.
Para acompanhar a saudade da distância.
O vazio e o quase tudo da sua ausência. 



Partir é prolongar o coração

Primeira versão
Da sedução, soube um dia
que a sua alma era feita
do tecido mais vulgar 
o mais reles de todos.
 
Por isso e para não naufragar, 
fez-se ao mar, para por entre as ondas navegar.
Sabia, partir meu amor é prolongar o coração.
 
Segunda versão
Foi nas areias húmidas da maresia da manhã
que chegou a notícia do outro lado do destino.
- Está na hora da partida de se pôr a caminho.
 
Da sedução, entre lágrimas e acusações
soube sem remissão que a sua alma mal nascida 
era feita de tecido barato, o mais reles de todos.
 
Por isso e para não naufragar, fez-se ao mar
para, por entre as ondas, poder navegar
porque sabia, recordava um texto anterior
- Partir meu amor, partir é prolongar o coração. 



Triste entre a gente

Aqui estou de olhos abertos, contigo no pensamento
como sempre acontece quando estou só entre gente. 
 
Em divagação refazendo o momento da chegada
já com o bilhete na mão antes da nova partida 
da viagem prolongada ao fundo do teu mundo.
As palavras de arremesso de palácios prometidos
e a ilusão de quando ainda havia bairros operários. 
 
Lamentos pelas juras antigas trazidas pelo vento 
para espairecer e desanuviar, distrair e se entreter.
Como desde o início se sentia, que o nosso tempo 
já não o era, nem tempo para recordar e reviver
os momentos que vivemos. Seria melhor não dizer?
 
Aqui estou de olhos fechados, contigo no pensamento 
como sempre acontece quando estou triste entre gente.  



Não são o mar que já foram

Discreta e calada a dúvida estendia-se pelas dunas
dissimulava-se como tomilho no chapéu de aba larga
colava-se ao sal, às rochas verdes de algas pintadas.

Não te chega a atenção e paixão, o amor que te dou.
As minhas palavras já não são o mar que já foram
as suas ondas já não molham, limpam as tuas praias.

Posso responder com os versos cantados pelo povo?
"O mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele quer"
o meu enrola na tua, sabes muito bem o que eu quero.

Sentia as tuas mãos que não sabiam onde pousar
como os barcos e a tripulação, as famílias em aflição.
Grandes tempestades é o que anseia a nossa paixão.



Morte da memória 

Cartografia de luto, chegará o dia minha flor 
ainda que a mãe-terra não falte com o seu calor
e a fotografia nos traga de volta o nosso clamor 
que até o amor mais profundo morrerá de dor.
 
Lembro que foi nas raras tardes de abundância
era na fonte da tua boca que recolhia as águas
que guardava para quando as noites e os dias
fossem ocupados por desertos frios e sem vida.
 
Ainda que a entrega, a paixão fosse tão notória
esse  amor para ser verdadeiramente eterno  
como dizia a canção, um dia tem de acabar.  
Para ficar até à morte, à morte da memória. 
As carícias da alegria podem não mais voltar. 



Verão quente

Acordar na manhã seguinte à nossa noite   
com a colcha, a manta aos pés da chama.   
A toalha tinha ainda bordado o teu perfume   
que nos convidada a continuar na cama. 

Não eram rosas cansadas em ramo sisudo 
sem o sorriso aberto das begónias da paz.
Era tão só a túlipa mais bela do passado
que nas coisas do sonho tão bem nos faz.
 
Estavam tanto no fundo da alma um do outro
que bastava uma brisa, um nevoeiro teimoso  
para fazer de um detalhe ou de um pormenor
de um nada, um alçapão maior ou ainda pior.
 
Eu estou na margem da ternura onde te espero 
na almofada com a tua sobremesa preferida.
A interpretação da filosofia no começo da tarde 
na caligrafia do verão quente da sensualidade.

 

No teu café com devoção 

 
Dizem que grosseiro o inverno chegou 
e que gélido pela casa dentro entrou
o calor do nosso namoro quer congelar
e o melhor dos pensamentos apagar.
 
Porque para acender a nossa lareira
não há como ter boa lenha guardada
com as achas prontas do melhor fogo.
Com as brasas de desejo do teu corpo. 

Lembra-te daquelas fugas douradas 
pautando silêncios que crescem em flor
no murmurar das pétalas mais valiosas.
O salvamento da barcaça frágil do amor.
 
Subimos as encostas do primeiro anoitecer
levando nos bolsos a luz até amanhecer.
De manhã bebe-me no teu café com devoção.
Preciso de ti para os meus olhos terem vida.



As semanas sem nós

“Tu, céu claro sobre mim,
Quero confiar-me a ti.”  Lou Andreas-Salomé
 
Há muitas luas que os campos tinham sido abandonados
Desejo maior do mundo, os pensamentos estavam em ti 
Não havia tempo a perder era imperioso chegar ao cais
Abastecer de mantimentos que fazem a terra ser gente.
 
“Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua?”  Rainer Maria Rilke
 
Percorrer lentamente a tua sombra antes de me fazer anunciar 
Juntar nas minhas mãos todas as carícias das semanas sem nós
Procurar no teu peito as marcas mais íntimas da minha paixão 
Recolher no teu regaço os sinais mais profundos do nosso amor. 
Saberão as minhas palavras encontrar o caminho do teu coração? 



Convidava a sonhar

“O despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.” Rainer Maria Rilke
 
Com um irresistível charme e uma elegância de esplendor 
Sorriso que convidava a sonhar de tão contagiante e sedutor 
Se ela fosse a rainha do povo, seria uma das mais esbeltas 
Das mais poderosas e admiradas, perfume único da história. 

A pensar em ti de forma profana escrevi que se fosses igreja
terias a arquitectura perfeita, serias uma basílica bizantina.
 
“Espaço e mais espaço é o que quero sobre mim!
Para ajoelhar-me sobre o azul e venerar-te.” Lou Andreas-Salomé
 
Com o bater do meu coração das ondas salgado  
É por entre as margens dentro de mim que corre 
O rio cheio que desagua lento no fundo do teu mar.
 
Entrega-se feito fogueira azul no porto de abrigo 
Junto à embarcação que adormeceu nas areias 
Onde estamos de mãos dadas e braços trocados 
A arder na humidade da noite, no murmurar das brasas.



Voltar ao cais

“Com todas as minhas forças te aperto!
Que as tuas chamas me devorem.” Lou Andreas-Salomé

O beijo vinha de longe e para chegar
A tempo e tão depressa como o carinho 
No seu ardor não parou nem descansou
Não perdeu nem um minuto no caminho. 
 
“Depois regressa o silêncio.
Os meus olhos, muito abertos, pousaram em ti.” Rainer Maria Rilke
 
Depois da fome marinheira e da sede na fonte saciada 
Depois da festa do reencontro chegou a hora da partida 
Para um regresso de promessas entre beijos demorados.
 
E os seus lábios? Perderam-se na água ou no fumo? 
O barco saiu do porto sem ventos fortes nem rumo 
O único desejo era voltar ao cais e aos seus braços.  



Nas minhas asas

Se até hoje ainda não tinha sentido
é porque contigo estava destinado
que haverias de ser tu o primeiro
a fazer-me conhecer este sentimento. 

Onde a imaginação e a fascinação
de um contentamento assim sem fim
é o começo da minha melhor excursão.
- Deixa a porta sempre aberta para mim.

A bela e terna ave que me acompanha
com a sua penugem suave e colorida
e que elegante me envolve e me fascina
me prende, me seduz e me liberta.

Finalmente livres pego-te na mão
e levo-te comigo nas minhas asas
até às sombras dos ramos e das copas 
até à invenção de novas madrugadas.

Tenho vindo ao longo dos tempos
a deixar pelas ruas pedaços da alma
a espalhar pequenas histórias de amor.
- Uma é minha, outra é tua
e a outra é de quem a escrever.



Inventar a festa e documentar o prazer

Os braços pressentiam a chegada da maresia
por ela tão desejada, destacavam-se ousados
nos detalhes íntimos das suas vestes de fantasia.
No sorriso, no convite mais lindo dos seus olhos.
 
O morango da minha horta, amargo sei que não era. 
São doces para os amantes os frutos da primavera. 
Ela para com sensualidade à noite se despir para ele 
de rendas se vestiu por debaixo do seu vestido leve.
 
És toda a minha vida. A alma da outra parte de mim.
A minha inspiracão para descobrir o mundo da alegria.
Espalhar ao vento para que todos os viajantes saibam.
Para inventar a festa e documentar o prazer da poesia.



Amor da melhor malha

Há uma obra-prima que realizamos os dois 
tu com a tua meada de fio e eu com a minha.
Hoje tecemos o nosso amor da melhor malha
com as linhas entrelaçadas e rolos de entrega. 
 
Artesã jeitosa e jovial da rua que fica em cima 
de pernas à mostra, sentada no degrau da sua porta.  
Mulher que com os seus diligentes e hábeis dedos 
todos sabem, faz o melhor crochê do seu bairro  
e colorir como ninguém o pasmo do inverno cinzento. 

Crochet valioso deixe-me aprender com o seu jeito 
experimentar a sua agulha e algum do seu fio. 
Luz da lua para viver com o vento o resto do tempo
passageira do sonho que chegou de madrugada
a rimar com desejo, a rimar com pêssego maduro.  



É aí a minha casa

Diziam como quem reza por um deus maior
feito homem e feita mulher: O verdadeiro amor 
é onde nos sentimos desejados e compreendidos.
O nosso amor tem chão, sala e lareira, o quarto 
e muito mais para nos conhecermos um ao outro.
 
Ainda te lembras do dia primeiro em que cúmplice  
a cidade nos recebeu? Era janeiro e chovia, chovia 
como era hábito, mas nem a chuva nem o frio 
sentíamos, e até sonhamos uma banda de música 
de boas-vindas para o desfile folião da felicidade. 
 
Por ser assim, porteira portadora das chaves 
dos portões para as catacumbas do meu mundo. 
Quero que saibas que lá onde bate o teu coração 
seja aldeia, vila, grande cidade ou terra sem nome
é aí a minha casa onde eu moro e cuido das árvores.



Acácias da mesma raiz

Próximas de ti escorregavam no licor das pedras
junto à margem do rio, nos espelhos dos dedos
com as rimas exactas pelos jardins do teu peito
bem guardadas no bolso, no navio das promessas.
 
Minha alegria renovada meu passeio de mãos dadas
pelas avenidas sem fim de uma desejada aventura
onde tu, meu amor, és o meu sal e eu a tua doçura.
Quem diria, mas porque o nosso tempo não condiz
é conversa fiada que nos encontraremos em Paris.
 
Abraça-me forte, sem dó para que pensem ser só pó
e os nossos beijos serão a voz mais falada entre nós.
Memórias da mesma terra e acácias da mesma raiz.
Digam, será que nestes dias ainda é moda ser feliz?



Um sorriso assim

Se não fosse a vida valeria a pena inventar?
Valeria a pena recriar os sonhos dos outros
sentir os melhores momentos nunca vividos
escrever do passado para no futuro recordar
para o presente de promessas prolongar?
 
Numa mistura de curiosidade, excitação 
e amor, procurei-me nas tuas palavras. 
Quis ver-me nesse espelho sem fim
que resulta da tua atenta observação 
do estudo cuidadoso que fazes de mim.
 
Se estivéssemos deitados ou sentados lado a lado 
ia pedir-te que em voz alta me lesses o teu poema 
e me desses um breve e ligeiro beijo a cada palavra 
que dissesse em segredo o meu nome. Sorrio… 
Quanto não vale um olhar e um sorriso assim?  
 
Diz-me amor, seriam muitos os teus beijos? 
Não sei porquê, mas sinto que a tua leitura 
não iria muito além do primeiro. Sabes que sorrio...
Há quanto tempo esperava um sorriso assim!  



Linhas retas da geometria 

Frase do dia. De triângulo em triângulo 
no estúdio onde a tinta corria até a noite ser dia
e a jovem modelo sem pressa se vestia e se despia
nos olhos do pintor se encontrava e se perdia.
 
Frase da noite. O desejo confesso do pintor 
era pintar à mão um azulejo, um quadrângulo. 
do musgo escuro que seria tão bom percorrer.
 
Na tela a caneta comovida do poeta dizia 
como fazer linhas retas da geometria dessas curvas. 
Diz, que pintaria o poeta? O pintor que escreveria?



Alma de alfarrabista

Para uma última vez amolar as palavras
Com o violino e a harpa da nossa melodia.
Com a chegada do verão afinar as metáforas
Que nos afastam do frio e trazem a poesia.

Era um local muito próximo da povoação
Que quando era preciso abrigava e protegia
Libertava o teu coração alegre de gaivota
E da chuva a minha alma de alfarrabista.

Alisar com as mãos os lençóis do mundo
O álibi da noite que nos fazia recordar.
Partir é morrer no deserto árido da alvorada
Partir é viver na vastidão, no oásis do teu olhar.

Limoeiro de abrigo


Depois de muita conversa fiquei a saber que nessa terra
de montes, vales e serras, sapeiro não era ave de rapina.
Queria dizer nevoeiro. Ensapeirado, enevoado e o limoeiro
quando estava neblina, servia de abrigo ao velho sapateiro.
 
Se vais à vila não te esqueças e visita a cabeleireira
e no carreiro temos as nêsperas das melhores nespereiras.
Pergunta se do frio e da braseira lhe voltaram as frieiras.
Aproveita e bebe o café de cevada que faz na cafeteira. 

No chão, no asfalto, nas pedras não cheira a chuva.
Com um tempo tão seco dói ver as flores com sede.
Não sabes mas em menina ganhei os meus calos 
nas mãos a descascar e cortar batatas e cebolas. 

Eu existo! Sim estou aqui. Deitei fogo em ti. 
Deixa-o arder! Ele é a vida que nos faz viver. 



Soneto à caça 
 
O troféu, a peça de caça não interessa 
se nem é necessário ficar à espreita 
para o tiro certeiro, está e não dá luta.
 
A dizer que não vende lebre por gato
que sem sã concorrência e competição 
sem a disputa em que vale quase tudo
nem um pouco lhe chama a atenção.
 
Em terras de perdiz, coelho ou veado 
gosto paladar cheiro carne pele penas 
ou hastes que não tragam apetite novo.
 
Sem nada que desperte os instintos 
anuncie novas conquistas e aventuras
que traga à vida morna novos desafios
e outra vez lhe entusiasme os sentidos.
 
Ouvir a voz terna que espalha graça 
e para destacar a caçadora mais bela
desenhar um soneto ao jogo e à caça.



As amoras dos lábios
 
Primeira versão 
Na luz mais profunda do meu olhar  
Que nas margens se mistura com o teu
No rio onde tu mostras que sabes nadar
Gostaria que soubesses quem sou eu. 
 
Eu vim até aqui para escutar o vento 
Para o sentir em toda a minha pele 
Deixar o meu vestido abrir-se para ele 
Deixá-lo entrar pela minha casa dentro.
 
Segunda versão 
É nos olhares rápidos que trocamos  
Que deixamos escapar o que somos.
Porque há uma mão faminta de novo
Que delícia se afunda toda no lodo
No fogo rosa da bela moça do povo.
 
Escurecida pelas cinzas quentes da noite 
Sobre a imaginação dos caminhos de xisto  
Na planície de seda da sede da sua pele  
Bordada no vitral lento e valioso do vento.
 
No tricot ousado do pulôver cor de mulher  
Acentuada nos seios pelo perfume dos olhos  
Para beber feito homem o néctar do prazer 
As amoras mais saborosas dos seus lábios.  



Corpo em combustão
 
Primeira versão 
Porque os corações são diferentes
também se ama de muitas maneiras.
Eu quero amar com unhas e dentes
e de amor encher as minhas algibeiras.
 
Segunda versão 
Forte a sua cor é como uma linda sinfonia
para cortar uma talhada à medida da boca
deixar os dedos receberem algumas gotas
com sabor à vida que desliza húmida 
pelos lábios entreabertos da sua melancia.
 
Há momentos quando apetece saborear as palavras
como fazemos com um doce ou uma fruta apetitosa
quando o seu gosto ou perfume espalham a tentação.
 
Os desejos e as lembranças dos pensamentos
e como diz em comentário por correio privado
incendeiam e deixam-lhe o corpo em combustão. 



Regressam todos os anos à terra 
 
Regressam todos os anos à terra 
à casa onde nasceram e cresceram.
Felizes lembram juntos outros tempos 
voltam a ser crianças e adolescentes.
 
Reforçam os laços antigos de amizade 
e por vezes começam novos romances 
que ardentes acabam em casamento 
em nada em Lisboa ou no estrangeiro.
 
Gostam de se exibir de mostrar mais do que têm.  
À tarde e à noite vestem as melhores roupas. 
Riem e conversam até às tantas da madrugada.   
 
Na festa entre tanta gente no largo da aldeia 
sentado na esplanada do café em frente 
pediu-lhe com os olhos e por mensagem
para com discrição afastar mais as pernas. 
 
Para que pudesse ainda por uma vez mais   
ver de novo os seus mistérios mais íntimos 
recordar e reviver esses momentos únicos.
 
Recordar o primeiro beijo sôfrego e clandestino 
que iluminou o passeio às escuras da mocidade.  
Os encontros tão esperados do mês de agosto 
e o melhor o mais belo segredo das suas vidas.
 
Que seria de nós gente do povo filhos da terra 
sem a alegria de histórias de amor para contar?



Muguet (lírio-do-vale) de maio
 
Flor singela elegante graciosa perfumada e discreta
ainda que frágil e pequena uma imagem da firmeza.
As flores como as mulheres não se medem aos palmos
nem no número de quantos lhes escrevem salmos.
 
Símbolo da sorte do recomeço de um novo dia lindo
um novo mês e os perfumes do seu jardim por perto.
Com o licor doce da felicidade da festa do regresso
em valioso baixo-relevo de ferro forjado do desejo.
 
Apesar de que tão bem ficam as rosas vermelhas
o tempo é de cultivar lírios-do-vale nos teus lábios.
Povoar de muguet os planaltos e as tuas colinas
guardar as sementes nas tuas planícies protegidas.
 
Tão singela que aqui também se diz flor de pérola
e se oferecem às moças solteiras pela primavera.
Depois escrever no mais alto penedo onde te sentas
Bem-vindo-maio-primeiro-mês-da-flor-mês-do-amor.



Uma manhã mimosa e terna 

Os peitos estavam a menos de um dedo da perfeição 
E sobressaiam redondos por baixo do vestido liso 
Com a luz das areias e o desejo colado ao corpo 
Ainda mais forte e mais intenso que o sal da emoção.
 
Se a paixão não fosse como o sal e não se diluísse na água  
Se as areias não fossem barro sem valor nem designação 
Se amar fora de horas não apagasse as certezas do fogo
Se o amor da falsa fervura não se evaporasse do coração. 
 
Olhavam para o pano de linho ainda preso ao corpo
Olhavam para as mangas curtas da sua nova blusa 
Olhavam para o fino algodão da sua toalha de rosto 
Sabiam do toque que seria uma manhã mimosa e terna.



Deixa-me sem palavras

"E quando houve uma forma só de lábios
erosiva argilosa vigilante
a prolongar o litoral nocturno" Olga Gonçalves

A noite permite fantasias que à luz do do dia
poderiam ser consideradas provocantes.
A noite gosta de decotes, perfumes galantes
audaciosa gosta de ter os homens aos seus pés.

Véus que fazem por nada esconder ou revelar
e se o olhar se atardar em dizer o que sente
os olhos acomodam-se fascinados e quase
se diluem na perfeição pintada dos lábios.

A ousadia do lugar deixa-me sem palavras
momentos de prazer, primeiro as mulheres
mas os homens não se podem lamentar
chegará a sua vez, serão recompensados.

Hoje sem dizer nada a ninguém autorizei-me
a levar comigo essa bela obra de arte nocturna.
Para dizer a verdade que havia eu de dizer se ela
estendeu os braços e perguntou: posso ir contigo?



As Quatro Estações 

Estas palavras que cruzam com a nossa idade 
são para ti, sobre ti, estás lá dentro e há outras. 
Escrever sobre as ondas a minha própria liberdade. 
 
Ouvíamos As Quatro Estações de Vivaldi num dia de verão  
não para inventar ou disfarçar um orgasmo intelectual.  
Porque intensa a música faz bem ao espírito e ao coração.
 
A nossa sorte é estarmos e vivermos num mundo  
maravilhosamente grande e fascinantemente pequeno.  
Recebe meu amor esta flor e um beijo ainda maior.
 
Ao vê-la pensei que era preciso arranjar uma jarra  
se não em pouco tempo iria perder o seu esplendor.  
Encontrei uma que me pareceu perfeita para uma flor.
  
Ela tem a humidade e a luz dessa pequena abertura 
e foi-me dada em troca de apenas um sorriso gratuito.
Entrego-a aos teus olhos, sei que ali irá durar muito. 



Palavras e metáforas
 
Primeira versão 
O mar meigo e o véu aberto de prata azul
de recorte fino dessa brisa que lhes era tão cara
procurava a rosa-flor daquela alma mais a sul.
Acariciava o céu da sua pele de porcelana rara.

Segunda versão 
As ondas meigas da ilha e o luar feito de fios de prata
com as mãos quentes do sol e da paixão vinda do sul
que com meiguice acariciavam suavemente a espuma.
O seu corpo de conchas, de gaivota do doce mar azul.
 
Conclusão 
Ao imaginar e desenhar o edifício principal
de Com as palavras até ao fim 
e com o esboço da nave central
Palavras e as Minha Metáforas 
Mulher com Mar no Olhar 
Caminho e Solidão das Palavras.
 
Quis em mim assumir em primeiro lugar 
a diminuição das palavras e das metáforas
para poder sem filtros repetir até à exaustão
- O mesmo sorriso e os mesmos olhos.
- A mesma boca, lábios e o mesmo olhar. 
A alma talvez mas que faz o poeta do coração?

 


MULHER COM MAR NO OLHAR



O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher. Ruy Belo 

Cuerpo de la mujer o mar de oro
donde, amando las manos, no sabemos,
si los senos son olas, si son remos. Blas de Otero
 
Approchez-vous de cette femme et demandez-lui
si la lueur de ses yeux est à vendre. André Breton




Mulher com mar no olhar
 
Mulher com a água fresca da sua fonte 
que traz o cheiro do mar no seu olhar.
Na festa do amor cabe tudo que faça bem 
e muito mais, tudo o que não seja inocente.
 
Caminhar para no final da aventura 
descansarem os dois de olhos abertos.
Por debaixo da reconstrução da noite 
dos vestidos transparentes da cidade.
 
Com a tua pele desenhada a quente
no veludo fino dos nossos desejos. 
O que é amar e sobreviver ao amor
sem acordar juntos na manhã seguinte? 



Nenhuma mulher se chama mar
 
Porque será que no meu país nenhuma mulher se chama mar
perguntava ao final do dia a poesia, inquietava-se o poeta.
Esse mar azul que há centenas, milhares de anos nos envolve 
e nos seduz como essa mulher do sonho, deusa feita milagre.
 
A mulher ou deusa do mar que da terra fértil da paixão 
da celebração da festa, tirou o lenço da sua cabeça perfeita 
cabeça de modelo e amante do escultor anónimo da palavra.
 
Tirou o manto para mostrar melhor o olhar e o sorriso 
os mais lindos da praia, de todas as praias do mundo
que vai e vem e fica com a baixa e a praia-mar do amor.



Demorava-se na rua
 
Alongado o seu corpo de lua cheia
Sentado sobre as suas próprias ancas
Tinha na terra a pose perfeita da ternura
A forma e o sabor exacto das amoras.
 
Demorava-se na rua com o xaile da demora
e protegia-se do sol com o véu da distância.
Era no meu tempo o conteúdo e a substância
a dádiva que não se foi embora, a minha hora. 
 
Foi quando o sonho se fez vida e lhe deu canto 
lhe deu o nome de menina e de mulher adulta. 
A beleza dos detalhes e a diáspora do coração. 

Tão linda a superfície de água nos seus olhos.
A sua vida contada dava um filme muito belo.
Como gostaria de ser eu a escrever o guião.



Vem bater à porta por um beijo
 
Oiçam, enquanto a pele verde-escuro do lago
se mistura com o silêncio parado do barco
em paz, o amor adormece como um menino
e o murmúrio vem bater à porta por um beijo.
 
Em que fenda se enfiou a centopeia da paixão? 
Ouviu-se ao longe o meu suspiro profundo?
É o suspiro de quem ama e não pode abraçar
de quem sente, mas não vê nem pode tocar.
 
Deixa-me saborear devagar as tuas palavras
Desfolhando atento as páginas do teu corpo.
Que seja eu a colocar a bracelete no tornozelo
e a poesia a escolher a saia acima do joelho.



Diz serra diz mar 
 
Porque se insinua de novo a madrugada?
Diz, foi por ti que a serra adormeceu?
Que luz insubmissa da tua lua furtiva 
ilumina a noite da nossa sombra cativa?
 
Faz como sabes e sem pressas porque o amor 
é como o mar, tem tanto de calmo como bravio
com tempo para escolher a cor do teu colar. 
É único como as tuas frases de alecrim dourado.
 
Cheiros, sementes e ternuras de um sonho lindo 
vão acompanhar o meu sono pela noite dentro. 
Diz serra, que seria do mundo sem te amar?
Diz mar, que ficaria de nós sem o nosso amor?



Na dobra do teu sorriso
 
As mãos, os ímpetos acompanham
e os seus dedos não se enganam
no lento desabotoar de cada botão
no acelerar do bater do seu coração.
 
Por acaso, soube nesse dia ao fim da tarde
na Lisboa fraterna, que o nosso primeiro beijo
não estava esquecido nem se tinha perdido.
Tinha cuidado dele como a um filho menor
a uma chama que chama, uma fogueira maior.
 
Estava cuidadosamente guardado 
na gaveta da sua mesa de cabeceira
na dobra do seu sorriso fascinante.
Na dobra do seu olhar deslumbrante.



As metáforas eram escassas

Livres, as metáforas eram escassas
para tanta dádiva, para tanta emoção
tanto partilha, descoberta, alguma poesia. 

O brinco perdido foi pela ternura encontrado
no restaurante mais próximo da nossa casa
no casaco de malha esquecido no teu olhar.
 
- Que felicidade a minha, que exaltação 
sentir-me na estação esperada e desejada  
abraçada e beijada no meio da multidão. 
 
Foi o mapa íntimo da viagem prometida
desvestida pela aventura da imaginação
quando a paixão ainda era a própria razão. 



No barco do soneto

Vai palavra vai deixa o outro poema
Embarca nua no barco do meu soneto.
Vai e vem e volta comigo na sua vela
Espalha e desafia as metáforas da vida.
 
Trazida pela sedução dos ventos da alegria
Pelo mar mais forte do velho mito bendito
Vem ancorar comigo no meu novo paradigma
Vai e vem sem medo até a praça da poesia.
 
Da surpresa punha a mão na boca
Como quem não acreditava
Ser possível ser tão bom.
 
Como ir ao céu antes de morrer?
Perguntava com um sorriso maroto
Que não deixava dúvidas sobre a resposta. 



Há um sorriso malandro 
 
Pacientemente foi chegando à minha vida 
como a água da chuva que se infiltra na terra. 
Lenta e silenciosamente sem ninguém o saber 
fez-se hóspede de toda a minha alma vadia. 
 
Nos seus olhos nocturnos há um sorriso malandro 
que se envolveu com eles e os faz brilhar de malícia. 
Sente-se no sabor a doce de morango ou destino 
que deixa na sua boca fechada o paladar da carícia.
 
Depois de tomar com tempo o pequeno-almoço 
para imaginar o encontro da tua barba no meu rosto
para que seja intenso ponho o meu vestido preto. 
O desafio da minha vida é cultivar o nosso amor. 
Cuidar do seu canteiro para que venha a ser flor. 



Vens da Finisterra

Primeira versão 
Hoje, com mais do ar da nossa terra
e um pouco menos do frio da serra.
Com um pouco mais do pó do caminho.
Tu vens e eu nunca mais estarei sozinho.
 
Segunda versão 
Com a suave ousadia do teu linho
e o gosto encorpado do meu vinho.
A arquitectura trabalhada do teu friso  
e os meus dedos na ranhura do postigo.
 
Pelas veredas do pão doce e do chão liso
cachopa espiga, fino açafrão da nossa terra
para embalar a madorna do teu sorriso  
vens ao meu encontro lá da tua finisterra.
 
Há que estugar o passo e aligeirar o caminho 
para a luz convidativa dos teus olhos 
para o luar único e fascinante do teu olhar.
De mãos abertas, pedaços do meu destino
se tiver o teu carinho nunca mais estarei sozinho.



Xisto das palavras

"Elle a la forme de mes mains" Paul Éluard

Na lentidão da saudade as grandes cheias
corriam mornas para o regaço que as desejava. 
Juntavam-se no chão descamisado do milho.
 
O rio prometia a melhor colheita da década.
Na eira ao fim do dia era o tempo do namoro
com o trigo maduro dos teus olhos à minha espera.
 
Peças de cerâmica extraídas do xisto das palavras
ânforas, taças ou bilhas partidas pelas danças
as pernas ao léu abertas pelas carícias lentas.
 
Quanto mais lentas, mais o fogo se aviva no olhar
como o líquido que resvala e escorre para o teu mar
pela fresta para o fundo da tua gruta, bela sala de estar. 


Dois vocábulos de sedução

 
Dois cafés servidos em chávenas bem aquecidas? 
Dois vocábulos de sedução disfarçados com trigo? 
Duas peças de fruta madura acabadas de colher? 
Dois sinónimos de vulcão a fingir-se adormecido? 
 
Para descobrir esses dois montinhos de encantar 
nem que para isso tenha de voltar ao secundário
tenha de voltar a aprender a calar antes de falar
escolher no diário as frases certas para te chamar.
 
Há tantos que gostariam de estar no meu lugar
por perto, sorridentes e prontos para a ajudar
que da rua enviei uma mensagem ao pai do verão
- Não tem de correr, ter pressa, pode-se atrasar.

O umbigo era apenas um pequeno ponto de carvão
uma miragem húmida no longo caudal do desejo
da queda de água que nos trazia o pão aquecido
- A mesa abundante nas margens da nossa paixão.



Começar o dia 

Amanheceu a minha vida no teu rosto. A. Ramos Rosa
 
Começar o dia com mel e com iogurte natural 
antes de se vestir e se arranjar para ir à praça.
Continuar a tarde com azeitonas e vinho tinto
e encerrar a noite comendo a fruta da sua cesta.
 
Depois da finura poética dos detalhes da jornada
a fantasia das palavras que decifram os seus olhos.
A escadaria que nos quer levar à colina encantada
como se um manto guardador de corpos e desejos.
 
Eu continuo nos meus pensamentos e ritual 
que com os anos ainda ganham mais sentido.
Sabes, é tão bom amar e poder pensar em ti.
A alegria de viajar a vida contigo não tem igual.



Ruas da primavera
 
Primeira versão 
Em frente as árvores vestem-se e florescem
as flores renascem, acordam e perfumam 
os pássaros despertam-nos em concerto. 
Cantam-nos a primavera logo manhã cedo.
 
Segunda versão  
Com motivos de manhãs, de frutos e flores
de lua em lua vão tecendo o tapete da noite
 
Olham-se na lembrança sabendo que não estão 
que a memória os faz sonhar, iludir a distância. 
- O seu olhar coloria a falésia ao fim da tarde. 
 
Bordam pacientes a sombra com a luz da ilusão
o mar intenso do luar espalhado pela cama aberta. 
Rematam com fio de lã a madrugada da inquietação. 
Luz, sombra e encanto vindas das ruas da primavera. 



Cinza contigo
 
Gostava de saber dos teus segredos.   
Partir do nada e imaginar uma história   
com o olhar intenso dos teus olhos   
onde fica sempre um pouco de mim  
da pele fina e lisa dos meus dedos.
 
Percorrer as praias do teu ventre
com o tempo que o amor pede.  
Descobrir devagar uma a uma   
todas as conchas do teu dorso  
as baías húmidas do teu corpo. 
 
Navegar a meio da noite sem farol   
para aí me perder nas tuas ondas  
nas areias douradas da tua praia   
por entre as tuas rochas molhadas   
onde as minhas mãos escorregam.   
 
Para devagar os olhos das tuas mãos 
passarem nos sítios que já conhecem    
e que me fazem tremer e estremecer.
No teu vulcão que eu sempre vi e senti   
quero ser lava, quero ser cinza contigo. 



Pelos caminhos de Platão 
 
Em silêncio, sentados na esplanada 
da estação à beira-mar guardada
selavam a sua última promessa.
 
Milagre como o do pão e do vinho 
se multiplicavam pelas vielas da fome 
e pela sede arenosa dos convidados. 
 
Em março ou em setembro da gratidão
e pelos caminhos - enquanto há vida
há esperança - de que falava Platão
na sua ceia de lindos sonhos construída. 
 
Através da janela aberta do meu coração
da imagem desenhada no espelho da saudade
tu eras o rio, o desfiladeiro mais fundo da paixão.
- O livro do nosso caminhar, da nossa liberdade. 



Terra da Ousadia
 
Pomba linda voando em linha curva pela terra da ousadia
Sem medo de ser raptada ou comida pela ave de rapina.
Tudo fazia para pousar na oliveira antiga da minha alma
Onde a maresia se demorava com os cabelos da poesia.
 
Deixar uma parte oculta para incentivar a imaginação
Com a sua sombra ao sol nascente a rua era toda dela. 
Se do feitiço fosse insecto não seria besouro ou gafanhoto
Elegante e graciosa seria joaninha, cigarra ou borboleta.
 
Pérola rara e valiosa que gostaria de receber como dádiva
Anunciar a descoberta da terra distante, a chegada ao porto
Com a traineira do vento na embarcação próxima do tempo.
Quem levará as minhas mãos até ti? A carta da minha franquia?  



A navegar o verbo amar

A noite chegava à hora certa ao telhado da casa
e trazia com ela as melhores promessas da rua.
Dizia, esquece o teu orgulho e o amor próprio
até que a terra me leve aqui estarei à tua espera.
 
Gostaria que soubesses de mim não de uma leitura
que esse escrito é de uma época em que era outra.
Vivia na fascinação do dia dos nossos encontros
e de quanto eu recebia com as aulas que me dava.
 
Por esse amor passou voluntária e apaixonada
de invejada influenciadora a súbdita do seu soberano.
A alma terá sempre segredos que a fazem mais bela
como a razão que não é a enciclopédia do coração.
 
Com ele aprendi quase tudo o que sei hoje
a viver cada momento e o meu corpo aceitar.
Escolheu o navio e foi comigo que se fez ao mar
começou a navegar e a conjugar o verbo amar. 



Peça da minha argila

Primeira versão 
Naqueles tempos de festa e fogo sem fim 
naquelas tardes ardentes de alimentar a paixão 
as bocas gulosas devoravam-se em carmim
e nem as migalhas do amor caiam no chão. 
 
Segunda versão 
Oleiro das palavras com as mãos e o pensamento
no barro original da erosão das rochas e das chuvas
o meu sonho é acomodar-me a ti, moldar-te a mim
como o barro se sabe acomodar à margem do rio.
  
Porque tu és o barro mais valioso da minha vida 
a peça de arte mais trabalhada da minha argila.
Enquanto isso dizia ao ouvido para nada se perder
- Contigo sinto-me renascer, cada dia mais mulher. 



Pedaço de cetim 

Primeira versão 
Entradas, terraços e pernas enfeitadas
as mãos, a descoberta das descobertas  
ou adormecida a deusa do mar azul
que lá encontrei levado pelo vento sul.

No milagre de mais uma tarde infinita
em cama e corpo e alma conquistada
um beijo de mel na água do chuveiro
antes do café sem açúcar e da despedida
até à próxima peregrinação ao santuário.
 
Segunda versão 
Praças seriam sublimes nos caminhos eternos
que alimentavam a poesia e saciavam o alecrim. 
Desejos que se moldavam no silêncio de barro
e afirmavam sentir que esse sorriso era para mim
no meigo convite do caudal liso do seu corpo.
 
As guloseimas servidas no memorável festim
dessa intensa fogueira sem princípio nem fim.
Tempo de memorizar as palavras do último beijo
mármore terno e fino, tecido de seda macio
ao qual deu nome de meu pedaço de cetim. 



Muito pão duro para amargar
 
Ainda há pela frente muita padaria para entrar 
muita farinha para amassar com fermento de padeiro 
há ainda muito sal para comeres com pão enxuto 
para um dia sonhares a esperança de lá chegar.

Tens ainda muita terra para correr e para vaguear
muita serra para subir e muito rio para atravessar 
muito esforço por fazer caro amigo para um dia 
te considerar ao nível do anterior que lá chegou. 
 
Admiração e deferência vestidas de amor e paixão 
ainda agora depois do dia fatal do tudo e do nada 
pudesse ele entrar pela sua porta ou pela sua janela 
professor primeiro para com a sua sombra a guardar.
 
Ainda tens muito pão que nem o diabo amassou 
muito pão duro para comer e por gosto amargar. 
é tempo perdido quereres mostrar o teu valor 
- Ao seu emérito patamar nunca vais lá chegar.