No teu café com devoção
Dizem que grosseiro o inverno chegou
e que gélido pela casa dentro entrou
o calor do nosso namoro quer congelar
e o melhor dos pensamentos apagar.
Porque para acender a nossa lareira
não há como ter boa lenha guardada
com as achas prontas do melhor fogo.
Com as brasas de desejo do teu corpo.
Lembra-te daquelas fugas douradas
pautando silêncios que crescem em flor
no murmurar das pétalas mais valiosas.
O salvamento da barcaça frágil do amor.
Subimos as encostas do primeiro anoitecer
levando nos bolsos a luz até amanhecer.
De manhã bebe-me no teu café com devoção.
Preciso de ti para os meus olhos terem vida.
As semanas sem nós
“Tu, céu claro sobre mim,
Quero confiar-me a ti.” Lou Andreas-Salomé
Há muitas luas que os campos tinham sido abandonados
Desejo maior do mundo, os pensamentos estavam em ti
Não havia tempo a perder era imperioso chegar ao cais
Abastecer de mantimentos que fazem a terra ser gente.
“Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua?” Rainer Maria Rilke
Percorrer lentamente a tua sombra antes de me fazer anunciar
Juntar nas minhas mãos todas as carícias das semanas sem nós
Procurar no teu peito as marcas mais íntimas da minha paixão
Recolher no teu regaço os sinais mais profundos do nosso amor.
Saberão as minhas palavras encontrar o caminho do teu coração?
Convidava a sonhar
“O despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.” Rainer Maria Rilke
Com um irresistível charme e uma elegância de esplendor
Sorriso que convidava a sonhar de tão contagiante e sedutor
Se ela fosse a rainha do povo, seria uma das mais esbeltas
Das mais poderosas e admiradas, perfume único da história.
A pensar em ti de forma profana escrevi que se fosses igreja
terias a arquitectura perfeita, serias uma basílica bizantina.
“Espaço e mais espaço é o que quero sobre mim!
Para ajoelhar-me sobre o azul e venerar-te.” Lou Andreas-Salomé
Com o bater do meu coração das ondas salgado
É por entre as margens dentro de mim que corre
O rio cheio que desagua lento no fundo do teu mar.
Entrega-se feito fogueira azul no porto de abrigo
Junto à embarcação que adormeceu nas areias
Onde estamos de mãos dadas e braços trocados
A arder na humidade da noite, no murmurar das brasas.
Voltar ao cais
“Com todas as minhas forças te aperto!
Que as tuas chamas me devorem.” Lou Andreas-Salomé
O beijo vinha de longe e para chegar
A tempo e tão depressa como o carinho
No seu ardor não parou nem descansou
Não perdeu nem um minuto no caminho.
“Depois regressa o silêncio.
Os meus olhos, muito abertos, pousaram em ti.” Rainer Maria Rilke
Depois da fome marinheira e da sede na fonte saciada
Depois da festa do reencontro chegou a hora da partida
Para um regresso de promessas entre beijos demorados.
E os seus lábios? Perderam-se na água ou no fumo?
O barco saiu do porto sem ventos fortes nem rumo
O único desejo era voltar ao cais e aos seus braços.
Nas minhas asas
Se até hoje ainda não tinha sentido
é porque contigo estava destinado
que haverias de ser tu o primeiro
a fazer-me conhecer este sentimento.
Onde a imaginação e a fascinação
de um contentamento assim sem fim
é o começo da minha melhor excursão.
- Deixa a porta sempre aberta para mim.
A bela e terna ave que me acompanha
com a sua penugem suave e colorida
e que elegante me envolve e me fascina
me prende, me seduz e me liberta.
Finalmente livres pego-te na mão
e levo-te comigo nas minhas asas
até às sombras dos ramos e das copas
até à invenção de novas madrugadas.
Tenho vindo ao longo dos tempos
a deixar pelas ruas pedaços da alma
a espalhar pequenas histórias de amor.
- Uma é minha, outra é tua
e a outra é de quem a escrever.
Inventar a festa e documentar o prazer
Os braços pressentiam a chegada da maresia
por ela tão desejada, destacavam-se ousados
nos detalhes íntimos das suas vestes de fantasia.
No sorriso, no convite mais lindo dos seus olhos.
O morango da minha horta, amargo sei que não era.
São doces para os amantes os frutos da primavera.
Ela para com sensualidade à noite se despir para ele
de rendas se vestiu por debaixo do seu vestido leve.
És toda a minha vida. A alma da outra parte de mim.
A minha inspiracão para descobrir o mundo da alegria.
Espalhar ao vento para que todos os viajantes saibam.
Para inventar a festa e documentar o prazer da poesia.
Amor da melhor malha
Há uma obra-prima que realizamos os dois
tu com a tua meada de fio e eu com a minha.
Hoje tecemos o nosso amor da melhor malha
com as linhas entrelaçadas e rolos de entrega.
Artesã jeitosa e jovial da rua que fica em cima
de pernas à mostra, sentada no degrau da sua porta.
Mulher que com os seus diligentes e hábeis dedos
todos sabem, faz o melhor crochê do seu bairro
e colorir como ninguém o pasmo do inverno cinzento.
Crochet valioso deixe-me aprender com o seu jeito
experimentar a sua agulha e algum do seu fio.
Luz da lua para viver com o vento o resto do tempo
passageira do sonho que chegou de madrugada
a rimar com desejo, a rimar com pêssego maduro.
É aí a minha casa
Diziam como quem reza por um deus maior
feito homem e feita mulher: O verdadeiro amor
é onde nos sentimos desejados e compreendidos.
O nosso amor tem chão, sala e lareira, o quarto
e muito mais para nos conhecermos um ao outro.
Ainda te lembras do dia primeiro em que cúmplice
a cidade nos recebeu? Era janeiro e chovia, chovia
como era hábito, mas nem a chuva nem o frio
sentíamos, e até sonhamos uma banda de música
de boas-vindas para o desfile folião da felicidade.
Por ser assim, porteira portadora das chaves
dos portões para as catacumbas do meu mundo.
Quero que saibas que lá onde bate o teu coração
seja aldeia, vila, grande cidade ou terra sem nome
é aí a minha casa onde eu moro e cuido das árvores.
Acácias da mesma raiz
Próximas de ti escorregavam no licor das pedras
junto à margem do rio, nos espelhos dos dedos
com as rimas exactas pelos jardins do teu peito
bem guardadas no bolso, no navio das promessas.
Minha alegria renovada meu passeio de mãos dadas
pelas avenidas sem fim de uma desejada aventura
onde tu, meu amor, és o meu sal e eu a tua doçura.
Quem diria, mas porque o nosso tempo não condiz
é conversa fiada que nos encontraremos em Paris.
Abraça-me forte, sem dó para que pensem ser só pó
e os nossos beijos serão a voz mais falada entre nós.
Memórias da mesma terra e acácias da mesma raiz.
Digam, será que nestes dias ainda é moda ser feliz?
Um sorriso assim
Se não fosse a vida valeria a pena inventar?
Valeria a pena recriar os sonhos dos outros
sentir os melhores momentos nunca vividos
escrever do passado para no futuro recordar
para o presente de promessas prolongar?
Numa mistura de curiosidade, excitação
e amor, procurei-me nas tuas palavras.
Quis ver-me nesse espelho sem fim
que resulta da tua atenta observação
do estudo cuidadoso que fazes de mim.
Se estivéssemos deitados ou sentados lado a lado
ia pedir-te que em voz alta me lesses o teu poema
e me desses um breve e ligeiro beijo a cada palavra
que dissesse em segredo o meu nome. Sorrio…
Quanto não vale um olhar e um sorriso assim?
Diz-me amor, seriam muitos os teus beijos?
Não sei porquê, mas sinto que a tua leitura
não iria muito além do primeiro. Sabes que sorrio...
Há quanto tempo esperava um sorriso assim!
Linhas retas da geometria
Frase do dia. De triângulo em triângulo
no estúdio onde a tinta corria até a noite ser dia
e a jovem modelo sem pressa se vestia e se despia
nos olhos do pintor se encontrava e se perdia.
Frase da noite. O desejo confesso do pintor
era pintar à mão um azulejo, um quadrângulo.
do musgo escuro que seria tão bom percorrer.
Na tela a caneta comovida do poeta dizia
como fazer linhas retas da geometria dessas curvas.
Diz, que pintaria o poeta? O pintor que escreveria?
Alma de alfarrabista
Para uma última vez amolar as palavras
Com o violino e a harpa da nossa melodia.
Com a chegada do verão afinar as metáforas
Que nos afastam do frio e trazem a poesia.
Era um local muito próximo da povoação
Que quando era preciso abrigava e protegia
Libertava o teu coração alegre de gaivota
E da chuva a minha alma de alfarrabista.
Alisar com as mãos os lençóis do mundo
O álibi da noite que nos fazia recordar.
Partir é morrer no deserto árido da alvorada
Partir é viver na vastidão, no oásis do teu olhar.