domingo, 22 de março de 2009

CLARA BLANCA ALBA


“Não sabem limpar o cu e querem ter direito a voto”
Casa dos Espíritos, Isabel Allende


1. Fui pedreira e foi pedreiro
foi mina e fui mineiro
cascalho xisto calcário
ardósia preta clivada
mas nunca foi parede
de escritório auto-estrada
nunca fui calceteiro
passeio pedras cortadas
retro-escavadora servente.
Não era dono de mim
não era senhor da terra.

Fui mina e foi de pedra
tem ainda argila nas mãos
areias e brita das ruas
utilização de solos comuns
mas nunca foi barragem
aterros estradas de asfalto
rotundas estação de serviço
pavimento de betão.
Não fui muro de granito
casa de muralhas murada
não era senhor da rua.

Fui madeira da mais dura
troncos de serração
rodapés tampos de mesa
cobre enxofre basalto.
Foi alvenaria pedra natural
rocha sedimentar vulcão
na erosão da lava na cantaria
chapa serrada polida
serrador serra serrote
mas não era escravo da terra
blocos de mármore rosa
não era cola para madeira.

2. Foi mina e fui pedreira
basalto quartz carvão
túnel e pedrinha miúda
jazida de cobre escavadora
fui pedreiro e fui explosivo
lâmpada fusca de mineiro
pedreiro de igrejas antigas
castelos palácios canteiros
na textura leve das pontes.

É a maior mina de cobre
a céu aberto no mundo
carris parapeito vagão
fui mina e fui mineiro
minério rico de enigmas.

3. O meu pai foi toda a vida
um contador perfeito de anedotas
pequenas histórias reinventadas
plenas de filosofia da vida
frases prenhas de humanismo.

- Estavam deitados na cama
à espera do sossego da casa.
Ó mãe ó mãe tenho fome quero pão!
Ó mulher dá água ao rapaz
que ele ainda não sabe o que quer.

- Dizia furioso o sapo para o boi
Ó boi tira a pata de cima de mim
senão ainda te arrebento.

- A ciganinha com a mãe
pedia à saída da pastelaria.
Caridosa e bom coração
a senhora não aguentou
e ofereceu um bolo de arroz
à menina à ciganinha.
Ó filha Ó filha o que é que se diz?
Senhora senhora quero mais!

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