quinta-feira, 20 de março de 2025

À boleia


Estava à experiência a trabalhar num restaurante da periferia

e como estava no país há pouco tempo ainda não sabia 

que aos domingos era menor a frequência dos autocarros. 

Pelo próximo tinha de esperar mais de uma hora e pensei

que o melhor seria pôr-me à boleia, talvez tivesse sorte. 

 

Ao fim de um tempo parou um carro, um senhor de certa idade 

que me perguntou para onde é que eu queria ir, o meu destino.

Disse que me levava, mas antes tinha de parar numa casa

que estava a renovar, não me preocupasse que chegava a tempo.

 

Não me quero fazer de coitadinha ou para mim tanto faz 

mas a verdade é que acabamos com ele em cima de mim 

numa sala com as paredes pintadas e as janelas acabadas 

com as nossas roupas amarrotadas a servirem de colchão.

 

Já mais limpos e arranjados levou-me ao trabalho

e quando acabei o meu turno ele estava à minha espera.

Nos dias, meses seguintes continuamos a encontrar-nos

a viver a vida, a levar-me a locais onde nunca imaginei entrar.

 

Ele era um homem charmoso com muitos amigos importantes

como pude observar, com hábitos especiais e surpreendentes

como conviviam entre si, elas e eles ou quem os tivesse a ver.

Clubes muito discretos e reservados onde tudo podia acontecer.

 

Com a minha inexperiência podia ter caído fundo no poço  

na tentação do deslumbramento, da ilusão do mundo fácil

mas foi ele que depois de me mostrar como seu novo troféu

me protegeu, não me deixou submergir nem me deixou afundar.   

 

No fim, para me legalizar até se ofereceu para casar comigo.

Estou-lhe grata, mas ainda hoje sinto que fui abusada por ele.  

Os versos e os reversos da vida e outras histórias por contar.  

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