quinta-feira, 20 de março de 2025

A primeira vez

 

Para continuar os estudos deixei a aldeia e fui para a cidade 

para um quarto alugado com uma prima da minha idade. 

Vivia pertinho do liceu e de uns velhos amigos dos meus pais 

de quem, em toda a minha meninice, apenas ouvi dizer bem

do prestígio, ele advogado e ela médica, um exemplo a seguir.

 

As poucas vezes que os vi guardei a imagem de um par perfeito

de um casal muito bonito e alegre, de gente culta e simples. 

Como criança pensei "quando for grande quero ser como eles".

 

Várias vezes me convidaram a lanchar em casa deles

e depois para ir estudar e fazer os trabalhos de casa 

porque lá estava mais sossegada e concentrada. 

Estudava primeiro na cozinha e depois na biblioteca.  

 

Foi ali que os meus jovens pensamentos voaram, sentia-me atraída

pelos seus cabelos grisalhos, o sorriso aberto, a sua voz melodiosa. 

O sentimento crescia em mim, em demasia para a tenra idade

e apesar de não ter ideia nem noção do que poderia vir a seguir

na minha imaginação via que os meus sonhos eram apreciados.

 

Estava escrito, as coisas aconteceram como tinham de acontecer.

No divã, entre livros, deixei de ser menina e tornei-me uma mulher. 

Apesar dos seus remorsos, ali ou no meu quarto continuamos a fazer.

Foi com ele e as nossas tardes que depois da dor descobri o prazer.

 

Por falta de cuidado como quase sempre acontece, fomos apanhados

e para evitar males maiores eu tive de mudar de terra, mudar de ares.

O escândalo foi discretamente abafado. Foi por isso que eu emigrei.


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