quinta-feira, 20 de março de 2025

Esconder os olhos


Nos primeiros meses da minha emigração o meu trabalho 

foi tomar conta de uma menina pequenina enquanto os pais 

trabalhavam, saíam ou estavam em casa, mas sem tempo 

para se ocuparem com a filha. Eram os dois arquitectos 

e viviam numa das melhores zonas dos subúrbios da capital.

 

Era uma miúda acabada de chegar, uma moça sem malícia

mas cheia de vontade de me integrar e aprender depressa 

a ser moderna, eu que vinha de um meio tão pequeno 

e tão atrasado em relação àquela cidade tão cosmopolita.

 

Sentia-me deslocada e insegura, mas nunca tive jeito 

para baixar a cabeça, esconder os olhos e talvez por isso 

o senhor arquitecto aos poucos começou a olhar-me 

e de forma sorrateira os olhos foram conversando.

 

O meu quarto era no rés do chão ao lado da sala do duche

e numa manhã enganou-se na porta e entrou no meu quarto.

Fechou-a atrás de si, pôs o dedo na boca e sorriu-me cúmplice 

como quem diz, não fales, não faço mal, não tenhas medo.

 

Aproximou-se da minha cama e abraçou-me 

suavemente começou a acariciar-me o cabelo

a beijar-me a boca, a descer as mãos pela minha pele.

Tirou-me o pijama, eu não sabia o que fazer.

 

Estava toda arrepiada, gostava, mas tinha medo 

do que estava a acontecer, ele olhou-me nos olhos 

e como se fosse a coisa mais natural do mundo

entrou em mim e eu recebi-o com um suspiro contido.

 

Foi assim muito tempo, eram poucas as manhãs  

que em silêncio não viesse tomar o duche ao meu quarto.

A esta distância estou convencida que a esposa sabia  

e o incentivava a continuar, talvez desejasse participar 

mas não deram esse passo, não me quiseram assustar. 

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