Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
2024 - 2025
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
2024 - 2025
Para o livro "De mim ficam as Palavras"
Uma segunda com sabor a domingo
Com cara de haver tempo para tudo.
Com um sorriso vermelho nos lábios
E uma promessa de entrega nos olhos.
“Vinha dizer que já não estou contigo
Que este amor singular já não é nosso
Vinha dizer adeus, mas já não digo
Vinha dizer adeus, mas já não posso”*
Nestes dias de incertezas e alvoroço
O que diz e sente o teu pensamento?
Fala-me do sentimento de solidão e alento
Dos sentimentos de um amor verdadeiro.
Caminhávamos para a floresta passo apressado
E os pássaros em dezembro e com este frio
Continuavam a cantar para nos aquecer as almas
Para nos comover e quase nos levar até às lágrimas.
Uma certeza no meio da minha imensa gratidão
- Aqui tens o mapa, o trilho do meu coração.
*Da Poetisa Rosa Lobato de Faria
Da angústia que subia pelos pensamentos
pela alma acima e à volta tudo inundava
do mundo que até ontem funcionava
que do nada perdeu a luz, perdeu o brilho
e sem piedade parecia estar a desmoronar-se.
Nesses momentos de grande aflição
de procura de uma mão, de uma voz amiga
nada terá ficado da vida, das palavras
fraternas e solidárias que não disseram
e das mensagens que não trocaram.
Mesmo que se esteja no fim da jornada
a imaginação faz avivar o calor dos olhos
sentir a doçura da pele, o sabor dos corpos
que amanhã pode começar outra aventura.
Um beijo de saudade carregado de nós.
Aimer à perdre la raison
Aimer à n’en savoir que dire. Louis Aragon
Que vão dizer quando nós já cá não estivermos
o que vão pensar de nós e do amor que vivemos?
Eram dias e semanas, meses à espera de um só dia
e eu cultivava rosas e dálias que depois te oferecia.
Passeávamos pela praia guardados pelo nevoeiro
falávamos da lua nova como quem come um gelado.
Olhos nos olhos gostávamos de interpretar o mar.
- Parece que se esqueceram do mais importante -
este mar nunca descansa, não é defeito, é feitio.
Pequenos e mornos, seguros e cálidos, os seus dedos
inquietos, lisos e suaves, aventureiros e
atrevidos
descobriam e tocavam, acariciavam
e avivavam o rosto
o pescoço, o peito e os mamilos, as pernas e as coxas
e mais em cima e mais dentro, as coisinhas mais húmidas.
Nós não podemos negar quem fomos
o que juntos fizemos, como nos amamos.
Sabemos chegou a hora que a partir de agora
o caminho faz-se dia a dia, mágoa a mágoa.
Faz-se lágrima a lágrima, passo a passo
um para um lado e o outro para o outro.
Não podemos negar as nossas vidas
apagar o nosso amor nem o nosso passado
pois é tudo o que fica do nosso património.
Estou certo que as cinzas da fogueira
da nossa paixão ardente e verdadeira
por muito tempo ainda vão ficar mornas.
Vão ficar quentes, vão continuar nossas
como foram no passeio do primeiro dia
no fogo da primeira tarde, da primeira noite.
Há muitos anos atrás o inverno estava ameno.
Decidiram perder-se por Lisboa, pelo Rossio.
Felizes e anónimos pareciam dois adolescentes.
O amor é assim, rejuvenesce e contradiz a idade.
No segundo dia compraram dois cartuchos de castanhas
assadas que acompanharam com copinhos de ginjinha
bebida à porta, em frente de "A Ginjinha" da nossa
história
no Largo de S. Domingos onde se beijaram sem vergonha.
Soube tão bem a degustação alfacinha ao cair da tarde
que regressaram a casa a pé e até se esqueceram
que cúmplices no largo tinham combinado pelo olhar
uma celebração até lhes dar a fome para uma ceia tardia.
A ginjinha fez tanto sono que a festa foi adiada
para o despertar, para a manhã do dia seguinte.
Nenhuma ginjinha era tão saborosa e tão excitante
como o licor da doce ginjinha da moça madura.
Bons momentos que recordam com emoção.
Hoje nada é como foi, as castanhas assadas
ou em pleno inverno os beijos quentes de verão.
Eram tempos de provar as deliciosas ginjinhas.
Pode parecer uma ideia semeada à pressa
para acalmar a alma e afastar os remorsos
que não se importa com a má sorte dos outros
que dá pouca atenção à pobreza dos pobres
a esse inferno diário de estar na rua a pedir.
Não vai o machado e descansam as costas.
Eu estava a pensar no heroísmo dos ucranianos
que quase quatro anos depois da brutal invasão
pela Rússia continuam a resistir sem capitulação
a defender a sua soberania e os seus direitos.
Com tantos idiotas úteis foi o que me ocorreu.
Sim, ver a corrida da neta de 5-6 anos e do avô
para apanhar o autocarro que os esperava
de porta aberta com um sorriso e a saudação
do motorista do bairro que já os conhecia
foi a melhor cena que hoje podia ter visto.
Meus amigos, esta só pode ser uma boa semana.
Quando se chega à idade da reforma
faz-se um novo balanço da vida vivida
olha-se mais para trás, para o que foi feito
e menos para o presente que parece fugir
para o que está por começar e concluir.
Estamos em dezembro, penso e escrevo
é último mês do ano, não o último da vida
sem resignação, com ideias e com esperança.
Lúcido sem arrependimentos nem amarguras
pronto para abrir a janela, a porta que me
leva
para o quintal, para o jardim das lembranças.
Uma longa introdução para chegar onde queria.
Há uma canção francesa com mais de
meio século
para a qual desde criança guardei como um desejo
de inventar a tradução que falasse do meu coração.
O que valeria a vida sem os sonhos e a melancolia?
São tempos de dar ao chinelo, sem isso
não temos sopa e algum conduto na mesa
muitos não sabem o que é ter tão pouco.
Ouvi tantas vezes à minha avó, à tia Olinda.
E agora? Está melhor, mas não para todos.
Vivemos tempos de pressas, de dar ao tamanco
à sandália de cortiça, de andar à chinelada
dar ao pedal enquanto nas pernas houver força.
Pasteleira para pastar, para andar mais devagar
a pisar ovos, em lento pastelar, a fazer tempo
bem na vida a fazer que faz, correr para quê?
Pôr tudo em pratos limpos para poder descansar.
Acabar por dormir sentado ou ficar firme de pé
a dormir deitado, inquieto de olho meio aberto
como um cão, com um precioso tesouro ao lado
e para poder rimar, beber uma boa xícara de café.
Sabedoria tinha mais num só dedo
do que acumulado o saber bafiento
das pontas do cabelo à ponta dos pés
à narrativa do calmeirão macambúzio.
Raramente sabia como se comportar
e pela antecipação tentava impressionar
com frases sonantes de conteúdo vazio
dos que pensam pouco, mas falam muito.
Diz, quem foi que ao ouvido te convenceu
que até já a formiga tem catarro e as pulgas
nascem com asas de minhocas voadoras
são avós de moscas e netas de morcegos.
“Egy kút csak fölülről kap fényt. Az öregség gp a
múltból.
Um poço apenas de cima recebe a luz. A velhice do passado.”
Örkény István. Vozeirão e tu de onde recebes a luz?
Para Ricardo Farrú, Poeta e Irmão do Chile
Lembro-me na universidade das manhãs e tardes bem passadas
das noites dos encontros poéticos com exilados e
amigos
em castelhano e regados a tinto Bikavér, o nosso vinho
magyar.
A importância decisiva dos sapatos, das botas se
inverno
conhecerem o caminho mais direito para casa, para a cama.
Apesar de haver um lá longe e um cá, de muita coisa para
mudar
éramos muito mais livres do que nos dias de hoje
convém escrever.
A vida nunca parou e mudou para melhor, depois com o
tempo
à vez, fomos despindo e vestindo as ilusões e o
seu contrário
ou nem uma coisa nem outra, apenas a experiência da idade.
Meus caros, aqui e agora gostaria de deixar escrito
sem medo nem capitulação do politicamente correto
porra para a ditadura da manada, para a submissão dos
rebanhos
a obediência ao pensamento vigente do que pensam
os outros.
A vergonha nenhuma, que se junta ao nojo e a má-fé do
sofismo.
Talvez seja do algoritmo digital enfurecido do
troglodita
palavra tantas vezes usada pelo nosso amigo
Daniel
ele que nem podia olhar nos olhos porque não havia
porta
que não se abrisse e onde ele com gosto entrava.
Partiu muito cedo, mas ficou para sempre na nossa
memória.