sábado, 27 de outubro de 2018

Uma introdução quase íntima

De nomes falo e de pessoa
Ferenc Pál

Como leitor assiduo e tradutor de Eca de Queiros e de Fernando Pessoa, estou acostumado a pseudonimos e heteronimos, pois aquele criou, em companhia com Antero do Quental o Fradique Mendes, poeta erudito e viajado e este, entre os heteronimos, o Alvaro de Campos que tinha uma existencia tao ficticiamente real que confundia mesmo a Ofelia que devia conhecer Pessoa bem e de perto.

Passei por semelhante confusao quando se me revelou que o simpatico poeta, Pedro Assis Coimbra (PAC), cujo livro de poemas li e reli anos atras por incumbencia de uma editora na
fase de dar uma forma a esse volume, como organizador do mesmo, este Pedro Assis Coimbra nao existia ou era apenas como uma mascara detras da qual se escondia durante lustros
o meu velho amigo que conhecia bem e de perto  Joaquim Pimpao, o diretor do ICEP/AICEP.

Aquando esta revelacao e a leitura dos poemas, o esmalte oficial  que compete a um diretor (quase) diplomata que e conselheiro economico da Embaixada de Portugal em Budapeste  comecava a abrir fendas como o barro a secar no sol e por detras assomou-se tudo aquilo que no decorrer de longos anos ficava oculto pelos bastidores: aquele rapaz cheio de vivacidade, boemio e alegre que conheci ha umas boas quatro decadas.

Lembro-me ainda hoje aquela noite quando o nosso saudoso embaixador Sandor Argyelan convidou a jantar, a mim e a um jovem magro e destro que se distinguia entre os bolseiros portugueses estudando na Hungria, com os olhos vivos, escura barba espessa e fala veloz que requeria uma atencao reforcada na conversa com ele.  Este jovem que ja entao tinha ares donjuanescos e ja parecia poeta, casou-se depois, e como pater familias responsavel criou os seus quatro filhos e talvez apenas os mais intimos dele sabiam daquele maco de papeis a crescer nas gavetas que guardavam seus poemas. 

E eis que chegou o momento quando  convidado novamente a organizar e preparar para edicao um livro de poemas cheguei a conhecer esta outra cara do meu amigo, outra cara que intui decadasatras e submergia neste mundo poetico cujas amostras ja entrevi ha uma decada com o nome de Pedro Assis Coimbra. Mas agora de outro angulo de vista e com outros acentos. E fiquei surpreendido com este mundo poetico de imensa variedade e riqueza. Pois o que
carateriza a poesia de PAC, alias Joaquim Pimpao e e rececao de uma variadissima gama de sensacoes que depois ganham uma expressao requintada e culta. Culta, digo, porque alem ou talvez antes de uma sensualidade e esta a carateristica mais propria deste poeta em cuja alma nem o trabalho burocratico pode apagar o interesse sincero e o lirismo inato com que olhava o mundo. 

Vejam-se so as epigrafes dos seus poemas: encontramos quase meia centena de autores citados que inspiravam o poeta. As citacoes que encabecam os poemas nao servem apenas segundo o lugar comum que a teoria literaria usa  para enobrecer com o nome e brilho do autor citado os versos que se seguem mas revelam-nos que o poeta esta em continuo dialogo com eles, comecando com os autores portugueses da atualidade e chegando ate a Safo de Lesbos, da antiguidade, a qual ha de ser uma fonte de inspiracao mais forte para o poeta dado que seja talvez ela que Joaquim Pimpao, alias PAC mais vezes evoca.  

Esta autora de amor ocupa um lugar eminente evidenciando aquela amorabilidade, fina sensualidade que mencionei antes. Uma sensualidade que e uma avis rara nos nossos tempos quando este termo esta frequentemente associado a volupia carnal, erotismo desenfreado. Realmente, o poeta em muitos versos confessa sobre as suas aventuras juvenis, ou reminiscencias delas, na quais com uma alegria sadia se entusiasma por um olhar, um sorriso femininos ou um vestido a cair inocentemente (ou talvez nao tanto) no chão. 

Mas as alegrias nao se restringem a este tipo de alegrias da carne, pois o poeta mostra-se igualmente entusiasmado por outros deleites: sabores exoticos, vinhos e comidas e odores e sentimentos humanos de diferentes confins do mundo que aparecem nos versos deste globe-trotter muito viajado e sensivel. 

Quero logo dissipar um equivoco que estas breves e soltas palavras sobre a poesia de PAC, alias Joaquim Pimpao possam sugerir: ele esta longe de ter uma imagem limitada so aos prazeres, pois a sua sensibilidade, alem desta sensorialidade primaria, se alarga para todas as manifestacoes das artes e da cultura, sejam da sua patria original, Portugal ou patria escolhida, Hungria, sejam deste ambiente cultural onde ele tem crescido, da Franca e Italia ate os Balcas ou das terras longinquas, como Asia e o Extremo Oriente e torna-as poeticas como apenas um espirito sensivel e requintado pode faze-lo, com esta elegancia aristocratica.  

Mas esta atitude aristocratica do poeta e de um homem muito lido e nao de um snobe empolado de visao estreita. Porque alem deste gosto refinado pelo amor, artes, cultura o poeta tem uma sensibilidade pelos oprimidos e explorados (seja de que forma apareca esta exploracao) dado que entre os seus poemas abundam os que tratam temas sociais e politicos, sempre comedidos e de bom gosto. 

Nao foi uma tarefa facil ler e reler no ritmo industrial a que obriga a composicao editorial, sempre tensa, de um livro, os quase cinco centenas de poemas mas deleitei-me com a ampla gama dos temas, sensacoes e formas que abriam perante de mim o celeidoscopio de um poeta original. Espero que assim leiam estes poemas os futuros leitores dos mesmos, a quem agora entrego nas maos este livro, na espero de que possam saborear com gosto o mundo, vestido de melodias poeticas, de PAC, alias Joaquim Pimpao.


Budapeste, 9 de janeiro de 2018

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