quarta-feira, 10 de setembro de 2014

ACERTO DE CONTAS COM AS PALAVRAS



”Perguntas porque comprei arroz e flores?
Comprei arroz para viver e flores para ter algo por que viver.”
Confúcio (551 a.C.– 479 a.C.)


"Mesmo agora o meu coração sofre noite 
e dia por nunca mais poder voltar 
a ver nem que seja por um instante
esse rosto belo como a lua cheia
cuja frescura faz empalidecer os jasmins"
"Caurapâñcâśikâ" de Bilhana Kavi (Caxemira, sec XI)
(Tradução de Jorge Sousa Braga).


"On ne voit bien qu’avec le coeur. L’essentiel est invisible pour les yeux"
"Le Petit Prince" de Antoine Saint-Exupéry (1900–1944)


Pedro Assis Coimbra (2012-2014)
Budapeste e alguma Europa
(do projecto: As Palavras Continuam)

I. A Flor o Mar e a Boca



1. Flor

Devagar desci a madrugada
entre as papoilas da fascinação
e as dunas do teu corpo.

Solar tu eras a praia
a areia húmida do desejo
a ousadia intensa da voz.

Devagar procurei a bela flor
pelo caminho de todos os segredos
a rosa mais perfumada do meu sonho.
 

Seducão tu eras o jardim
o património mais íntimo da ilha.
O sabor ardente da degustação.
 

2. Mar

Foi já ao caír da noite
que deixei o cais
e audaz naveguei no teu mar.

Fazia e desfazia as tuas ondas
enquanto tecia as redes
para te prender a mim.

Sabia que não podia viver
sem o encantamento das marés
o ouro da tua pele.

O perfume salgado do prazer.
 
3. Boca

Na travessia lenta da noite
pela seara verde da planície
as aves do amor debicavam
com a ternura do nosso olhar
- as cerejas doces da tua boca.

Ao sul das delícias do paraíso
tu és a aguardente de medronho
que multiplica a voz do mar
as pétalas vermelhas dos lábios
- a janela aberta do meu coração.

Na praia mais clara da alegria
no rio da nossa entrega definitiva
na ilha do nosso amor – tu és a luz
a manhã e a tarde o dia inteiro
- o abismo desejado da paixão.

II. A Terra a Cidade e as Colinas



1. Terra

Na terra prometida das metáforas
no coração iluminado do bosque
entre colinas verdes e vales sagrados
havia uma ilha quase deserta
oferta terna da poesia à sedução.

Se fosse possível percorrer devagar
seria eterna a paixão e outras descobertas.
A pedra preciosa do mais desejado tesouro.

2. Cidade

Ao sol e ao vento vindo do leste do coracão
a dança de enlevo nas sombras da pele
na elevação suave da tua barriga.

Tentação, era a imagem perfeita
o código secreto da mensagem convite
na descida para o outro lado da cidade.

Era como apalpar e colher a fruta madura
a melhor escolha do nosso amor.

E tu sabias isso melhor que ninguém.
Do fogo o teu olhar era um livro aberto.

3. Colinas

Da chuva do fumo e da neblina
andava perdido no teu mato
quando uma mão amiga o encontrou
e o levou até à casa do teu jardim.

Distraído, sem sentir o tempo passar
passou ali horas que gostaria não terem fim.

Porque entre as colinas da cidade
corriam todas as noites dois rios
que indicavam o caminho da foz
no cetim azul do céu dos teus olhos.

III. O Milagre a Fotografia e a Matemática



1. Milagre

Mesmo no meio das tuas costas
havia um desenho de vermelho vivo.
Parecia um verdadeiro milagre
com contornos de janela medieval
para promover os paradigmas da felicidade.

Para esconder os segredos da civilização
e que com os mistérios das delícias da ribeira
cobria de junquilhos as escadas da vida

A importação da filosofia no ínicio da noite
A engenharia no verão da sensualidade
A construção projectada do amor artesanal.

Com a solidariedade social da chuva.
A tua imagem reflectida no espelho da saudade.

2. Fotografia

No altar pagão da mercearia do nosso amor
tardes e noites de trincas, promessas e perfumes
confundia a harpa do templo com a capela do tempo.

Escrevia sobre estrelas, como investir no mar
e como cuidar da terra antes da despedida do vento.
Com o pronto a vestir feito à medida dos desejos
e as mãos da lua nova desse verão de sete vidas.

A designação: Dia internacional do baton da moda
das sementes valiosas do tesouro da melancia.
Pétalas da papoila rubra da primeira casa posta
os lábios vermelhos mais carnudos da fotografia.

Cotovia no cântico sem medo da conspiração
na ousadia dos espelhos que a nudez descobriam.

3. Matemática

Se queimar calorias é matemática
comer sardinha assada no pão
a barriga, é pura ilusão da química.

Esquecia o despertador na sala
para begónia, de manhã ser vista a correr
a baloiçar com as maminhas na mão.

- Até aos primeiros cabelos brancos
que sorte, os homens não tem idade
dizia, com um sorriso de desafio e insinuação.

 Páginas dessa história de amor e liberdade.

IV. O Barro a Cerveja e a Fermentação



1. Barro

Entre as tuas colinas que seriam de vidro
se não fossem barro, fina porcelana da China
corria um riacho que caudal da vida, mostrava

o caminho da esperança, o peixe em abundância.
Do conteúdo de musa moderna feita do fogo antigo
do jardim público, refúgio de sonhos sem erosão.

- Em Praga não viu a padeira nem a padaria
apenas a sua sombra iluminando a noite.
Os pães ainda quentes alimentando a madrugada.

De camisa aberta ao mundo mostrava o caminho
para todos os que estavam dispostos a embarcar.

2. Cerveja

Da cerveja com ervas amargas tâmaras e outras frutas
com iguarias e conventos, mosteiros e cidadania
sem critica barata filantropia ou ataísmo avulso
e por ser celta rima com mesa e bispo rima com barril.

Mais tarde vim a saber que Osíris e Dionísio
trocavam copos por canecas maiores e discutiam
medicina gorduras e as curvas das deusas menores.
Da deusa da fogueira e a deusa do amanhecer.

Da espuma tratamento da pele e cosmética feminina
para não morrer de sede por ela, de fome por ti.

Ainda hoje, degustar à colher os teus lábios
é como começar o dia a comer doce de morango.

3. Fermentação

De remolhar demoradamente o trigo
e pregar um longo sermão ao granito
por entre as muralhas altas da cidade livre.
Das cubas no chão na terra da fermentação.

A superficie lisa do teu corpo sem sombras
sobre prensas e ferramentas de ferro polido.
A madeira da boa, selecionada com bom gosto.

Do brilho da recessão e decadência
dessa Belle époque de prazer sem fim
mistura de fumo bebidas e de bem estar.
Deitada sobre o verde da mesa de bilhar.

V. A Maçã o Segredo e a Tapeçaria



1. Maçã

O saber pacientemente cultivado do olfacto
despedindo os braços ao aproximar o porto
ficou para sempre retocado de negro

com o perfume dos teus olhos
e o sabor da tua pele ausente.
Folha meiga de avelã aveludada.

Com a rota dos sabores do teu corpo
e o azeite virgem das tuas pernas.
- A maçã que eu gosto tem de ser azeda
e depois ser doce até à boca envinagrada.

2. Segredo

Chegou à estação no momento da festa
da entrega fraterna e fina do sonho
com a oferta de todos os beijos de prata.

A liberdade com os lábios lascivos da lua
que para ficar ainda mais a dois com o desejo
corre as cortinas no corredor da impaciência.

Porque na torre é a hora de me perder em ti.
O cobre do meu segredo mais bem guardado.
O teu sorriso é onde quero passar a sonhar.
Pátria nova para ficar e viver até ao último dia.

3. Tapeçaria

A madeira do pinho quase mansa das mãos
descia a tapeçaria oriental das tuas costas
e descansava na almofada da sala de espera
junto à parede azul da joalharia da cintura.

Entrava na sapataria da praça com os teus olhos
à procura do provérbio assírio do amor livre
que agora se perdia pelas ruas estreitas da cidade.

Com a teologia decorada e as espadas da compaixão.
Com o infinito perfume que nos chegava da fonte.
O inventário que nos fazia a acreditar na eternidade.

VI. A Universidade a Mirra e o Bicho-da-seda



1. Universidade

Caminhava na terra das tulipas dizia a tradução
por debaixo da leoa por gosto e por tradição.
Pelos campos húmidos pelas terras do coração
com a água exacta conquistada à fresquidão

Convidado estrangeiro da universidade a norte
dissertava sobre a cerveja antiga da Mesoptamia.
Sobre os segredos da legislação codificada
nas planícies do Nilo nas margens da cevada.

Sorria, poucas frases antes da sorte ficar triste
de se deixar envolver pela solidão do passado.
Porque a fermentação - depois banida pelo islão
tinha sido elevada a monopólio de estado.

2. Mirra

Estava escrito que a punição mais desejada
seria afogar a sede na espuma expessa
da cerveja fêmea na cave da tua garrafa.

Deixar-se ficar durante toda a semana
mais o sábado santo e domingo de ramos
da noite de Páscoa até à primeira madrugada.

Hebraica a mirra do mistério da permissão
especiaria e centeio, condimento e profecia
na fronteira proibida da erva-doce dos teus lábios.

Porque deusa mesmo sem um deus comum
eras a aventura em cada pensamento
a alegria incontida em cada pulsação
o melhor gosto em cada pedaço do teu pão.

3. Bicho-da-seda

Bicho-da-seda, folha de amoreira e algodão
era pequeno o quarto de vestir e se despir
da bela rainha para mudar e se preparar.

Depois não esquecer e chamar pela mãe
quando pelo gemer do violino já for tarde demais.
Sabe-se que amor de madre resiste até ao fim.

Como terá sido acasalar com tanto quadro?
Tantas santas tantas cópias da Virgem nas paredes?

Roma e amoras com milho para os pobres.
Circo de outrora, vaticano e inquisição
da estátua de prata e ouro bordada
e esse rico homem em jeito de consolação.

Sabendo de tanto dinheiro tão mal empregue
Que diria aos fieis o Senhor da cana verde?

VII. A Vertigem o Sorriso e a Framboesa



1. Vertigem

Da lua da admiração e adoração
ao doce de tomate feito contigo
durante horas e horas na pequena sala
que fazia em Veneza de quarto de hotel.

As águas furtadas do património sensual do sol.

Letal o veneno bom da vida
escorria pela falésia até à margem
enquanto o metal fino do ventre
ardia lentamente no poço fundo da vertigem.

Dormiram o diacom as portas da baía abertas.

2. Sorriso

Parada de pé com as dunas por perto
dava as boas vindas a quem chegava por bem.

Com a justa ilusão pretérito da felicidade
dos tempos novos do nosso tempo.
De pé contra a chuva e contra a neve
ao longo da longa avenida da nossa cidade.

Para mãe tão jovem como aquela, deitada
em julho sobre a toalha da solidariedade
chega bem o biquini ou ainda menos, ousada
para nos fazer imaginar o que é a necessidade.

O anel os brincos a pulseira sobre a pele do ventre
e aquele sorriso único, feito ingénuo, tão malandro.

3. Framboesa

O vento feminino da manhã
tinha lábios frescos de framboesa
e deixava marcas de fome
em quem quase morria de sede.

Por ser sem poesia, verão verdadeiro
e o sol brilhar intenso na sua pele.

Tanto que a madrugava anunciava
no princípio do dia, depois do café
as bocas de estanho e os beijos de amora.
Ainda eras tu que a colcha reflectia.

Perfil da tua sombra a contra-luz
que ainda hoje nos fascina e me seduz.

VIII. O Cais a Ousadia e a Luz



1. Cais

No cais, ao se olhar com mais atenção
havia um biquinho escondido mas pouco
e que bem desenhado tudo fazia para se mostrar.

Seria bom aconchegá-lo
entre mãos voluntárias e dedos cuidadosos
não fosse o ar salgado secar e fazer dano.

Ainda estava no primeiro sono
quando em silêncio ela chegou
no véu escuro, com a luz do prazer.
- A noite foi transparente até ao nascer do dia.

2. Ousadia

Há momentos em que as palavras da poesia
dizem, são dedicadas, a quem menos as merece.
Não acontece agora, porque tu minha ousadia
és toda a descoberta da alucinação da terra.

O teu olhar é o meu jardim.
e a tua paixão a minha casa.
O teu sorriso é o meu país
e a tua alma o meu mundo.
O teu desejo é a minha idade.

Amor inédito audaz e profundo
sem excesso de nada, amor insubmisso
para que nunca, nunca mais
se possa dizer que não foi verdade.

3. Luz

Foi no início da tarde que soube
- Os meus doces estão desde ontem
na prateleira da sala à tua espera.

Rebuçados guloseimas e bolinhos de canela
para acicatar a magia insensata da noite.

Os morangos do amor do mar do norte.
A reconciliação do sonho com a luz do teu olhar.

Década bem aventurada da alegria
a cronologia exacta da tua boca perfeita.

IX. A Noite o Vidro e o Salão de Fumo



1. Noite

De noite na escrivaninha escrevia longas cartas
com os sentidos, sem a negação fria dos sábios.
Cartas de amor, das margens intimas da decoração.

Que tinha sonhado um banho partilhado sem criadas
sentido o desejo, a humidade fina dos seus lábios
na ponta das orelhas, na barriga com penas de pavão.

Foi então que a princesa saíu do quarto
de branco vestida e fartos peitos à mostra
com séculos e séculos de gesso dourado
e muita riqueza para gula do novo rico.

- Eram bonitos os olhos escuros da guia.

2. Vidro

Urbanização matinal e população diurna
habitava a guarnicão neo-gótica que demarcava
os montes fronteiriços do seu território sagrado.

Dama de companhia com linha e agulha
a coser para subir a saia-cambraia da bainha
a cozer couve-flor no fogão da alimentação.

Terra de piscicultura e fábricas de vidro
Schiele nas encostas precoces da decadência
dizia de olhos fechados e tinta nos dedos
a Wally por modelar mel de acácia tão boa:

- Deito-me ao anoitecer nas nuvens brancas
na espuma doce da tua cerveja de algodão
e levantas-te vermelha em pêlo no fogo do linho
na intensidade de todas as aguardentes do vinho.

Foram corridos os dois da cidade sem piedade. 

3. Salão de fumo

Caça pesca e a instalação da luz eléctrica
fingindo ser prima de princesa cartaginesa
que a beleza era afinal rara entre a fidalguia.

Profecia popular liturgia e pijamas de seda
pela olaria dos caminhos de gente fina
sem retocar, era de meter medo aos lobos.

Com condessas, putas caras e moedas de ouro
criadas camponesas e outras filhas do povo
peparadas para tudo, até para fugir da vida.


Pelas janelas discretas do carvão do castelo.
Pelas escadas de pedra da derivação da morte.
Poder ser cachimbo, diversão e salão de fumo.

X . As Promessas a Península e a Malícia



1. Promessas

Canavial de promessas do agosto do seu corpo
além do mar para cá do olhar esse cheiro a terra.
Escreveu no parapeito ao fim da primeira manhã:

-Contigo aprendi o amor sem amarras nem condição
como percorrer o caminho exacto do verbo amar.
Assim mesmo, do fundo da lua que há em mim
das profundezas submersas do que é o meu coração.

De uma só vez desaperta o sutiã e aperta os dedos.
Com uma só voz faz-se refém da cultura que faz bem.
Salmão de águas doces e refeição a dois fora de horas.

Era um enigma a lingua geometricamente desenhada.
Apreciar melhor o paladar no chocolate do teu olhar.

2. Península

Consagração a meia-luz na passagem à península
que solidária nos protegia do mau-olhar e da inveja
dos que não sabem nem querem saber o que é bom.

Na equação salgada do teu corpo de água e mar
peixe e pássaros verdes no fim inclinado da tarde.
Erudita e artesanal, a extracção profunda do areal.

Língua de gato, educação e literatura de cordel
antes do acesso proibido à sedução madressilva.
No hotel da ilha que há muito nos esperava.

Com o sonho intacto na filigrama da fábula e ficção.
Nos remos do barco sobre as ondas em repouso.
Era para ti que cantavam na decantação do sal.

3. Malícia

O vestido frágil cor-de-papoila
era curto, janela aberta de universo sedutor.
As sandálias como que se multiplicavam
estavam espalhadas por toda a sala.

Os cabelos longos estavam presos
como um ramo de flores que a manhã
cúmplice e gentil lhe ofereceu sorrindo.

Terra de fogo, boca vulcão mina de pedra.
Os pés acariciavam com malícia
a barriga masculina do mármore.

A musa do mar que trazia com ela
com as ondas, todas as metáforas da magia
para o navegante poder admirar e depois traduzir.
Levar para a praia com as palavras da poesia.

XI. As Pedras a Ternura e o Jasmim



1. Pedras

À beira-mar sacudia as areias do corpo
como quem cuidadosamente acariciava
com a ponta dos dedos a cobiça do basalto.

Na erva seca por entre flores e malmequeres
onde por ser verão só acontecem coisas boas
descobriam lentamente sem pressas nenhumas 
o verdadeiro caminho na arte de cuidar flores.

Sem a inclusão dos teus olhos nas minhas palavras
- palavras azedas de lobo mau e espanta-a-lua
é impossivel voar com as pedras sacras das capelas
nem tão pouco sobre a mina mais escondida da ilha.

Peça escassa entre as pernas, os estados unidos
não só não encobriam as nádegas da laranjeira
mas ainda destapavam os peitos da bandeira.

2. Ternura

Por vezes a ternura alimento da poesia
é como na pedra esticar a massa fresca
recheada das metáforas dos teus beijos
polvilhada doce da canela dos teus lábios.

As sombras dos salgueiros, das águas do lago
faziam esvoaçar as palavras escondidas
que feitas em flor se cruzavam em silêncio
na primavera precoce com as terras proibidas.

Mas o mar meu amor era a lua da tua boca
desfolhando a rosa, libertando o tempo
humedecendo a areia, decifrando a chuva.
Ficou a memória, a eterna saudade do vento.

3. Jasmim

Falava das dunas da sedimentação do amor
do desafio de a encontrar antes do inverno.
No fundo dos abismos do outono anterior.

De musa vestida para um novo romance
do chá da salvação na tempestade de areia.
Na festa da flor ainda antes da madrugada.

Das pedras perdidas na história de Tebas
da romã persa da civilização do império.
Na negação da poesia inútil dos nossos dias.

Os seus cabelos reflectiam o oiro do seu brilho.
A luz intensa do luar espalhada pela cama.
Boa noite jasmim. Que seja assim. Mar azul.

XII. A Memória o Alecrim e o Dilúvio



1. Memória

Os peitos moldados das meninas da praça
de mamas à mostra, tinham na tinta preta
uma mensagem justa escrita contra a guerra.

A dádiva ou alibi da surpresa desses dias
de raspar até ao fim a alma da memória
que chegou descalça sem se anunciar.

Agora tetas não há nada mais para raspar
com a ilusão que um dia talvez seja melhor.
Sem exibicionismo, a vulgarização da merda.

Sabor de macieira mais pecado e menos virgem
de ervas verdes de abismos, margaridas e abrigos.
Paixão acabada de encharcar pelo forte aguaceiro.
É tão bom ficar com as roupas coladas ao traseiro.

2. Alecrim

A descer bela flor todos os santos ajudam
a subir nem o diabo, menos nas dunas
nas arribas do teu corpo. Assim começava

pela manhã, a gaivota ousada do teu sorriso
o musgo húmido na aldeia das tuas encostas.

O tricô do tricotar das malhas dos teus olhos.
O aroma alecrim das tuas ruas de prata
do teu pátio repleto de infinitos tesouros.

E continuava com o teu sol e o meu sal
na marginal do meio-dia, a noite da lua cheia.

Na velha pedra da saudade podia ler-se:
- Se não sonhou não pergunte nem escreva
abra o coração e deixe-se ficar a dormir

3. Dilúvio

Esguios bravos e masculinos, os pinheiros
eram tão altos tão lisos tão altivos
que quase tocavam nas coxas da lua

e até o cão de estimação da vizinha
desejava ter orelhas verdes pinhos e picos
em vez de chorar e plagiar versos de amor.

Enquanto o dilúvio de ontem à noite
fazia sérios estragos nos bairros da cidade
os outros dormiam que nem pedras de betão.

A morte insaciável, inquisidora e em roda livre
fechava ao povo a fuga, a única saída do vale.
A tua ausência inundava de lama o meu coração.

XIII. A Viúva o Eufrates e a Saúde



1. Viúva

A jovem viúva do delicado, velho
e respeitado escrivão de Bagdad
passava as noites e as madrugadas
passeando pelos jardins submersos.

Por detrás das sebes verdes
dos muros altos da submissão.
Deambulava, inquieta toda nua
por debaixo dos escuros uniformes.

Confidentes só as escravas sabiam
por ela, pela vida que pena que era
deixar aquele vulcão adormecer
e dormir assim, sempre até morrer.

Como seria bom sonhar e saber
da roupa interior cor do entardecer
com cheiro íntimo a alfazema.
Por cima da sua cereja vermelha
por debaixo da poesia, do poema.

2. Eufrates

Tijela de barro, rodelas de chouriço
e um fio de azeite da Terra Prometida.

Fazer a barba com pasta de dentes
e limpar os dentes com creme de barbear.

Nas águas doces de Mara de cara lavada
onde o amor em baunilha se banhava.

Sabes? Vai pregar para o deserto
vender rosas geneticamente modificadas.
Promover ousada a cultura urbana
lá para as margens sem espinhos do Eufrates
na trevas anunciadas da idade moderna.

E vais ver o que te espera, velha raposa
intelectual, incontornável e insubmissa.
Para ver se acontece o milagre da água
- nadar em biquini pelas praias da Pérsia.

3. Saúde

Ao início da tarde depois de um bom almoço
entre cafés fumo expesso e aguardentes várias
após longa discussão, eruditos e pensadores

concordavam com a teoria do fim do mundo
e a impossibilidade de se levar à prática 
como tantas outras ideias de mais para a época.

Puta de vida, galinha da sorte, partida da morte
logo agora quando bebia um cacau especial
bebido com o baton chinês da tua boca.

A calcinha por lavar estava esquecida
no parapeito da janela interior da cozinha
indicava tudo sobre a saúde e alimentação.

Rapariguinhas bem estar e clínica dentária
na Niníve pecadora o verão acabou de vez.

XIV. A Ilha o Comboio e Klimt de Viena



1. Ilha

O mar meigo e o sol agora feito prata
juntamente com a brisa vinda do sul
suavemente acariciavam com ternura
a tua pele lisa da porcelana mais rara.

Com a ponta das unhas cálidas, a poesia
a intimidade fascinante dos nossos segredos.
Com os beijos no aeroporto dos desejos
a margem inacessível, a ponte da utopia.

Em Milão vimos da Vinci e um inesperado Rodin.
Depois foi Chagall e Matisse, o jardim das delícias
sem véu nem moral pública, antes de naufragarmos
nas águas fundas do mar negro dos teus olhos.

2. Comboio

O comboio suburbano
e os carris de longo curso
tinham como destino

as encostas suaves
e os desfiladeiros verdes
do teu perfeito país.

As penas de ave ardente
de rosa roxa multiplicavam-se
com as folhas das amoreiras.

A namorada eterna do vento desnudava-se
- peça a peça - pelo caminho da maresia
que levava até à fonte mais fresca da alegria.

Boas vindas, o perfume de agosto intenso
dos campos de levanda da primavera
entregava-se à minha cidade de outono.

3. Klimt de Viena

Areia firmes vegetação rasteira, musgos e azulejos
onde não era possível não escorregar em ti
nos lagos e rios, bem dentro das redes de pesca.
A água dos teus lábios era o estuário dos desejos.

Argumentava em segredo com sedas de sedução
de incendiar o coração com o fogo da saudade
nos xistos do amor, na tua nudez a céu aberto.
Da partilha do sol nas madrugadas do novo chão.

Assim com o pássaro matinal que a cantar me acordava
com os rostos tãos lindos das luas, da lua do meu destino.
Do castelo do sonho, Klimt de Viena, da catedral da paixão.
O mapa da vida não mostrava a noite do nosso reencontro.

XV. Afrodite Tais de Atenas e os Lábios de Delfos



1. Afrodite

Dançava a sorrir a salsa, rosmaninho de ternura
do azul no azulejo pintado à mão na tua pele.
O pingo mais doce na ousadia do turismo em ti.

A compaixão desejada da erva feita em flor
fascinio, vulcão ardente das águas termais.
A penungem cálida das pombas do teu olhar.

Da adoração no templo de Corinto
feita murta liberal e vinho das bagas de romã
a deusa mais bela de todo o Peloponeso.
Acácia Afrodite, anis do povo inteiro.

Despia-se em praça pública
e dava-se em Atenas em privado
aos mortais previamente sorteados.

Porque naquele tempo de nevoeiro
discreta, a estética o design da felicidade
tinha sabor a trigo, a espiga da liberdade.

2. Tais de Atenas

Jardim de ervas bravas
plantação de cidreira e flor de chá
escravas, eram as estrangeiras.

Nuas, milho ou bem vestidas
davam o corpo ao manifesto
e ainda pagavam impostos.

Eram heras subindo as paredes
Heteras descendo tão bem pelo prazer
para ocupar toda a cama com um só corpo.

Tais de Atenas como tu meu amor.
Abrigos e casas de tempos de chuva
com a última lealdade perene do teu olhar.

As putas finas da Grécia muito antiga
e as nádegas duras de Kiki de Montparnasse.
Águas das malvas, salada para arredondar.

3. Lábios de Delfos

O barro nocturno dos seus lábios
refazia a ponte de pedra
de regresso ao condomínio de Delfos.

Feliz pelas tuas colinas e montes
caminhou como um cego
para não ver, para apenas sentir
e usar as mãos, a ponta dos dedos.

Para saber do mundo. Descobrir a magia.
Documentar o prazer. Inventar a vida.

Era de manhã a peça perfeita
lírios e giestas, rosas e amores-perfeitos.
Prisioneira inimiga de todos os gregos
a mitologia fenícia da sedução.

Diziam que a ribeira que fluia em ti
afinal desaguava no mar do nosso amor.