quinta-feira, 9 de agosto de 2012

SAL DAS PALAVRAS



"Não sou ateniense nem grego, sou um cidadão do mundo"
Sócrates


SAL DAS PALAVRAS


"Não sou ateniense nem grego, sou um cidadão do mundo"
Sócrates


1. METÁFORAS DE MITOS VINDOS DA GRÉCIA



2. LÁBIOS E AREIAS DO DESTINO

"Ó eu farei à tua formusura
O sacrifício dos meus pensamentos"  
Safo de Lesbos



3.CIDADE INSUBMISSA

"O homem é a medida de todas as coisas"
Protágoras de Abdera


Pedro Assis Coimbra. 2011-2012
(do projecto: As Palavras Continuam)

1. METÁFORAS DE MITOS VINDOS DA GRÉCIA



GRANDES ESPELHOS DE ÁGUA


Hábil navio a força penetrante da proa
navegava os grandes espelhos de água.
Espalhava alegrias e páginas de audácia
antes ainda de Ulisses fundear Lisboa.

Na noite demorada da festa de sábado
os sofás de espera eram feitos de malvas.
Era considerado local de interesse público
e licenciado a tempo pelo mestre de obras.

Municipal estava alinhado pelo advérbio
pelo tempo apressado da primeira incursão.
Frágil a virtude fazia de pássaro sábio
com perfume raro e a alfazema da ilusão.

Jovem e subversiva recriava a castidade
vestindo-se do abismo da sedução.
Delicada para passear com a saudade
escolhia as ruas apertadas do meu coração.

NOS PEITOS DA MITOLOGIA


As prestigiadas profecias alecrim das fêmeas
das acácias em encostas de machos e sacerdotes
multiplicavam-se na humidade azul dos beijos.
Seriam quem sabe a prata da primeira das luas.

As pedras franquia da geografia da criação
pela via sagrada peregrinos monte acima
tesouros que confirmavam a descoberta.
Nos peitos da mitologia no mar da inspiração.

Do jovem empregado de mesa carteiro de profissão
pelos labirintos conhecidos nas traseiras da ilha
irmão maior mestre de Platão filósofo por vocação.
Sinónimo civilização da nossa liberdade fraterna.

Como único destino da festa dos amantes
feitos de terracota do pomar da tua alegria
com celebração da luz e da nossa noite mais curta.
Juntos nos perdemos nas páginas da combustão.

ERVAS DO TEU CORPO


Aqui jazemos por ter salvo com nossas próprias vidas
a Grécia toda posta sobre o fio da navalha
Simônides de Ceos (Trad. J.P.Paes)

Enquanto beatos e sem sal
os três anjos te perseguiam
os melhores soldados da pátria
entre pesadelos te desejavam.

No campo da batalha sem fim
por ti deseperadamente lutavam
e no chão duro íngreme da derrota
valentes pela tua imagem morriam.

Sedentos de rios verdes desejavam
vegetação professora da iniciação
descansar nas ervas do teu corpo
deusa anunciada do próximo vulcão.

Na fragmentação súbita das safiras
entre as sebes abertas da manhã
lá sonharam o repouso da eternidade
onde o oriente encontrava o ocidente.

LÁBIOS GREGOS COM BATON PERSA


Os lábios gregos pintados com baton persa
com medicinas e obras primas do esquecimento
dos sete sábios e do importador do verbo
deixavam nas taças sinais da sociedade secreta.

Herdeira astuta da dinastia da benevolência
em Salamina a arquitectura seria sagrada
se no cruzamento do precipício da mina
de ferro a igreja não tivesse sido destruída.

O umbigo era um pequeno ponto de carvão
uma miragem no longo deserto dos desejos
pedaços ou parte parcial de um fresco sensual
e o pão ensopado à mesa do melhor dos vinhos.

Com as velhas muralhas caídas de Samos
como a roupa da meretriz mais procurada
diziam para apaziguar a inquietação dos espíritos
- a Ásia é da Grécia e a Europa é da Pérsia.

TERRAS DE CAPIM-FINO


"Quem praticou esta façanha
foi o povo de Atenas"
Simônides de Céos (Trad. P.E.S.Ramos)

O sonho vadío da liberdade solar
de agrião foi sempre um mar aberto.
Paciente era o desejo inesgotável
de uma coesa minoria inegociável.

Metáfora ali o dilúvio do escorpião
não era nem um pouco navegar no papelão.
Era navio de guerra de batalhas já ganhas
barcaça de pescador de pescarias escassas.

Talvez pela grandeza de um rei sábio
que previdente mandou construir a tempo.
Por debaixo das terras de capim-fino
forte e resistente para todos um palácio.

Na latitude dos ladrilhos de um olhar
com o golfo de Corinto como intuição. 
Assim erudito o futuro era ainda possível
mesmo quando parecia muito improvável.

LINGERIE OPACA DA FILOSOFIA


"e eis-me jacente sob uma pedra, em terra estranha, 
eu Inaco um servo obediente e muito lamentado"
Crimágoras (Trad. J. P. Paes)

Fenícia de nascimento foi rapidamente esquecida
pelo escrivão público do porto o rapto da Bela Europa.
Sedutora e atraente aceitando a penetração sem esforço
presa fácil do mercado dos jovens militantes sem rosto.

Foram usadas e lançadas amarradas ao Eufrates
em nome da unidade contra todas as estrangeiras.
Aprendiam no deserto finito da Mesopotâmia
otomano o ódio às minorias não tinha fronteiras.

Perto da margem incerta do dogma da reputação
este rio sem fim que os separa será para sempre?
A ponte de pedra que percorreram já não existe?
Terá sido derrubada pelos excessos da nossa paixão?

Antes de sucumbir com a lingerie opaca da filosofia
à canção perdida entre as rosas vermelhas do vento.
Adora como de dia se senta à mesa e como mostra
as partes mais nobres do peito enquanto almoça.

CICUTA DA HERESIA


Muitos chamavam cidadania direitos da maioria
sem a insubmissão individual à liberdade colectiva
a do consumo rápido das verdades feitas de nadas.
Ai Atenas Atenas como pesam as tuas penas!

Oleiro da argila do ocidente antes de tempo
enfermeiro argamassa cativa dos medos do novo.
Avô e pai parteiro de novas ideias para a filosofia.
Condenado à morte da vida pela cicuta da heresia.

Quando os mercados não reconhecem nem valorizam
os justos são escassos e é inútil a merda da (in)justiça.
Para lá dos juros e da dívida já mesmo nada existe.
Pragmática a república troca a honra pela demissão.

A moral é rabo de bambu uma lança afinal redonda 
a coragem desnecessária de uma estátua já poeira.
Com ovelhas e borregos com abutres e muitas hienas. 
A conjura da sublevação atirada para as catacumbas.

AO NOVO INQUILINO


"Infinito era o tempo ó homem antes de seres 
dado à luz, e infinito o que te espera no Hades.
Que parcela de vida te cabe a não ser esse instante."
Leónidas de Tarento (Trad. J.P.Paes)

Sentada na ideologia barata da sala de estar
atenta antevia a história contada ao contrário.
Disfarce adoçicado pelo mel da abelha rainha
do tendão de Aquiles e da fuga da menina.

Ao sabor do vinho na mansidão do fumo
a mais bela heteira entre todas as flores.
Inventava-se sorrindo ao novo inquilino de Tróia
com brinquedos de pau e um cavalo de veludo.

Sem águas nem éguas ou conquistas definitivas
mas com braços e muito minério nas mãos.
Vinham sem oposição em marcha apressada
subindo pelas escadas das noites mais longas.

No púlpito dos falsos patriotas do passado
grandes as jibóias inchavam ao sol do meio-dia.
Sem esforço conseguiam as primeiras cadeiras
na ponte de passagem para o futuro garantido.

MUSAS OPERÁRIAS


Quem diria que nos anos de Alexandria
até os deuses desciam o Nilo de barco.
Ordeiros sem atroplelos punham-se em fila
pacientes à espera da vez da sua ração.

Das musas operárias para do carvão
folhas de papiro em odes serem escritas.
De passas de uva tremoços e figos secos
e algumas moedas para gastos inesperados.

Seria a maldição das cinzas fora de tempo
que começou impávido a arder no cais.
O grande incêndio dos livros e das ideias
que acabou por queimar a própria memória.

Feito de eucalipto o manual que ficou
de Euclides pai da geometria que dizia:
- se tens a raíz quadrada e o dom da palavra
sabes a distăncia entre a lua e os meus lábios.

SAL DAS PALAVRAS


"Louvo a bailarina da Ásia que com seus gestos lascivos,
suavemente ondula desde a ponta dos dedos"
Automédon (Trad. J.P.Paes)

Vestida de malha matriz côr de balcão
a primazia da suave sensação da sede secreta.
Colada aos contornos curvos da pele lisa
às folhas húmidas da alface tenra do rosto.

Seria o farol cotovia da navegação mais terna
o navio nunca antes navegado da sensualidade.
a boca no prazer salino da tua altiva insubmissão.
O sal das palavras no sabor salgado do teu sorriso.

Recebes como garantia verbal da minha entrega
o meu reino prometido que ilumina toda a Ásia.
Ninguêm gosta tanto de camas de ferro desfeitas
como o meu marido legítimo cansado de mim.

Por fim nos caminhos perfeitos da noite
estarei depois do sono lavada e perfumada
à tua espera com a minha flor entre os lençóis
se estrangeiro for eu designada a mais linda.

AS ARTES DA VINGANÇA


"Vim para celebrar os filhos
de pais sublimes e de mães tebanas"
Píndaro (Trad. P.E. S.Ramos)

No meio da praça ao fim da tarde mãe e filha
por consenso e exaltação da maioria do povo.
Foram incendiadas sem perdão antes ainda
dos abençoados autos-de-fé da purificação.

Por compaixão dos lindos olhos de mar
da luz serena da lenha da magia do fogo.
Meninos que pouco depois do nascer do dia 
conspiração em segredo sairam de Cartagena.

Cresceram pau para toda a obra aprenderam
da honra as artes da vingança servida a frio.
Sabiam que a bem ou a mal como deusas
a mãe e a irmã amanhã louvadas seriam.

Parecia ser um requiem pelos vivos
de homens e mulheres vindos do nada.
Na profundidade solar do mistério da água.
Na visão privada da profecia dos espelhos.

PRIMO CORNUDO E MÃE SOLTEIRA


"Pobre cidade? Que infortúnio. Grécia
Prouvera jazesses. Corinto, mais baixo que o chão
e mais deserta que as areias líbias"  Anacreonte 
(Trad. J.P.Paes)

Na dimensão do planalto do massacre 
dos ungentos e da inutilidade da vida.
Para lá da terra da morte definitiva
da população pacífica da ilha de Melos.

A prima vizinha do primo cornudo
e a culpa da mãe solteira do costume
do facalhão do crime e tanta legislação da dor.
A liturgia da obediéncia e de tanta servidão.

Sempre o mesmo da história que se compra
e depois de paga se poder saltar de página.
Sabemos que nem com a maldição se livra
dos impostos do açúcar dos chocolates regina.

O lucro do aço para pagar as armas
o letal azedume mercenário da soldadesca. 
O futuro comum nunca poderá absolver
esquecer os teus remorsos de velha senhora.

NOITES DE VIGÍLIA


"Quantas grinaldas, no seu colo,
Rosas, violetas, acafrão –
Trançamos juntas!" Safo (Trad. Décio Pignatari)

Guarda no vaso de barro preto
no pote devidamente decorado
os óleos dos desperdícios mais valiosos.
As melhores sobras do nosso amor.

Recolhe daquelas noites de vigília
no interior dos silêncios mais húmidos
as gorduras no pão da nossa saudade.
De Klimt as peles douradas do prazer.

Com o alibi do sal do sono do longo inverno
na água do olhar fixo da serpente inofensiva.
Desembarcar nas areias suavemente quentes
e não adormecer nas enseadas do teu corpo.

Eu agora quero é naufragar contigo
bem longe da pedra da costa vigiada.
Viver feito peixe o resto da minha vida 
e partilhada a dois no fundo do teu mar.

CÓDIGOS DE CONDUTA


Desfazia-se pelo deserto árido do servilismo
e dirigia a voz às rochas ao coração do monte.
Peregrino que aprendera com o irmão do ferro
o ofício até chegar a ferreiro oficial de Parnaso.

Á espera do milagre de refazer o corrimão
códigos de conduta e praças do esquecimento.
Na difusão de épocas ditas de bem pensar
e poder construir de raíz uma nova profissão.

Dos que falam das minas ricas do fósforo
para da recompensa sararem a ferida profunda
de caras tristes que no suor escondem a dor.
A prata das esmolas para a imortalidade da alma.

Com a desculpa do sofismo em segunda mão
argumentam hoje com a mesma puta-convicção
o contrário do texto que nos diziam ontem ainda.
Porque não vão para a curva que os curvou?

MITOS VINDOS DA GRÉCIA


"Zózima que outrora só no corpo era uma escrava
ora alcança liberdade do corpo" Damásquio (Trad. J.P. Paes)

Quando finalmente chegar
vai saber pelas metáforas
de mitos vindos da Grécia
quão discreto é o ritual do amor.

Mármore será lavar o teu corpo 
com os lábios húmidos da insinuação
mistura de pequeno-almoço e poesia
com os beijos mornos da ousadia.

Secar as uvas da tua pele feliz
com o pano bordado por mim
para da filantropia poder merecer
e profundo descobrir o teu país.

Violeta linda trazida da Lídia
com o perfil do açafrão da solidão.
As promessas das tuas roupas abertas.
Ser resiliente o cronista da nossa história.

2. LÁBIOS E AREIAS DO DESTINO




"Ó eu farei à tua formusura
O sacrifício dos meus pensamentos" Safo de Lesbos




PERFUMES LEMBRAVAM SAFO


"Colares atei para o terno
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros"  Safo (Trad. Décio Pignatari)

Refazendo metáforas de outros séculos
a ousadia de quem sente merecer o perdão
e que não quer outro mel para o seu chá.
Vida, dá-me os teus sonhos de mirra amarga.

Nem um pêlo a imperfeição de uma rua
na descida da língua feita água e sedução.
O sabor dos teus perfumes lembravam Safo
as rosas bravas das roseiras belas da sombra.

Uma aventura por assumir que anunciava
pelas madrugadas as margaridas abertas.
Uma baía morena antes da foz por degustar
do mesmo orvalho do mar que nos separa.

No silêncio do jardim que dizem sagrado
da representação em bikini sobre o selim
não havia um espaço verde à imaginação.
Sobre a relva não almoçavam, comiam-se.

SE O SOLSTÍCIO NÃO CHEGAR


"a primavera, perfumada nos concede
toda uma floração tão doce como o néctar"
Píndaro (Trad. P.E.S.Ramos)

Na terapia da tua voz fermentando a luz
na noite persa mais longa do calendário
desenhavam roupas para serem retiradas
do teu corpo metade inverno e metade verão.

Mas se o solstício não chegar a tempo
deixa-te ficar quieta nos meus braços
calma com o outono merecido do sonho
o véu do amor finalmente a descoberto.

Para em outras terras distantes da escuridão
longe das ruas vigiadas da uniformização
seja eu a colocar a bracelete no tornozelo
a poesia a escolher a saia acima do joelho.

Posso abrir mão dos meus dedos na tua pele
desistir do teu perfil deitado na minha cama
dos teus lábios as metáforas da tua respiração
mas não poderia viver sem o brilho dos teus olhos.

PROFETAS DA GRATIDÃO


"Se fores estrangeiro, a Mitilene de formosas danças
e que fez Safo, a flor das graças, consumir-se"
Nóssis (Trad. J.P.Paes)

Queriam comemorar a luminosidade
do fumo leve do seu olhar.
A varanda feminina que antevia
a privacidade íntima em Mitilene.

Nas águas das bocas gulosas
das tămaras e roseiras do palácio.
Do mapa estudioso do teu corpo
até ao jardim plebeu agora meu.

Mas universo nada se comparava
convites aos aromas da pastelaria.
Os doces que povoavam o cruzamento
das suas pernas abertas ao vento.

Como se jovem ousado e libertino
esse profundo desejo de amar
fosse uma invenção vagabunda
o erotismo dos profetas da gratidão.

OS LÁBIOS DO DESTINO


"Ela resplandece agora em meio às lídias
como depois de sol pôr
brilha a lua dos dedos como rosas"
Safo (Trad. P.E.S.Ramos)

Alongado o seu corpo de lua cheia
sentado sobre as suas próprias ancas
tem a pose da ternura mais que perfeita
a forma exacta o conteúdo do desejo.

Sabores de ti regalo dos olhos
reflectidos no murmurar das águas
tão próximas das raízes das mãos
das terras mais pretas dos meus braços.

Entre desenhos árvores e ervas altas
de costas escondidas para o passado
bebiam aos pés do mundo café amargo
para não adormecerem antes do cansaço.

Para depois as tangerinas dos dedos
doce alquimia na conjura do sono
indicarem a saída marítima de Rodes.
As areias desejadas os lábios do destino.

PLAGIAR O TEU CORPO


"Cortaste a flor perfeita do teu cabelo macio"
Íbico de Régio (Trad. Federico Lourenço)

No caminho único desse sentimento sem fim
entre poeiras damasqueiros e outras conversas.
Era apenas para oleiro voluntário te moldar
embevecido pelo melhor barro das montanhas.

Alimentava-se do néctar do teu sorriso
da ămbrosia da compota da nossa alegria.
Com a transformação da sua pele resistente
em fina cambraia e superfícies de veludo.

Plagiar o teu corpo trocar de lábios e de mãos
papoila de saia-casaco para desejos bem guardar.
Dizia quando doloroso o silêncio entristecia
- que não sou mais que uma mesa um copo vazio.

Porque a ausência é pegar na gaveta e deitar fora
em fumo branco de auto-estradas sem regresso.
É saber rapariga que na divina berma da surpresa
da profundidade da noite serás da lua a mais bela.

CIDADANIA DA NEGAÇÃO


"Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede" Safo (Trad. Décio Pignatari)

As festas à tarde eram só para mulheres
e algum criado de azeite extra-virgem
com peso e bom guardador de segredos
intrigas recentes e teorias da conspiração.

Venenos disfarçados de sal-cavalo puro
que isto do licor de anis entre as coxas
com a mensagem da punição do Senhor 
pode na escuridão da festa acabar muito mal.

O pecado da romã no granito da denúncia
nos caminhos do fingimento nocturno
carmesim papa-léguas encosta abaixo
juntava o universo à cidadania da negação.

A lua nova será sempre desígnio do teu nome
as brasas do desejo o desafio da imaginação.
Musa da alegria por completar que o bom fado
decidiu pôr no entardecer do meu caminho.

METÁFORA DO MELRO


"e os cabelos
lhe caíam pelos ombros
e pelas costas 
como sombras" Arquíloco de Paros (Trad. P.E.S.Ramos)

Se cidade soubesse correr destemido
o caminho contra o frio da tua ausência
nos acessos que dão para a saída da ponte
pelas escadas da cidade que nunca nos viu.

Ser o último a morrer e o primeiro a nadar
com a expansão dos mistérios da ămbar
se de barco pelas margens do velho rio
eu pudesse reencontar a tua nova fragrância.

Porque se fosse mistral cevada e centeio
seria o vento do monte nas tuas noites
não a metáfora do melro da estação vazia
nem os ramos de laranjeira da nossa paixão.

A perfeição feminina era quase magia pura
quando intensa na nudez de barro do seu olhar
ela se encostava ao sobreiro e se abandonava
de asas abertas para a humidade entrar melhor.

CIDADE DA MINHA ILUSÃO


"Três beldades escolheram-me para julgar-lhe as nádegas
a mim mostradas no esplendor da nudez"
Rufino (Trad. J.P. Paes)

Vestia-se assim quase nua
com a utilização da pele de prata
na invenção clara do seu sorriso
e na decoração demorada da cintura.

Com o novo paradigma do trigo castanho
e o fabrico das tapeçarias da paixão
Arquimedes visionava portos de abrigo
esboços e projectos no ventre das searas.

Despia-se assim no horizonte
para que num relance os olhos vissem
e vizinhos os desejos se juntassem
à arquitectura premiada do seu corpo.

No equinócio dos dedos da primavera 
nos mitos distantes das nossas noites 
a tua ternura atiçava o fogo da alma
incendiava a cidade da minha ilusão.

OLHOS DE ESTANHO ESCURO


Era no livro todo o caudal de um só rio
onde os nossos olhos de estanho escuro
das palavras se abandonavam contra o vento.
Nas margens da vida como um apelo fraterno

A que chamavam peixe de águas fundas
texturas desconhecidas e noites de astrologia.
Despedidas no último cais dos velhos navegantes
na vila portuária do cais dos nossas partidas.

Era o cabelo comprido dos oceanos verdes
medido por meridianos de madeira pintada.
Viagens de negócios pelo chá colectivo
- da exaltação da ostentação e da depilação.

Mercadores de Pompeia de pedras preciosas
aves feitas de sexos de sal e de escamas apetitosas.
Amantes sedentos que se conheceram no mar alto
e se amaram sem pudor pelas sombras do navio.

INOVAÇÃO DO VERBO


De um manuscrito guardado na pedra culta
tradução ou comentário da próxima civilização
constava que nos jardins do oriente distante
havia igualdade entre as abelhas e as flores.

Aqui no cinismo criativo da inovação do verbo
e das ideias com algumas metáforas submissas
democraticamente cidadania não era feminina.
Mulher e burra ficavam de fora fechadas em casa.

A cosmética a condizer no caminho do xisto
sobre a planície de seda da tua pele de papel
era escurecida pelas cinzas mornas da noite
e de outras plantas maquilhadas pela manhã.

Porque os seios das femmes de Gauguin
estavam posando na tela na talhada da melăncia
e do vinho faziam crescer muita água na boca.
Verdes ficavam ainda mais redondos e salientes.

ACARICIAR A ROSA


"Alçam-se os marmeleiros na primavera
e os romanzeiros no vazão dos rios,
onde o jardim das virgens sensualizam rosas"
Íbico de Régio (Trad. A.M. Rodrigues)

As cinco gracinhas da festa da primavera
com aquele ar puro de meninas-donzelas
cabelos longos e roupas pelos tornozelos
sabiam mais que o maestro da música.

Raparigas graciosas na decoração da ănfora
junto à fonte da água feita poção sagrada.
Protegidas por profetas e porta-estandartes
tinham escola que dispensava universidades.

Eram três irmãs e duas meias-primas em flor
com vestidos brancos em colinas de pedra falsa
guardados para as noites longas dos matrimónios.
Humedecidas pelo fogo posto dos namorados.

Por baixo meteu a mão que eu queria minha
quente entre as suas pernas dizendo ao ouvido
- Não quero as tuas palavras que não entendo!
Desejo sentir-te mexer. Acariciar a minha rosa.

ÁSIA DE UM AMOR


"Estendida  sobre o leito, Dóris a de róseas nádegas
me fez imortal na sua carne em flor."
Dioscurides (Trad. J.P. Paes)

Da fonte feminina e dos desejos no plural
ao acordeão das acácias saborosas da degustação.
Não precisava de capa de couro de lona
apenas transparente a colcha da vossa paixão.

Bastava para conseguir o salvo-conduto
do véu no calcário dos nossos corpos
passagem madressilva para sua península
para a Ásia menor no interior dos seus olhos.

As mesmas mãos que protegiam os peitos
e no abismo acariciavam a frescura das cerejas
antes de se juntarem aos lábios da sua boca.
Ninguêm vivia a intensidade de um amor assim.

Território a minha casa distante era aquela
onde se despia se deitava e dormia sem mim
na tarde limpída semana de tudo ou quase nada
na cama de ocasião onde foi minha para sempre.

CASA DO VIZINHO


Dedo em riste acusada de prosmíscua
com os habituais passos curtos de galdéria.
Blusa bordada decorada com conquilhas
com búzios e outras delícias marítimas.

Descansava nas feitorías do siléncio
do saque nos viveiros do bem estar
das pedras por se ter enganado na porta
e entrado sem querer na casa do vizinho.

Com o decote aberto a meio do mundo
no caminho erótico e precioso da imaginação.
De beber o néctar Cassandra do prazer
feito com as amoras pretas da sublimação.

No apetite do ventre nas coxas de bronze
a viúva de branco era boa de mais acesa
para no frio do exílio na escuridão se esconder
e deixar morrer de sede tão boa sobremesa.

NO VINAGRE DA VIAGEM


"Apanhando grinaldas,vem, ó Cipris
e dá-me um pouco desse claro néctar
que tão graciosa serves para a festa
em taças de ouro" Safo (Décio Pignatari)

Pela memória do engenho de Delfos
e do retalhista que tudo vendia
aos sábado da irreverência colectiva
junto ao mercado-livre do cidadão.

Pela metalurgia amena da navegação
que se afastava da saudade anterior
insinuando-se na proximidade do lago
e que dizia presente em cada sufoco.

A perder-se na diversidade dos outros
e no vinagre da viagem impossível.
Nas pernas das palavras redondas
e no peito nas curvas da bio-filosofia.

Princesa republicana da chuva.
Sacerdotisa estilista do milho em flor.
Minha Afrodite de mármore tardío.
Minha rosa delicada. Meu amor.

NO FRASCO DA BOCA


"Dá-me teu augúrio, Musa! Serei teu profeta".
Píndaro (Trad. Rafael Brunhara)

Sabes ontem foi a noite
que sempre quis para nós
quando o linho se desfazia
em águas espessas da sedução.

Recordava acariciando o seu cabelo
e revia as palavras escritas por ti
flor acessível dos meus pensamentos
- o dia quando disse: a tua musa sou eu.

Eles chegaram de longe do oriente
descansaram na paz do oásis de Petra
e para se limparem do pó da viagem
tomaram banho nas praias da Palestina.

Atento enquanto dormias tão pouca
imaginava as tuas romãs as tuas bagas
finas a desfiarem-se quase roxas
perdidas no frasco de vidro da minha boca.

BOCA ENCARNADA


"Adornados com variegadas mentiras
os mitos enganam" Píndaro (Trad. Frederico Lourenço)

Por entre os braços da harpa
do milagre da areia bem feita
o seu rosto surgia do esplendor
da surpresa e da magia de fada.

A mão serena nessa posição
como se fosse uma colher de sopa
para cuidadosa dar de comer à fome
não estava lá para suster o ar.

O dedo sózinho com aquele apertar
entre o ligeiro e o muito suave arder
parecia canavial estar ali para entreter
declarar de vez o mito fora do lugar.

Quase seco o pensamento chegava
da flauta do fogo das tuas margens
do deserto breve e do corpo bendito
até às praias da tua boca encarnada.

DEMORADAMENTE OS DEDOS


Demoradamente os dedos escorregavam
nas tuas costas como se quisessem
alisar os ventos o relevo da seara
amassar a massa do pão caseiro do prazer.

Depois longe do mar recolher o milagre
e abrir ao acaso a arca da poesia
o velho dicionário das novas carícias
e tocar repetidamente na lua da tua pele.

Confortar os ingredientes da vida
e estender de nuvens a roupa da cama
perfumada dos teus perfumes mais íntimos
guardados na gaveta do meu coração.

E no regresso envolver-me na praia
com a neblina das rochas mais altas
como o peixe entre as margens baixas
nas águas fundas das tuas coxas apertadas.

NAS PALAVRAS DA POESIA


"Sobre as minhas pálpebras
espalhará o doce sono" Álcman (Trad. Frederico Lourenço)

No desafio da verdade sem espinhos da metafísica
a passividade da oferta e a ocultação do lucro.
A rede entre o centro e a periferia do império
do comércio da pimenta e do monopólio do chá.

Em estradas construídas pelo sangue feito cinza
santuários a resvalar pela relva da encosta.
O monte de Cíntia com a cintura tão bela
presa ao muro ao musgo azedo da dúvida.

Se eu pudesse marinheiro voltar a pentear
e a disfarçar da cor da noite os seus cabelos
no basalto do sonho mais próximo da lira
com a ponta húmida dos beijos da chuva.

Enquanto no linho da melhor caligrafia
Safo e Alceu se desfaziam nas palavras
da poesia maior eu limpava os seus lábios
com as lágrimas tecidas pelo nosso amor.

NEM TUDO ERA METÁFORA


"a língua como que se parte, corre
um ténue fogo sob a minha pele"
Safo (Trad. P.E.S. Ramos)

A inquietação consome os argumentos
a necessidade colectiva da obediéncia
a decadência com a rendição assegurada.
A prisão da boca a porta fechada do rio.

A persuasão multiplica a surpresa
o vazio da alma do prisioneiro incómodo.
A comoção da conversa fiada da tragédia
do desembarque falhado na Sícilia.

Espertalhão em nome da soberania do verbo.
Puta em leilão feita velha nau portuguesa.
A folha de limão da codificação da revolta
que a pobreza seria indispensável ao progresso.

Felizmente nem tudo era metáfora e desencantos.
Enquanto a vaidade preparava novas conquistas
algures amantes trocavam de corpos na cama.
De líquidos nos lábios e de maresias nos sexos.

O SAL DOS AMANTES


Flecha afiada dos livros sabia quase tudo:
- do ouriço do fogo das amoras negras
a pedrinha em pó do carneiro da morte.
Da chuva da indecência e do pior granito.

Com purgante de ervas no milagre da salvação
no regresso ao mar à barriga da salmoeira.
Postas de chaputa assada na brasa com segredos
de alfabetos fenícios e outros falsos marinheiros.

Farpa de vidro a mais nova lua da noite
juntou-se às linhas curvas da melhor geometria.
Á perfeicão da estrutura espartana do sonho
a valentia guerreira que adormecia em paz.

Acordou sem sobressaltos sem saber porqué
na sala de jantar na ilha da expansão dos ventos
com a legislação que da janela aberta tudo permitia.
Nesses dias em que nós éramos o sal dos amantes.

3. CIDADE INSUBMISSA




"O homem é a medida de todas as coisas."
Protágoras de Abdera

     

     

AS PAPOILAS DO TRIGO


Construiam paredes de pedras corpos de silêncios
porque o minotauro de Picasso por nós sentinela
no portão junto à entrada apertada de Micenas
protegia a cidade de todos os demónios.

Com as papoilas e a escassez do trigo
a canela espalhada na cerămica do seu sorriso.
Com a guerra civil por causa do eclipse da lua
que importăncia tinha o mistério do vento?

Teve tempo ainda para degustar o meu vinho
da vinha da casta trazida pelos povos do mar
que pacientemente cultivei no deserto da Síria
e depois servi no cálice de ouro da sua boca.

Posso usar mal as metáforas que encontrar
plagiar fingir ou retocar as palavras gregas.
Posso esquecer posso perder posso morrer
mas desvanecer a noite será sempre contigo.

A GORDURA DA TIRANIA


"Chegará o dia em que a sagrada Tróia perecerá"
Homero

Nas praias abrigadas do mar Egeu
com a ética e a concessão das salinas
descobriu que cão que ladra à noite
não morre com a barriga vazia.

Bom no teatro lambe por fingimento
toda a gordura da luva grossa da tirania
na intimidação do destino do coitadinho
e na euforia da ressaca soltou-se da trela.

Sem piedade ferra o dente até ser polpa
salientes nos tomates pretos do tirano
e por distração pelo braço leva-a consigo
para os banhos públicos da dita conspiração.

Cinismo da nova negação da história
com esmolas e promessas de resignação.
Mitos dourados com fome de pragmatismo.
Princesas meias nuas tão ao gosto do povo.

AS RUAS DOS ENTEADOS


Nos contornos exactos da supremacia comercial
no guarda-fatos da água no domínio naval de então.
Da democracia para uns e o desterro para outros
ser mulher ou criado ía dar ao mesmo ou pior

A riqueza da nação era habilmente concentrada
e a mistificação legalizada e distribuida pelos irmãos.
As ruas metecas destino dos enteados sem passado
por fé não entravam nas contas dessas filantropias.

Na culta sociedade de Atenas quem diria
da cidadania a brilhar da manhã até sol-pôr.
Trazia a poesia para as praias do mundo novo
tanta rima tanto poeta para coisa nenhuma.

Sortudas as cortesãs que comiam e bebiam
eram respeitadas gostavam do que faziam.
Guardavam para elas o melhor dos momentos
que deviam ser das senhoras mães de seus filhos