terça-feira, 19 de julho de 2011

HISTÓRIAS DA LUA E OUTRAS PALAVRAS



1. Palavras e Plágios de Ontem


2. A Lua Enfeitiçou o Vento


3. De Longe as Palavras 




Pedro Assis Coimbra (2010-2011)
(do projecto – As Palavras Continuam)

1. PALAVRAS E PLÁGIOS DE ONTEM


"Um dia o sol admitiu
sou apenas uma sombra" Hafez

NOVA INQUIETAÇÃO


" saw you whirling
beneath the soft bright rose
that hung from an invisible stem in the sky." Hafez

Mensagem partilhada com a distância
com o cachecol rendilhada das palavras
e pelo luar mais terno do pensamento.
Desfazia-se em surpreendentes sentimentos
era símbolo da carícia mais fresca do Vento.

A Lua amorosa vinda de terras estranhas
aproximava-se com as primeiras manhãs
pelas ruas mais estreitas da sedução
com os olhos que em segredo sabiam
que podiam construir nova inquietação.

Brisas de chegadas que anunciavam partilhas
encontros passageiros prolongados pelos mares
pelos rios próximos que estuários submergiam
e dálias reflectiam o seu rosto nas águas.
Esse cachecol de ternura para desejos saber
e das sombras de beijos furtivos o amor esconder.

ENTRE SEGREDOS DE PRIMAVERA


O cabelo que apenas pressentia ser seu
era cor luminosa da noite mais intensa.
Os olhos se fossem teriam todo o esplendor
das azeitonas saborosas do olival do seu país.

A boca terna era de cereja e os lábios mirtilhos
o sorriso era doce entre segredos de primavera
e que jovem em tão boas surpresas nos envolvia.

As mãos que não sabia copiadas estariam por aqui
coladas às minhas para sempre diziam as carícias.
Perfeita a pele que o sentimento súbito quis inventar
era água fresca de fonte que misturava ouro e pratas.

Pérola demorada da permissão mais linda de estar
que a sorte solar e a boa ventura dessa manhã
a trouxeram mais tarde até às páginas do meu olhar.

DAS ROSAS DA TUA PELE


"Be the rising Moon in my dark nights
I am thirsty for your light." Rumi (Molana)

Com a maior parte dos navios à espera parados
nem os esboços a lápis pintados de marinheiros
entre pedras redondas e o cais morno dos dedos.
Tudo os afasta das colinas verdes da sua cidade
refazem o beijo perdido na estrada do teu sorriso.

Guardadas como lembrança no bolso das promessas
na humidade do rosto nos damascos da inspiração
entre as sombras incertas do seu corpo de cevada.
As pedras o pó da pedreira que o prazer cultiva
cantando saudade na mais doce cotovia da tua voz.

Acordando a dois de um sonho quase profano
no meio das roseiras protectoras da paixão
Lua que da escuridão do amor as casas ilumina.
Viam-na distante das torres altas do seu país
as portas na ousadia das rosas no oásis da tua pele.

VESTIU-SE DA CERAMISTA MAIS BELA


Sublime a voz do tecido grossso do prazer
que do céu baixo caía das luzes acesas
e da surpresa ficou encharcado de ti.
De estarem dizia nos corpos um do outro
mesmo à distância intensa do pensamento.

Praças seriam sublimes nos caminhos eternos
que alimentavam a poesia e saciavam o alecrim.
Desejos que se moldam no silêncio do barro
e afirmavam sentir que esse sorriso era para mim
no convite macio do mármore liso da tua boca.

Sublime a memória por sedimentar da ilusão
com as lamas finas da argila da reprodução.
Vestiu-se do vento e da ceramista mais bela
que preparava nas margens da tua lonjura
o doce vermelho com as bagas da nossa vida.

LENÇOS DE SEDA PURA


"As cidades que apenas brilham
na imaginaçao das pedras" Shakir Wa’el

Foi na superfície do sub-continente ausente
no tempo das misturas de amores e suores
com lenços de seda pura regateados no bazar.

Próximas escorregavam no licor das pedras
junto da margem nos espelhos dos dedos
com rimas exactas nos jardins do seu peito.

Traziam histórias picantes do Vento sedutor
que dormia todas as noites com a Lua
no país do sol e dos ciúmes mal-escondidos.

Sabiam que também queria mas não dizia
sofria calado ver a Lua adormecer feliz
e acordar serena sem mais nada desejar
sem esperar a noite e a luz para descansar.

Pelos braços autênticos dos seus bosques
e no vulcão das madrugadas impacientes
continuavam a descobrirem-se mutuamente
como se não houvesse mais nada para fazer.

O RIO DAS PALAVRAS


Para se aproximar melhor da Lua deixou
os olhos fechados à chave no fundo da gaveta
para percorrer sem pressas o rio das palavras
descobrir no silêncio os caminhos da dúvida.
A água pura no alvor colorido da contemplação.

Gostava da uva trincadeira das mais escuras
da vinha demarcada por filas de castanheiros
por muros cansados de lábios caiados de branco
nos pátios interiores dos segredos por licitar.

Das notas soltas figos de prata e alguma saudade
sentindo as mãos suaves juntar como um puzzle
a opinião de outras ideias que se cruzam contigo
na contemporização das cinzas mornas da noite.
Última musa na aproximação à nossa diversidade.

Aí com o Vento dizia podem contar comigo
inesperado estarei sempre que seja possível
mesmo sem o convite pessoal do teu sorriso
se nos corpos em repouso for nossa a manhã.

OS LÁBIOS MOLHADOS EM CASA


Procurava a imagem no lume aceso
um desafio um pensamento difuso
da nascente habitada pelo sol vertical.
Um verbo suspeito nas unhas da sorte
com a calma colorida da alma concisa.

Desconheciam os desejos das palavras
quando estas húmidas e de malas feitas
esqueciam os lábios molhados em casa
abertos por detrás da cortina corrida.
Por ela com os olhos da próxima noite.

Procura em voz baixa um dorso ausente
no calcário consistente da geografia.
Os acessos únicos que levam às colinas
com vinhas terraços e patamares perfeitos
que antecedem a vida e levam ao sonho.

Quero deixar escrito antes que o teu perfume
me esqueça no livro entre as metáforas de Rumi
no meu último capítulo em que a poesia és tu:
- Gostei muito das tuas tâmaras até hoje
as melhores que comi em toda a minha vida.

NO VITRAL DO SEU SORRISO


Na taça a abrir-se redondo seria o vinho
tão redondo como o branco dos seus seios
sonolentos em repouso por debaixo da roupa
-a túnica fascinação no vitral do seu sorriso.

Do beber com os sentidos e não era pouco
definição recente dessa maravilhosa revelação.
-o sentimento urgente na Lua da primeira emoção.

De estar no coração sem ter estado nos braços
sem saber dos olhos pintados com muito cuidado
-a cor verde das azeitonas mais pretas da noite.

Acredita que depois do vinho há ainda muito mais
se a liberdade chegar faz amanhã pouco tempo.
Um corpo que pela manhã se assemelha à água
e ganha forma geométrica nos contornos da paixão.

NUDEZ DE ILHA ABANDONADA


"Embora eu esteja bêbedo de vinho e amor
faz-me amante do que eu sou"
Nezami Ganzavi (Layla e Majnun)

Com a frescura da sua nudez de girassol
e o seu olhar crescendo em terras de xisto
faz de todas as ruas e lanternas introvertidas
sombras e mistérios que as más noites enganam.

Com a sua oculta nudez de ilha abandonada
a descansar no rio sobre as águas mais altas
em casa cultiva cantando as alfazemas do jardim
outrora suspenso de oásis e de colinas benditas.

E quando na primavera flor da sua nudez
matéria anunciada no fabrico artesanal do tecido
feito de lábios púdicos e de bocas pintadas
ela ficava entretida com as metáforas da vinha
com as cores quentes que a neve derretiam.

E uma garrafa reserva pacientemente guardada
no buraco perfeito da bondosa garrafeira
de tijoleira especial à espera até ser dia.
Que da sua nudez o vinho mesmo o mais antigo
na pedra não é prazer que se possa sentir sózinho.

ROSTO DE MÁRMORE FINO


"Não te aflijas se por amor penetras no deserto
e as espinhas te ferem" Hafez

Segundo terá sido escrito encontraram
sem querer um astrolábio com ferrugem
que já teria servido em épocas adversas.

Para os poetas mais jovens saberem a tempo
sem a ilusão de onde estaría o seu coração
com a sintetização da poesia nos teus olhos.

Não seriam tempos muito diferentes dos de hoje
quando se caminhava pela antiguidade de Shiraz
pelos vinhedos e pelos jardins frescos da cidade.

Sem as mil madrugadas as tardes da preguiça
uma só noite de bem estar e não pediria mais
desse corpo incrédulo que queria unir ao seu.

Se tentação ou alquimia o seu véu ainda fechado
como as palavras com filigrama da tua boca
roseiral vermelho estivesse tão perto de se abrir.

Poderia recriar no cobre de outras aventuras
e afluente acariciar o teu rosto de mármore fino
onde dizem ser bom provar-te vagarosamente.

O MAPA DA TUA AUSÉNCIA


Saber a arquitectura interior do teu sorriso
e contornar no olhar dos meus desejos
a vastidão libertária do nosso pensamento
e na joalharia os anéis para os teus dedos.

Com a fascinação proibida da paixão anterior
o mapa da tua ausência e a minha insubmissão
versos curtos nas pétalas do esquecimento
os figos secos da vida na imortalidade da água.

Com o destino afectivo da insatisfação eterna
a bondade da astronomia no apelo da solidão
vinda das subtilezas do teus antepassados
limite clássico da paciência delicada do tempo.

Juntar um a um os ramos de cana-de-açucar
e no granito do teu corpo o nosso pau-de-canela.
Ser alfaiate e tipógrafo padeiro ou pasteleiro
na abundância da terra na vertigem da poesia.

A LUA SEPARA-SE EM MINGUANTE


"Esta noite a tua boca é a mais bela rosa do universo"
Omar Khayyam

não há meu amor piratas de vidro sério
sim quem diria bandidos com bom coração
que no enjoo e salmoeira do oceano bravío
entre tanto afazeres davam o nó cego à morte.

Matreiros ainda arranjavam tempo e armas
para afungentarem todos os professores das leis
e ficarem de sentinela rendida a horas certas.

Porque a Lua tem fases é uma mulher verdadeira
junta-se em crescente e separa-se em minguante
por vezes eclipses e meses com outras dores.

Contava-me por telefone que também era assim
com o velho dicionário da enciclopédia do amor
nos versos de Khayyam na desconhecida Isfahan.

Amigos! Os piratas deixarem o Vento deitar-se
com a Lua nova toda a noite na mesma cama
a olharem-se no fundo dos olhos até o sono chegar.

SETE BROTOS DE TRIGO


Não penses por ser afável a Lua é fácil de rimar
como o fumo branco soprado do sul pelo Vento
que se vai iluminar sentar-se na torre da televisão
e finalmente feminina desfazer-se em pó na tua rua.

Dizia feliz-ano-novo a tradição do calendário antigo
e sonhava haver um espelho indicando o caminho
mas primeiro sem pressas deixa-me ser amante em ti.
Podia ler-se no ecrã no ínicio precoce da noite.

-Sete mesas guardadas pelos desejos eternos.
Sete maçãs e secos os sete frutos de oliveira.
Os sete brotos de trigo na seara da primavera.

-Sete pratos escolhidos pelas lentilhas do prazer.
Sete castas servidas com o melhor vinho da poesia.
Vinagre os sete ventos distantes de luas por acender.

COM O BARRO DO TEU CORPO


"As claras noites da tua pele
escurecem os meus olhos estrangeiros"
Sakir Wa’el

Tudo me é tão estranho tão próximo.
Que terei sido ali? Eunuco aguadeiro?
Encantador de serpentes mensageiro do Rei?

Tratador de camelos afiador de espadas?
Sofrendo o siléncio pela suspeição da palavra?
Pela má interpretação de uma simples metáfora?

Soldado-escravatura derrotado na Babilónia?
Condenado ao exílio pela negação do medo?
Oleiro do amor com o barro do teu corpo?

A liberdade do conselheiro principal de Ciro?
Estrangeiro que inventa na escrita da tradução?
Agente infiltrado na rede da insubmissão?
Se tu Lua não estivesses? Que teria sido ali?

2. A LUA ENFEITIÇOU O VENTO




2. A Lua enfeitiçou o Vento

 


"O amor é o astrolábio dos mistérios de Deus"
Rumi (Molana)

METÁFORAS ESTRANGEIRAS


Depois de percorrer tantos caminhos
sentia o formigueiro desconhecido
a incerteza de estar quase a chegar
entre acácias e os abismos da periferia.
Com alguma audácia e os rios do amor
pensava não precisar de mais nada.

Muito calmo até parecia surdo e mudo
desejava que no coração do universo
por entre as árvores e os rios do reino
sem cativeiros ou perigos de se esconder
a Lua apaixonada estivesse à sua espera.

Mas ali sem os vocábulos da falsa vassalagem
e com as suas metáforas estrangeiras mal vistas
só para acariciar e a levar pelo braço até à foz
sabia que assim dificilmente o deixariam entrar.

VESTIDA DE AZUL PARA VER O MAR


"Quem é ela que aparece como a alva do dia formosa
como a lua brilhante como o sol."
Antigo Testamento (Cântico dos Cânticos)

Sim Vento! Do feitiço e da sedução
eu sinto aquilo que só pode ser visto
com os olhos de um coração como o meu.

Não estou vestida de azul para ver o mar
nem por ser fim-de-semana prolongado.
Eu vim aqui para escutar o Vento
para o sentir com toda a minha pele
deixar o meu vestido abrir-se para ele.

Vento descobre a minha intimidade lunar
todas as carícias cálidas por partilhar.
Cultiva as tuas palavras nos meus lábios!
Faz de mim do meu amor o teu planeta.

NO BAIXO RELEVO DO MUSGO


"Prova a doçura da tua boca
Que antes foi flor, abelha e mel" Rumi (Molana)

Foi no baixo-relevo refeito do musgo
na sombra das areias do seu corpo
na paciência fugitiva do desvio tãoimportante
- um pouco acima do miradouro benevolente.

Como a poesia gostou de poder espreitar
o gesto discreto dela de ajeitar a blusa
para se ver melhor a entrada do vale
- a subida branca e inclinada da rampa.

As tempestades dizem-me para ter cuidado
talvez tu só queiras usar húmida e intacta
a minha pele para te refrecares e te sentires
em casa ainda antes do nosso primeiro agosto.

Serias na luz concreta ao caír da tarde
a pedra trabalhada pela profissão dos dedos
nas ruínas protegidas da antiga vila romana.
É ali Lua que secretamente te vou beijar.

A HISTÓRIA DA LUA É A ILUSẬO DO AMOR


Se o Vento não sopra então a Lua arrefece
perde no caminho a cor intensa do seu olhar
e na concha fecha os olhos até ser escuro.
A noite não chegou porque a Lua estava triste!

Entre sinais de muitas cores ainda não sei
que rima ou curta-mensagem devo recordar
como dizer agora o que sentirei por ti amanhã.

Da cobiça citadina de te querer assim
faz-me falta o talento comum dos homens.
São em segunda mão as metáforas que uso.

A história da Lua é a ilusão do amor
a perfeição intangível do irreal feito sonho
a linha profunda dos corações que se cruzam.
Tu és a minha primavera ouviram-no dizer.

DO PLANALTO DO MUNDO


Sentia-se sózinha abandonada sem razão
por isso discretamente escondia
a luz natural dos seus olhos
para da ausência o Vento não saber
que era por ele que estava tão distante.

É verdade a Lua já não está no céu!
Sim eu sei respondeu sem pensar.
Ela está a brilhar dentro do meu coração
entre amantes e desejos bem guardados
para as noites de todos os desencontros.

Mais tarde até parecia mais jovem
por onde passava a correr feliz o Vento
que desde novembro espalhava a boa nova.
Dizia que na quietude do planalto do mundo
esculpido na alma discreta o seu sorriso diurno
porque o seu olhar de rosa estava lá de novo.

PRÓXIMO EQUINÓCIO


Sabe que o Vento quer mudar de vida
ser pássaro livre estar mais perto da Lua
que cresce em campos de morangueiros.
Lá onde até o imposssível acontece
papoila vermelha resistente feita mulher

Lua com a ajuda das outras estrelas
um dia estou mais que certo serás minha
pois é por ti que as palavras não descansam.
Escrevia na noite para adivinhar a madrugada
se não há Lua não há vida em parte nenhuma.

Benvindo seja poder sentir o perfume lunar
viajante diferente que parece a oriente de mim
na serra mais alta do próximo equinócio.

Adormeci sonhando com o teu telefonema
de manhã quando acordei Vento acreditas?
Senti que estava contigo entre as nuvens a voar.

A IMPERFEIÇẬO DA MINHA IMAGINAÇẬO


Foi ele que me disse por isso me apago
já não é a Lua quem o Vento deseja.
Se é verdade se foi assim como dizes
sou eu irmão de feiticeiro que levanto a voz e digo:
-Vento não sabes nem o que dizes nem o que sentes.

Palavras são só palavras eu não sou bela
tu já não sopras nem um pouco para mim.
- A alegria dessa tarde não pode negar a verdade

Tens os olhos mais lindos de todas as estrelas nocturnas
e por entre as dunas do céu o sorriso mais encantador.
-Olha que o Vento da sorte não merece tanta fortuna.

Perdido perdidamente por ti assim estaria
se depois da tua ousadia não te tivesse encontrado
trazido para a imperfeição da minha imaginação.
Poder levar-te para a ilha erguida sobre a pedra
e ser possível ter-te em mim durante a viagem.

UMA MẬO MORENA


"Apenas a lua
ilumina a neblina dos meus sonhos" Sakir Wa’el

Nesse momento em que estavas a pensar?
- Pensamento proibido por um diabo qualquer.
Como contar sem lágrimas e um final feliz
comemorado com festas e arraial popular
a história de amor entre a Lua e o Vento.

Como um cálice verde aberto de vinho
do bom entre os dedos de uma mão morena.
Um cálice de Lua de vinho novo e muito amor
que límpido reflicta os teus olhos ainda com roupa.

Felizmente a madrugada cúmplice e camarada
para não desfazer a ilusão e iluminar a planície
a seara sem tempo na decisão arriscada do sonho
nunca chegava antes do pão da hora marcada.

PORTO DE ABRIGO


Não têm passado pela descida perigosa do rio
o futuro adiado do mar que falta por inventar.
Juntos não são mais que presente provisório.

Sim acredita para muito muito tempo
a Lua vai fechar uma a uma as suas janelas.
Mesmo que teimosa no seu orgulho
caprichosa a Lua feche todas as janelas
o seu coração terá sempre as portas abertas.

Como sabes isso? Quem te disse?
O Vento sabe muito mais do que diz.
Errante leva séculos a errar para aprender.

Porque doação e donativo das metáforas
em cada dia por bairros ruas e bosques
essa é a Lua que nunca deixou de procurar
e que por fim encontrou no porto de abrigo
perdido para lá dos versos, do espelho antigo.

OS DEDOS HÚMIDOS DA LUA


"A solidão
é ouvir como se apagam as estrelas" Sakir Wa’el

Na pausa nocturna para se secar na areia
depois de se banhar no estuário do rio
dizem que os dedos húmidos da Lua
quiseram acariciar a tua face esquerda
mas o Vento vagabundo já não estava.

O Vento na divisão da fome matinal
na soma das parcelas das mãos
pedia a luz da Lua só para ele.
Por nada sabia não ter esse direito
mas era mais forte que a razão.

Um dia o Vento e a Lua vão-se encontrar.
Não! Eu estou no céu e não me posso mover
mas Vento pode ir e ninguêm o pode impedir.

A noite desejada do novo eclipse aproxima-se
enquanto dormes Lua e eu ainda não voltei
brilha,  brilha linda e pensa um pouco em mim.

UM DESENHO EM PAPEL DE CARVẬO


Do lado de lá da ternura sentia-se a maresia
desse sorriso aberto ao mar profundo
no espelho do seu riso sem fronteiras fechadas.
A dimensão pérola-negra do seu olhar.

Intenso como se um arco-irís dentro de mim
o esboço de um desenho em papel de carvão
de um segredo que seria apenas para dois.

Meticulosa doçura sabia-me a doce desse país
entre mensagens distantes e muitas promessas.
As juras de prata não me permitiam dizer mais.

Para aterrar entre as tuas pedras redondas
para me refrescar Lua eu voltarei à tua luz.
Pois anónimo e definitivo só agora entendeu
que tu és o príncipio do seu próximo destino.

INVENTAR PALAVRAS E SEDUZIR


"Last night
my Beloved was like the Moon
so beautiful!" Rumi (Molana)

O vento mudou de direcção diz a Lua.
Nem uma mensagem uma folha caída
um ramo de oliveira uma azeitona no chão.
O teu pensamento a esvoaçar junto aos lábios
à janela da casa da minha intimidade.

Um dia haverá prometo meu amor
nem que seja apenas na noite derradeira
quando a Lua ternamente se insinuar
e ousada se acomodar nos braços do Vento.
Juntos viajarem com a poesia para a eternidade.

Poder dizer que foi pela Lua nova
que Vento não vim somente para soprar
saber equilibrar-me sobre as pedras verdes
e não escorregar quando atravessa o rio.
Nasceu para inventar palavras e te seduzir.


3. De Longe as Palavras


"A argila murmurava ao oleiro que a moldava
lembra-te que já fui como tu, não me maltrates"
Omar Khayyam

LONGE DE TI COBERTA DE PALAVRAS


"Um pedaço de pão, um copo de água fresca
a sombra de uma árvore e os teus olhos"
Omar Khayyam

Desenha o arbusto que disfarça a consciência
aprende a matemática que avalia a paisagem
interpreta o velho falcão que brinca com o fogo.
Estaria à espera do pão que alimenta o milagre.

Mas não de nenhuma revolução milagrosa
de basalto e metáforas promessas e utopias
velhas igualdades divinas agora sim verdadeiras
feitas de barro vermelho e de pessoas sem nome.

Ilusão de ferro é de ti que estou à espera dizia.
Até as serpentes a fingir que dormem na pedra
o que querem é chupar os peitos bem feitos
madrasta avantajada da nação-mãe que caminha.

Mas não há cabelos matinais despenteados
olhares furtivos que insinuam beijos gratuitos
não há carícias clássicas guloseimas definitivas.
A poesia essa adormece sózinha a horas certas
fora de portas longe de ti coberta de palavras.

UM RIO NAVEGANDO O DESTINO


"Se os amantes do vinho e do amor forem para o inferno
deve estar vazío o Paraíso" Omar Khayyam

Disfarçam-se na noite das estrelas opacas
nos ladrilhos do pátio trabalhados à mão
com promessas rios sem pontes levantadas
na encosta do coração virado à luz da Lua.

Acontece tudo o que não me devia acontecer
mas estar longe torna inútil pensar nos perigos
de serem descobertos pelos guardas obstinados
soldadesca impiedosa de pelo mal o pior fazer.

Nem que as túnicas permitam decifrar as pernas
as sombras altas ou o lume brando das madeiras
as madeixas do porto que só o corpo é pecado.
As espadas do frio que nem no inverno se calam.

Com a aranha suspensa no fio das nossa vidas
da argumentação contra o paradoxo e o absurdo
umas férias no estrangeiro como recompensa
e um gavetão de papelão à espera no paraíso.

Cada dúvida era uma palavra um beijo caído
e cada jura um olhar de cobre muito antigo.
No fundo do mar no tapete para adormecer
o teu sorriso era um rio navegando o destino.

CAMINHANTE DO PASSADO


"So I began to change into my best clothes
in hopes of joining you,
even thought I live a thousand miles away" Hafez

Como se da negação caminhante do passado
peregrino comum mandatado por ninguém.
Chegou bem cedo sózinho e de bicicleta
às ruínas exteriores do presente do indicativo.

Explicou em duas palavras a sua missão.
Procurava as telhas em estado aceitável
os azulejos mais antigos no relevo da ficção
os vestígios secos das acácias da saudade.

Colecionava paredes pintadas do ventre
quanto mais ousadas melhor mais valiosas.
A humidade e o perfume particular do rosto
que encontrou no velho mercado do desgosto.

Depois juntar tudo com as carícias do costume
a perfeição artesanal do desejo vindo de longe.
Queria refazer de novo as janelas da memória
tão simétrica como o encarnado dos teus lábios.

PRATAS ROUBADAS


"Correrei atrás dos meus amantes
que me dão o meu pão e a minha água
a minha lã e o meu linho
o meu azeite e a minha bebida"
Antigo Testamento (Livro de Oséas)


Vinham organizados da Creta antiga
famosa pelos seus búzios gigantes
para surpresa formal de muitos cronistas.

Eram criados em viveiros municipais
sedimentados pelo estrume animal dos outros
e pelas troféus cabeças dos bois selecionados.

Traziam para amostra e sedução arquitectada
todas as novidades da bijuteria feminina
pratas a peso roubadas à força pelos soldados.

Que aumentavam a competitividade da oferta
sem a orgia original do mercado e o focinho da lei
enquanto a produção local bebia mais uns copos.

Enfeitada em penas luxúria e lingerie e profecias
morcegos nos aposentos cosmopolitas de veludo
trocas e baldrocas pelos corredores perfumados.

Salas de fumo que hoje seriam incluídas no preço
apelativos de lucros finitos e ternuras sem fim.
Já então sabiam que seria impossível ter mais prazer.

A CIDADE DE MÁRMORE


"Como será o mar sem ti?
Vão-se converter em areia as minhas recordações?"
Sakir Wa’el

Quando chegam às praias do velho continente
ao lado sensual do livro posterior da pedra.
Sentam-se à volta do fogo e desfazem-se da sede
com desenhos de pessoas irmãos e alguns animais.

Em vida pensam nas vantagens materiais da fé
das promessas nas horas do tudo ou quase nada.
Por isso vão para casa mais cedo para lerem
acabarem o livro antes do sono da último noite.

Pode ser que caminhem lado a lado pela rua
que o patrocínio pedido dos amantes chegue a horas.
Que os nossos dedos de tão perto nem se toquem
mas nessa distancia de nada lá estará todo o amor.

Agora falta apenas o navio fazer-se ao mar
contornar com as mãos a cidade de mármore.
A solidão persa das dálias de uma princesa
e na verdade do fogo por ti recomeçar de novo.

LASCIVAS DA TENTAÇẬO


Eram redondas e grandes as cebolas de Renoir
escolhidas ciganas pelas mulheres no cebolal
latinas recriadas pela grande poesia de Neruda
para internacionalistas serem vendidas em Milão.

Palavras amargas do rouge raro da contradição
duras como a liga de ferro fundido da pasteleira
com sabor a sorte da última narrativa caseira
das esquinas cercadas pela fábula final da solidão.

Por dentro lascivas da tentação quem diria
que do fumo até os bicos de betão tão duros
falavam do prazer do fogo e dos bombeiros.
Escreviam de lábios ardentes e bocas de incêndio
da ponte pedonal dos seus passeios bem abertos.

Abismo ou mordomia um devaneio cultural.
Discutiam intensamente a diferença principal
entre o orgasmo físico e o orgasmo intelectual.
O primeiro da química profunda vai-se em rosé
e o outro mais fino vêm-se em máquina de café.

BELAS E PÚBLICAS ESTÁTUAS JOVENS


Construiam com cordas roldanas e tira-teimas
alimentação saudável e grelhados no carvão
andaimes de verga e vigas das mais seguras.
Viviam intensamente a época os novos desafios.

Que um dia o vai-e-vêm espacial made in China
de liga importada o táxi amarelo logo-feito passarão
todo o ano nos vai levar numa só noite a Neptuno.

De volta contrabandistas virão carregados
com caixotes afrodisíacos pilulas do dia anterior
de plantas medicinais turistas da terceira idade
e algumas belas e públicas estátuas jovens.

Bons artifices gostavam tanto do que faziam
que os mais antigos das folhas e ramos verdes
fizeram um alpendre com a figueira do quintal.

Fabricaram lenços de assoar de nariz todo-conforto
e como na primeira criação da água tangas ousadas
para usarem no verão na praia privada da elite verbal.
A réplica pecadora desenhada por debaixo do avental.

PELA NOITE DENTRO


Se tantos antes de vós esperaram anos para serem
apenas o amor comum sem mágoas e sem surpresas
sem denúncias ou castigos intensamente um do outro
sejam determinados mas não sejam impacientes.
Façam por encurtar as distâncias da sublimação.

Como gratuitamente se lavavam na humidade do lago
persistiam todos os dias todas as semanas do ano fiscal.
Amenos protegiam as árvores ameaçadas de extinção
desconheciam ainda as garrafinhas de água mineral.

Usavam apenas comprada uma toalha turca-otomana
a comerciantes honestos e marketing de excelência
com verbos a compasso e quilos de argumentação.
Tão bons que para vender às laranjas diziam portugal.

Laranjeira longe da mão do fatalismo do caminho
de ruas e de avenidas aparentemente proibidas.
No contexto do destino na sombra das palavras
de outra aventura fora de portas mais que o sonho.
Esse segue em frente decidido pela noite dentro.

A SERPENTE FEZ-SE GUIA NA CAMA


"Retirar-lhe-ei a minha lã e o meu linho
com que cobria a sua nudez"
Antigo Testamento (Livro de Oséas)

A mesma serpente-folia que os levou feita guia
à casa de pasto mais afamada do entreposto-livre
ao nascer do dia quem diria era fino bailarino
com ferramentas pinta-paredes nas horas vagas.
Rico tingidor de seda com cavalos topo-de-gama.

Da surpresa em surpresa de balcão veio a saber-se
que judeu-poliglota era mensageiro do rei
e cantando repetia as noticias do dia anterior
com livre-trânsito pelos salões de prata do palácio.
Era bem melhor que acabar na judiaria fechado.

Perfumado passeava pelos jardins piscinas e balneários
para ver princesas boazonas e amigas ainda melhores
criadas aos molhos escolhidas a dedo de todas as cores
com a ternura mui-sensível da antiguidade assexual.
Roupa nenhuma a tomarem banho na água termal.

Nada de branquear a memória pata-choca da afirmação
isto foi antes da chegada da idade negra dos ferrolhos
do fogo da razão dos dogmas à força das espadas
da verdade da lapidação e outras guerras perdidas.
A serpente fez-se guia na cama e ninguêm protestou.

A PRIORIDADE DO IMPÉRIO


Os monges barbudos na casa grande isolada
do alêm destilavam com a ajuda do saber fazer
a água pura da vida que afastava para bem longe
a morte próxima e outras doenças de contágio.

Doenças de gansos e de fígados estrangeiros
trazidas de fora juravam olhando o céu do Egipto
pelos berberes pecadores e outras cercanias mouriscas.

Mais a limpeza corporal que na Europa de então
não tinha sido elevada pelo poder lúdico e temporal
a prioridade do império no centro parado do mundo.

Com eles os nossos repetem com inabalável convicção
a luz começou a brilhar com os sábios e alambiques
a matemática das cozinhas mais a astronomia interior
com mapas-mundo e ala-que-se-faz-tarde para lá chegar.

Das roupas alegres quem se lembra das pilhagens
e do estrupe organizado dos cruzados e cruzeiros
dos exércitos do povo sobre as mulheres indefesas.
Da ocupação das terras e dos que sempre ali viveram.

TERRA PARA SALGAR


A casa é de terra com algum sal para salgar
os santos constipados estão ajoelhados no chão
e os sacerdotes com uma valente pneumonia.
Coitados do dilúvio passam frio que se fartam
com lama e arrepios para o resto das suas vidas.

Oxalá Deus se tenha esquecido no escritório
no arranha-céus a punição exemplar anunciada.
A culpa é dos infieis que deviam ser em jovens
besuntados em azeite grosso o dorso dos rapazes
e os cabelos compridos com piolhos das raparigas.

Para os que não tem ciência e lábia desenvolvida
conhecimentos de caligrafia e latim superior
e outras línguas civilizadas com lanças bem afiadas.
Da rocha mais afastada serão lançados ao mar
para cadelas de caça aprenderem cedo a nadar.

Sem livros e pergaminhos das cidades gregas
medicinas alternativas que o prevísivel futuro
pouco promete com o novo-cristão Constantino.
Estatizado e oficial Deus deixou de ser de todos
passou a ser da santa hieraquia e dos poderosos.

SENTADA NA MURALHA


Paredes do melhor mármore renascentista
abóbodas pontiagudas do design italiano
como a porcelana do perfil de donzela prendada
a mostrar distraída um pouquinho do joelho.

Os arcos eram redondos os pilares de granito
como os ombros largos dos homens-armário
leais defensores da tão virtuosa hierarquia
vossa senhoria às suas ordens ó fraseologia!

Voltando à doçura da imagem anterior
sentada na muralha desfraldada pelo vento
pensativa de Rodin tão aflita pelos atrasos
do salário pequeno e da barriga a crescer.

Na cidade sonolenta quem vai assim acreditar
que verbo tanto lhe falou de Cristo ao ouvido
do baptismo na tina nas águas do Jordão
de ser uma flor escolhida para a devoção.

Histórias de pilares com guaritas e arcos exactos
da cal da argumentação talento e misericórdia
janelas altas abertas à tentação que não dorme
seja criado ou trovador seja bispo ou sacristão.

PERFIL DE ENIGMAS E INTIMIDADES


De perto a língua parecia de cão ou de gata
dizia intelectual com voz um pouco cansada
entre o copo convite e o cachimbo de classe
e a meia-luz japonesa da salinha do bem estar.

As paredes tinham sido decoradas há pouco tempo
recados de erotismo com motivos de bom gosto
e sem o pudor reacionário de épocas anteriores.

Deixam-se facilmente convencer a passar o tempo
com o pão caseiro do sorriso a saber do que gosta
próximo do teu perfil de enigmas e intimidades
e do jogo povo no palácio da sublevação sem idade.

Nas silêncios e possivelmente nos ramos dos beijos
que se deslumbram com os seus jardins interiores
- os desenhos húmidos nos recantos do teu corpo.

COLECTIVA A SUBMISSẬO


Hoje os tempos são outros é verdade
mas apesar da melhor imagem nada mudou
a imposição das crenças e dos costumes
foi sempre um privilégio dos vencedores.

A ideologia inquisidora da intolerância religiosa
quase foi invenção do Vaticano e seus concílios
depois com a habitual vulgarização do produto
outros a desenvolveram e aperfeiçoaram melhor.

O contencioso histórico das duas verdades
a de deus e a dos homens que o inventaram
desde o axioma absoluto ao dogma indiscutível
com o pensamento livre e racional de tão poucos.

Será que há dúvidas quem irá ganhar outra vez?
Não é a democracia a vontade da maioria?
Para fazer o resto lá estará colectiva a submissão
a sofrer para assim podermos merecer a eternidade.
A tomar conta da consciência da nossa resignação.

NẬO FOSSE O POVO MIÚDO


No filme escuro da lentidão que ficou
os quatro doutores da Igreja de Roma
até parecia que tinham visto o diabo.
Não olhavam a nada deitavam tudo ao chão
corriam tinham pressa em acabar a missão.

Em sentar no trono do ouro e da opulência
colocar a coroa de rainha na cabeça de Maria
das mãos dos que ainda ontem a queriam lapidar.
Não fosse o povo miúdo pensar coisas de tontos
que era uma das suas  irmãs uma das suas filhas

Nem os sábios nem os líderes eleitos os outros
nunca aprendem nada e nós ainda menos dizia.
- Os operários só não chegaram de vez ao poder
porque em casa não ajudavam as suas mulheres.

A estender a apanhar a roupa a lavar os pratos
em casas equipadas com todo o tipo de máquinas.
- Se tivessem sido verdadeiros companheiros
hoje gordos estavam confortavelmente instalados.

TROCANDO OUSADAS MENSAGENS


De pé construia e moldava refazia para esquecer
a escrita em pergaminho na grés livre do pensamento.
Comercializava lotes de café da melhor qualidade
tabernas proletárias quando a história ainda dizia não.

Deixava-se ficar sentado trocando ousadas mensagens
materializando a conquista com um artigo de combate
nas folhas da palma da mão que servia de mata-borrão.
Anunciava a libertação eminente dos presos politicos.

Uma placa com uma frase escrita à pressa na parede
um futuro trocadilho adiado para tempos menos cinzentos.
O portão da luz da modernidade e da indignação vigiada
abriu-se como girassol que se rasgou e só ficou o verniz

Manda quem pode e obedece quem deve dizia o advogado
porque o santo Papa é finito mas não a Santa Igreja senhor juiz.
Que um marinheiro verdadeiro quer queiram quer não queiram
partilha uma mulher com o bom deus e meia-dúzia com o diabo.

CABEÇA FRIA LÍNGUA COMPRIDA


Escribas mais baixos e outros bem parecidos
templos sagrados por dentro e por fora
de Júpiter bonitão e de Jerusalém de todos
alguns contabilistas da Suméria velhinha.

Cabeça fria coração quente língua comprida
igrejas dos outros por profanar destruir e incendiar
mais tarde também na ponta afiada das espingardas
como em Barcelona livre e da fúria revolucionária.

Na capital do vazío o edíficio central dos correios
foi por fim classificado património nacional
para guardar para a história a memória pacata
e apreciar a velha arquitectura do estado novo.

Apesar da estratégia delineada pelo consultor
o serviço postal andava a pé continuava medíocre
mas havia uma grande vantagem de justica social
- havia muito gente que assim não perdia o emprego.

AMOREIRAS DA CIDADE


"Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra."
Novo Testamento (S. João)

Já então com o segredo da seda e do alfabeto
vencedor o touro bravo do alto dos seus cornos
ferro em brasa representava o poder do macho.
Era símbolo genital do domínio sobre a fêmea.

Da escrita feminina nas amoreiras da cidade
sobressaia a dignidade das begónias da Babilónia
o sonho antes do tempo da legislação laboral
as casas estrangeiras de câmbio na Mesopetâmia.
As bibliotecas profanas culpa da fertilidade liberal.

Assim como o vinho tinto kosher da única videira
do almoço ligeiro cópia da penúltima ceia de Cristo.
Videira que crescia sobre a campa rasa de David
enfeitada por romãseiras carregadas de romãs doces
como se não tivesse sido rei o melhor entre os seus.

Tinham comido pão seco molhado no molho da traição
que era na negação o próprio regresso à puta da vida
pois enquanto o simples irmão lavava os pés ao povo
outros chafurdavam as mãos na água benta da mentira.

A TERNURA ERUDITA DA TERRA


O império de Bizâncio durou mil anos
o amor dos banhistas nem um só verão
que multiplicado pelas areias a queimar
se revê nas lágrimas acesas da sobrevivência
e nas mil e uma noites da vossa paixão.

O Rei Salomão gostava de repousar sentado
encostado aos troncos dos melhores cedros
comprados a crédito cortadas por mãos hábeis
aos inimigos da eternidade felizmente finita.

A ternura erudita da terra vulnerável dos outros
glicínias da resistencia nos baldios da dignidade.
Uma sensatez social como um frasco de conserva.
Um desafio de alguidares e algures os teus lábios.

Lordes ladies cavaleiros gatunos e merdas
eles quase todos eram avôs pais e barrascos.
Não conheciam o comprimido nem precisavam
cultivavam jovenzinhas com as criadas da casa
e nas camas deitadas as galdérias milagres faziam.

IGUALDADE DA REVOLUÇẬO SEXUAL


Que bom seria poder dizer se alguidar é lavatório
azenha é berbigão para surpreender a rima na água
manhas sem pudor e tácticas de envolvimento
com muito arder para adultos e cenas de sexo puro.

Da igualdade destapada da revolução sexual
jurava que se podiam cortar as urtigas da igualdade
com as fortes ferramentas emprestadas do vizinho.
Acordar de manhã com as pernas abertas ao mundo.

Com a antecipação da época dos saldos da crise
escrever ser barata a carta de condução para todas
mais o apartamento próprio e o empréstimo bancário.
O road-show promoção da legalização do aborto.

Promessas das roupas espalhadas pelo chão.
As gavetas reviradas da fúria em noite do ciúme.
Mas no dia seguinte cadeira não faças das minhas nádegas
o escadote prateleira dos teus livros que ninguém quer ler.

NO LIVRO SENSUAL DAS PEDREIRAS


Quando chegam a este envelhecido continente
aos bosques mais húmidos das tuas sombras
no lado direito do livro sensual das pedreiras
fazem desenhos altivos de pessoas e animais.

Recordam o primeiro negócio audio-visual
o segundo pecado batota da terceira serpente
e o espírito olímpico das medalhas perdidas
enquanto carmim se dissimulam nas areias.

Pensam nas vantagens da fé de algodão em rama
das recompensas na hora da fava e do juízo final.
Do bolo-rei importado irem para casa mais cedo
e lerem o livro antes que o sono chegue certeiro.

Depois há que contornar o oceano em viagem
cercar de ardósia feliz o horizonte da tua paixão.
Acreditar uma vez mais na intensidade do fogo
e com as mãos abertas reconquistar o teu coração.

A PREDESTINAÇẬO DA MENTIRA


Da decadência a cidade era a última etapa
nessa peregrinação malfadada da história
pela sistematização do corno do fatalismo
e a destruição abrangente de todas as dúvidas.

Eram ainda do tempo dos primos do rio Jordão
quando pobres e perseguidos os profetas
andavam de sandálias ou mesmo descalços
misturavam-se com todos e não tinham manias.

Naqueles outroras ainda não eram gente
não atiçavam o fogo justo dos descontentes
que sabiam esperar pacientemente as cinzas
e seriam nos caminhos o asfalto dos milagres.

Regimentos de carneiros e ovelhas barrigudas
escondendo a predestinação da mentira feita lei
era discípulo predilecto dos sábios do sol-nascente
a primavera descascada do medo feito traição.

Cantor privado de frases feitas e sem tomates
- não me toques sua puta gritava quando se distraía
e o perfume se acabava chega para lá essas mamas!
Mas fazia carreira a sério. Já então era assim o futuro.

O ANTIGO TESTAMENTO REVISTO


"O meu amado é para mim um ramalhete de mirra
morará entre os meus seios."
Antigo Testamento (Cântico dos Cânticos)

O Antigo Testamento foi revisto retocado e censurado
os ditos eram decepados e dependendo da dimensão
entregues aos cuidados das lagostas e dos crocodilos
inspectores contratados contra a nossa determinação.

As cujas redondas de cada gosto seu paladar
coisas eram tapadas e recheadas de alcatrão
com o pecado barrado pelo luto triste da censura.

De novas raízes manipuladas por demónios precoces
que até no Livro Sagrado de prazeres se infiltrou.
Só um bom castigo permite regressar à vida exemplar.

Com a monção fria do pesadelo e da escravidão
subiam as muralhas das derrotas e do mau sono
a pé pelas escadas apertadas até às torres do remorso.
Era cada vez mais noite de insónia e de escuridão

NA LEVEZA DOS SENTIMENTOS


"Yes, I can see now."
Charlie Chaplin’s City Light (the end)

Nos caminhos cosmopolitas para a praça da tradição
usavam o mesmo basalto na calçada das avenidas.
Nos parapeitos das janelas ainda poucos acreditavam
que inesperadamente podem ser mais rápidos que a luz
nos pensamentos incertos e na leveza dos sentimentos.

Nos vestígios da melhor arquitectura feita lava do vulcão
do amor livre do mundo milenar da nossa alegria à chuva.
No seu designío gostariam de chegar com a noite mais curta
acordar na fome das madrugadas e os pescadores libertar.

Conversar sobre a ponte do sonho no topo da esperança
com os amantes inevitáveis e os amores impossíveis.
Ficarem à espera que o tempo e alguns navios ajudem
a levarem sem tempestades o Vento ao coração da Lua.

Talvez consigam abrir as represas sem levantar as pontes
desnudar a tarde com as amarras impróprias da navegação
quando na hora da partida os sentidos se encontrarem no cais
a gentileza da brisa e do mar do sol e do ar permitir a partilha.
Porque escrever é também um acto solidário da nossa solidão.

Pedro Assis Coimbra

Budapeste (e outros mundos percorridos com o coração) 2010-2011.