domingo, 22 de março de 2009

CHE CAMILO & BUDAPESTE


1. Mesmo na época mais acesa e mais autêntica dos meses
de festa e liberdade de Abril e depois o fascínio e a devoção
eram tão fortes que não tive no meu quarto o poster de El Che
o Guerrilheiro Heróico que cada um de nós queriamos ser.
Perdi o conto às vezes que comecei a escrever as palavras
o tributo que tanto queria dedicar e nunca consegui.

A sua coragem o desapego aos bens materiais.
Ele era o clarão da esperança no inverno da noite
o filme a preto e branco da Sierra Maestra do Diário
da Bolívia. O Comandante era demasiado ícone
para ser escrito por um jovem simples como eu.

2. Mais tarde já em Budapeste recebi de mi hermano
Arturo de Habana as suas obras em nove volumes.
Descobri um novo Guevara. Não era apenas o Che
do cartaz da fotografia eterna de Alberto Korda.

El Comandante mito de tantos intelectuais
mitologia de tantos jovens estudantes e operários
do marketing politico perfeito do culto divino
e dos murais gigantes do sonho e do engano.

Guevara era também o líder revolucionário
metódico e profissional frio e implacável
para ou os pretensos inimigos a revolução.

3. Com os créditos do Comandante Guevara
do conhecimento do que tinha lido tenho uma história
linda juvenil que não consigo não contar.

Uma bela noite um grupo de estudantes de economia de Paris
visitou o disco de 6. Feira à noite no Kollégium da Ráday.
Havia um português que não tocava piano mas falava francês.

Discutímos as perspectivas da revolução mundial
a sua exportação altruista para o 3. Mundo e bebemos
em copos de plástico vinho do bom. Egri Bikavér.

Foi quando senti ter a bola na marca de penalty
que se golo poder ganhar o jogo da argumentação
rematei com uma frase do Diário que sabia: "se avanço
sigam-me, se paro empurrem-me, se recuo abatam-me".

Acabámos por ficar dois no final da noite no início da magia.
Um inesperado sucesso da táctica e da estratégia revolucionária!
Une jeune belle et jolie de Paris muito mais fascinada pelo Che
que por mim mas tive sorte quem ali estava não era ele era eu.

Desde então nem as francesinhas no prato na cidade do Porto
de que tanto gosto me sabem tão bem como a francesinha
daquela noite de guerrilha por serras bosques e colinas brancas.

4. Na verdade nessa época eu já estava mais interessado
em Camilo Cienfuegos a quem dediquei poemas que depois
não guardei na triologia El Comandante del Pueblo.

Durante anos em momentos carregados de emoção
e partilha acompanhado pelos meus amigos cubanos
eu também lançava da Ponte Szabadság a que ficava mais perto
da universidade uma flor - a Flor de Abril - como faziam
todos os pioneiros e jovens cubanos onde quer que estivessem.

No dia 28 de Outubro o avião que transportava Camilo
desapareceu no mar. Nunca se encontrou nem o corpo
nem os destroços. Em 1959. No dia seguinte completei um ano.
Viviamos no ignorado e insignificante Portugal de Salazar.

5. Eu não acredito! Cheira-me a teoria de conspiração de cordel
mas ainda hoje se especula se foi um acidente ou atentado
se os irmãos Castro não terão estado envolvidos.
Se um dia os livros de história os absolverão ou não?

SOFIA DE SÓFIA E OUTROS ÁLIBIS


1. O lobisomem em noite de lua fechada
para obras de restauro e renovação dos enlutados
comia noite dentro uma apetitosa pasta italiana
bela adormecida mulher madura mulher alheia
das alheiras ainda sefardistas de Portugal.

Mulher da vida disponível a arder sem se ver
por causa dos atrasos do pai das suas filhas
do salário bebido até as últimas patacas
com os amigos no álibi cervejaria da Baviera.

2. Nem a tampa tapa a panela mesmo que a massa
se queira mal cozida e nem a tap destapa o véu
quando não voa para as ilhas no Atlântico
e outros destinos internacionais nas balcãs
das zaragatas pelos melhores balcões.

Não aterra porque os seus comandantes
e pessoal de cabine no seu direito de cidadania
estão em greve nos piques da Páscoa e do Natal.

3. Com estrutura gritos e saltos de Tarzan
e imaginem ainda não se tinha nem cruzado
com aquela caipirinha que se não era brasileira
era brasileirinha o mesmo gosto o mesmo olhar
um pouco apenas mais branquinha que Jane.

Tão pouca roupa e tanta coisa boa por perto
sem perigo algum tanto bom fruto da selva
por descascar e comer muito muito devagar.

4. Uma filha com uma mãe assim
pode dançar a noite toda ficar em casa da amiga.
Voltar apenas com o primeiro autocarro da manhã.

Pode ficar descansada dizia Sofia de Sófia
pois tem à sua espera o chá quente na chaleira
e no frigorífico o iogurte dos corpos bonitos.

5. Fruto da relação secreta da carta fechada
com o carteiro de cabelo curto e louro
- todas as morenas do bairro suspiravam por ele
do descuido da feiticeira no último dia da feira
sobre a carteira da escola primária para adultos
 - vinha a caminho a carteirista do coração.

Para salvar a família da vergonha a cinza do cinzeiro
casou-se à pressa com o irmão cachimbo de Magritte.

NELSON MANDELA – AMANGLA!


1. Nelson Mandela – Amangla!*

Birds came, compact clouds
indisntrutibles and coloured
thousands and thousands!

Came, oceanic, from Pacific, from Atlantic
Came, warm, from poles, from icebergs
Came, strange, from unknown universes
Came, miners, from depth of the earth
Came, lightning, from inhospitable caves of the heaven
Came, powerfulls, from giant trees of the African jungle.

They land smoothly and carefully
in the lange and black leaves of the night
of the wild horses, of the wild horses
of free man, of free man!

Came, and announce that morning
wake and stand up,
earlier than usual
because the moon, will be mother
liberty will be soon, Nelson Mandela.

Birds, all together, at the same time,
open their wings, allowing day beeing
brighter, intimate and free,
and night, feminize, more night
evitating unsucceed operation.

Allowing scourge, being
timide but bright smiles
of whom, that mistaken flagellator and escape.

Allowing chains being
stronght wrist, at level of watching towers,
lenghty fingers, pointing directly
to the watcher’s weart.

Allowing, prison, prison, being
tiffon of flowers, of seeds, of eguality
and stone walls, stone walls, failling
at a child’s blew.

Allowing Mandela’s return,
showing his clean hands
to brothers,
and rainbow came
to drink the nectar
of the tunder of the warrier rain.
Birds return sad
but not defeated!

It will be another morning,
another sunrise, another sunset.

“Good bye Winnie! See you soon!
See you soon love!
Till yours, till our liberation!”

Wild horses, wild horses.
Free man, free man.
*tradução: Eduardo Rosário Dias.

2. Este poema dedicado a Nelson Mandela
comecou a ser escrito em Julho ou Agosto de 1979
nas Portas-do-Sol em Santarém com o Nuno
por perto antes da minha emigração definitiva.

O meu irmão adoptivo Eduardo R. Dias
oficial da marinha portuguesa capitão de Abril
fez a tradução em Janeiro ou Fevereiro de 1980.
Não ficou nenhuma cópia do original em português.

3. Menos de um ano depois em Lisboa
durante as férias do curso de doutoramento
de acesso à Academia de Ciências da Hungria
de madrugada o meu irmão Eduardo morreu.

Nessa época ainda não havia o telemóvel
a internet a aldeia global mas as más notícias
essas já então chegavam depressa demais.

Um dia à noite de um telefone público avariado
liguei para o meu pai que me informou
ter lido nesse dia no jornal a notícia.
Eduardo R. Dias tinha sido membro do gabinete
do Primeiro Ministro Vasco Gonçalves.

Jamais poderei esquecer a tarefa que assumimos
que partilhei com o Arnaldo Rivotti
pois sózinho não saberia fazer.

Anunciar a sua morte a uma jovem amorosa
que apaixonada o esperava em Budapeste
católica practicante da católica Polónia.

Deus sabe que é assim. Jamais poderei esquecer.

A CABELEIREIRA O PINTOR E A FRONTEIRA


1. Chegaram nos afluentes da madrugada
com as raízes castanhas da água fria
esmiolando as pedras da ponte
refazendo com nuvens das luas loucas
ungentes comuns e lábios gretados
às duas da manhã a vida inteira.

2. Porque nos leva a escrita a sonhar
árvores folhas flores e frutos silvestres?
Mesmo já depois dos cinquenta
porque se encerra na escrita a ilusão
teimosa que nem uma burra velha?

3. Explicava à jovem Tünde
a minha cabeleireira preferida
que já me esqueci a partir de que idade
assumi este ritual de barbearia
de na primeira semana de março
- já trabalhava e vivia na Hungria -
cortar o cabelo como fazem os burros.

Março é em Portugal o mês dos burros
porque à procura de par ainda zurram mais
ficam com muito calor a preguiça aumenta.
Comem mais do que trabalham e por isso
pensam os donos - para burro já bastas tu -
quando os levam à tosquia para refrescar.

Fui tão sério e formal que a Tünde
e as outras senhoras que arranjavam as unhas
os cabelos e que pintavam os olhos
se punham bonitas para à noite agradarem
aos maridos e aos namorados
fizeram silêncio para ouvir a nossa conversa.

Nesse mesmo dia contava ao István
como é bom ir a uma barbearia na Hungria
e à custa dos burros ter público e que público!

4. Segundo ele no médio-oriente da época
os mais abastados tinham cavalos e camelos.
o burro era como o volkswagen o carro do povo
e eu pensei: aqui seria o lugar do anúncio pago.

A comida aos magros e os gordos que passem
fome! Esta só foi inventado muito mais tarde.
A propósito a poesia terá valor de mercado?

5. Quando soube da exposicão - do Algarve
até Perbál do pintor húngaro Simon István
ainda fui a tempo de juntar ao sol português
o vinho do Porto da minha gratidão.

Desde então as paisagens de Budakeszi
as praias as rochas e as areias de Lagos
as uvas as vinhas e as caves de Páty
os pomares de laranjeiras do Algarve
as papoilas e as searas de girassol de Budajenő
os montados de sobreiros do Alentejo.
A luz natural que acompanha cada quadro
fazem parte das paredes da minha vida.

6. Era pela fronteira de Hegyeshalom
que de comboio eu entrava e saía da Hungria.
Como o futuro da liberdade tinha que se defender
das doenças do passado e dos inimigos do sol na terra
a entrada ainda hoje não é facil de contar.

As boas vindas eram a triplicar
com guardas de fronteira as policias
- elas eram as piores revistavam que se fartavam -
e quando pensavas que já tinham acabado
vinham os militares de kalashnikov ao ombro
armados contra a burguesia internacional
em defesa das conquistas do povo trabalhador.

Comparado com o fado dos húngaros
eu era um sortudo tranquilo não tinha medo
não tinha nada de ilegal na mala.
Apesar da barba crescida e da gadelha comprida
não devia ter cara de subversivo ou contabandista.

7 . Pela boca morre o peixe aprendi. Ainda bem
que não fui peixe e a morte comigo nada querer.

Em duas chegadas à fronteira austro-húngara
muito batia o coração. As porteiras da residência
souberam que havia dois livros sobre o Milagre*
de Fátima publicados em húngaro. Eu era o estrangeiro
preferido das porteiras não podia dizer que não.

Pedi ao meu pai e a um amigo motorista
que fazia a carreira Santarém-Fátima.
O autor era o Padre húngaro-português Kondor
Lajos que muitos anos depois vim a conhecer
que ainda hoje tenho tanto orgulho de ser seu amigo.

8. Os meus compaňeros cubanos também pediram
não não os livros do clericalismo decadente
ainda por cima de Fátima pela libertação da Rússia.
Pediram-me playboys e penthouses em inglês.

Entre cuecas peúgas e postas de bacalhau
embrulhadas em jornal escondi o duplo pecado
quase mortal. Então ainda não sabia
que o perdão é muito mais forte que o pecado.
Tive medo mas consegui e carteiro exemplar
entreguei intactas as encomendas aos meus clientes.

Abençoado nunca mais tive problemas
quando queria subir ao quarto às horas
que fosse sózinho ou bem acompanhado.

9. Estava a almoçar no Retiro dos Caçadores
em Fátima com o Padre Kondor e não resisti.
Contei-lhe a história da minha mala
da literatura erótica-clerical inimiga do socialismo!

As suas gargalhadas soaram como um trovão
e mandou vir mais uma garrafa de vinho.
Sempre que posso vou visitá-lo a Fátima.

*“Só existe duas formas de viver a vida.
A primeira é pensando que o milagre não existe;
a outra é pensando que tudo é milagre.” Albert Einstein

NOTÍCIAS DE LONDRES: DOGMAS E REVOLUÇĂO


1. Na caminhada científica para a tomada do poder
com a precisão e pontualidade de relógio suiço.

Marca do relógio mais caro da famosa empresa
do neutral empresário helvético tão suave no trato
tão musical na voz tão polido nas mãos. Filantropo
de tanta fundação pelas causas mais nobres.

É proprietário da empresa que mais ganhou com o ouro
e pedras preciosas dinheiro e obras de arte roubadas
pelos revolucionários nazis aos judeus capitalistas.

2. Na caminhada divina iniciada pela vanguarda
dos trabalhadores para a tomada fatalista do poder

é sair depressa para outras terras que a Suiça tão rica
merece a calma todo o bem estar do mundo
que as revoluções não são flores fáceis de desfolhar.

3. Há uma nova interpretação da tese leninista
- os debaixo já não querem e os de cima já não podem -

no ponto de rebuçado e húmida como está até um velho
desliza quanto mais um jovem de cabelo forte e farto
- mas infelizmente não faz nem sai de cima -.

4. Dizia-me por telemóvel do coração de Londres
um amigo que ficou dos tempos mais antigos
da minha pré-história e também ele cristão-novo

nem marrano nem sarraceno quase convertido
ao dogma do mercado e da supremacia celestial
do sector privado sobre os asnos do etatismo.

A reincarnação perfeita dos velhos do restelo
do virtualismo virtuoso da finança internacional
sobre os mangas-de-alpaca públicos e reguladores.

5. Dizia-me entre os palavrões sem maldade
e as gargalhadas sonoras de sempre – Ó pá as mães
são uma santas mas os gajos são uns filhos da puta!

Manda um sms ao V.I. Ulianov para que acorde e se levante
que saia do caixote de vidro e caminhe. Que dê ordens
para prepararem o Aurora. Que contem as espingardas.
Para os guardas do palácio há vodka suficiente.

Pede-lhe que mande um e-mail ao compagnon de route
endereço j.c.0001@@paraíso.com que o convide
para comissário do trabalho e assuntos sociais.

Quando chegar a fase no caminho do comunismo
em que a luta de classes se agudiza logo se vê
como se faz desaparecer Ecce Homo.

Sabes que podemos sempre contar com a ajuda
e as palavras dos intelectuais mais engajados.

6. Fala-se do Kremlin e da Praça Vermelha da City
e da Wall Street mas ignoram a Cidade Proibida
o Califado da Europa islámica do futuro.

Não achas que tenho razão? O socialismo no século XX
tirava aos ricos e dava tudo ao estado nada a ninguêm.
Agora tira a todos para entregar aos banqueiros.

7. Estou farto das teologias inovadoras dos auditores da fé
dos axiomas antigos das agências rating sem vergonha
dos velhos paradigmas com roupas de novo servilismo.
Mordomias da mediocridade das almas da cumplicidade
Usar o PPP-parar para pensar antes que sejas tarde demais.

CLARA BLANCA ALBA


“Não sabem limpar o cu e querem ter direito a voto”
Casa dos Espíritos, Isabel Allende


1. Fui pedreira e foi pedreiro
foi mina e fui mineiro
cascalho xisto calcário
ardósia preta clivada
mas nunca foi parede
de escritório auto-estrada
nunca fui calceteiro
passeio pedras cortadas
retro-escavadora servente.
Não era dono de mim
não era senhor da terra.

Fui mina e foi de pedra
tem ainda argila nas mãos
areias e brita das ruas
utilização de solos comuns
mas nunca foi barragem
aterros estradas de asfalto
rotundas estação de serviço
pavimento de betão.
Não fui muro de granito
casa de muralhas murada
não era senhor da rua.

Fui madeira da mais dura
troncos de serração
rodapés tampos de mesa
cobre enxofre basalto.
Foi alvenaria pedra natural
rocha sedimentar vulcão
na erosão da lava na cantaria
chapa serrada polida
serrador serra serrote
mas não era escravo da terra
blocos de mármore rosa
não era cola para madeira.

2. Foi mina e fui pedreira
basalto quartz carvão
túnel e pedrinha miúda
jazida de cobre escavadora
fui pedreiro e fui explosivo
lâmpada fusca de mineiro
pedreiro de igrejas antigas
castelos palácios canteiros
na textura leve das pontes.

É a maior mina de cobre
a céu aberto no mundo
carris parapeito vagão
fui mina e fui mineiro
minério rico de enigmas.

3. O meu pai foi toda a vida
um contador perfeito de anedotas
pequenas histórias reinventadas
plenas de filosofia da vida
frases prenhas de humanismo.

- Estavam deitados na cama
à espera do sossego da casa.
Ó mãe ó mãe tenho fome quero pão!
Ó mulher dá água ao rapaz
que ele ainda não sabe o que quer.

- Dizia furioso o sapo para o boi
Ó boi tira a pata de cima de mim
senão ainda te arrebento.

- A ciganinha com a mãe
pedia à saída da pastelaria.
Caridosa e bom coração
a senhora não aguentou
e ofereceu um bolo de arroz
à menina à ciganinha.
Ó filha Ó filha o que é que se diz?
Senhora senhora quero mais!

AUSCHWITZ: 2 TONELADAS DE CABELO DA ENDLÖSUNG


1. Depois de terminada a visita ao sítio-museu
símbolo da sistematização criminosa da maldade
ao Complexo de Auschwitz-Birkenau
local onde acabou uma parte da civilização
judaico-cristã da história da Europa filha
não pensava na morte na desgraça.

Pensava apenas na sorte da boa estrela
a minha a nossa de poder entrar nas calmas
sem a estrela amarela de David poder saír
dali para a vida lá fora à nossa espera.

Sentia que tinha fome preocupado
que estava com o meu frio relacionamento
com a cozinha polaca muito pouco convencido
de ver satisfeito o meu desejo de um peixinho
grelhado sem môlhos nem disfarçes.
Para acompanhar a encher a barriguinha
beber uma boa caneca de cerveja nacional.

2. Oiçam todos os refúgios na terra
toda a entrega mais simples do amor
a solidão na revolta pela poesia da vida.

Que pode fazer com um quilo de cenouras
meio-litro de cacau se 2 sapatos não são um par
dos pés cinzas que se terão perdido no abismo?

Oiçam todos os silencios do mar
que transformam corpos em braços em lebres
fadigas que as janelas abertas libertam.

A brisa do luar na mata uma perdiz
a água discreta do moinho da fuga iniciada
mas como calar este murmúrio esta ansiedade?

O amor passaria a ser lavar a cara
lavar os dentes sem pressas pela manhã
o banho quente partilhado todas as noites.

Porque não vens Ó musa Ó minha irmã?
Para ti as janelas estarão sempre abertas.

3. Os montes de cabelos os sapatos mais de 80 mil.
Ali só húngaros-judeus foram exterminados
mais de 350 mil pessoas como tu e como eu.

4. Recordava-me da conferência
de um historiador húngaro nas comemorações
sobre a solução final sobre o Shoah
que perguntou em voz alta à audiência
- Jó Isten akkor hol voltál?

- O bom Deus esteve em Theresienstadt
em 8 de Maio de 1945 dia da libertação
do campo pelas tropas soviéticas
no dia em que por milagre nasceu a minha mãe
que tu também conheces Gabriella
como a tua filha mais velha
segredava-me Gábor ao ouvido.

Se assim não fosse pensei eu
a cadeira ao meu lado estaria vazia.
Felizmente Deus nem sempre dormiu
pois seriam filas e filas de cadeiras vazias.

5. Recordava-me de um dos filmes
mais marcantes já na fase da minha vida
em que sabia muito bem o que não queria.
La vita ė bella de Robert Benigni.

Pensava que podia ter sido o livreiro Guido
andaria de lambreta não de bicicleta
que a minha paixão não seria Dora.
Para não sentir a dor daria nome de Bíblia.

6. Com Eszter gostámos muito de Cracóvia
bem restaurada acolhedora e dinâmica.

Gostámos muito da cidade de João Paulo II
um homem santo algures entre os santos a sério
não aqueles de gesso a que nos habituaram.

Da comoção da guia na voz e nos olhos
junto à janela de onde falava ao seu povo.
Refeita contou-nos uma história quase profana.

- Meu Deus queixava-se Wojtyla
não é nada justo. Aqui há três semanas
que ao almoço e ao jantar é sempre o mesmo
batatas cozidas com batatas. Lá mais em baixo
são carnes assadas no espeto na brasa
saladas arroz bebidas que é um regalo.

- Karol Karol tu não sabes - disse-lhe Deus -
que para duas pessoas não vale a pena cozinhar?

7. Jesus antes de ser homem
antes de ser Cristo foi Jesus foi menino
era judeu antes de ser cristão.

” O judeuzinho de cabelos negros espreita horas e horas,
a menina inocente que macula com o seu sangue,
roubando-a do seu povo.” Mein Kampf, Adolf Hitler

Este insurrecto Adolf nacional-socialista
há muito que já lá está. Que a sua alma
nunca descanse em paz. Que continue a arder
até ao ultimo dia do mundo.

AMIAIS DE BAIXO E O ARCANJO S. MIGUEL


“Boca a saber a sol, a fruta, a mel.” Florbela Espanca

1. Para terminar devo escrever que chegou a hora
de limpar as gavetas do armário da minha vida arrumar
os papėis fechar umas e abrir os olhos para outros sonhos.

2. Nasci e vivi numa aldeia até aos sete anos
mas de verdade nunca me senti um aldeão
por muito romântico que seja dizer o contrário.
Nos últimos dez anos contam-se pelos dedos
de uma mão só as vezes que voltei à terra
entretanto elevada a vila partilhar a alegria.

3. Em Amiais nada se compara às Festas
em Honra ao Mártir S. Sebastião a espera
a chegada da banda Música em amialês
as rodas-de-fogo que só muito mais tarde soube
querer dizer fogo-preso os foguetes da alvorada
a Procissão dos Archotes de sábado à noite
quando se vai buscar à capela do cemitério
e acompanhar até à igreja o andor com o S. Miguel

A despedida tão comovente da N. Senhora da Graça
a Santa mais linda com o seus longos cabelos pretos
os pingos de cera como lágrimas os olhos tão tristes
já com saudade das duas noites tão breves
que passaram juntos na igreja abençoada pelo Bispo.

Foi o meu encontro menino de pensar adulto
a primeira descoberta segredos de amores proibidos
talvez clandestinos e com santos envolvidos.

4. Lembro-me como se tivesse sido ontem.
O Hélder e eu os dois netos mais novos
contra o frio do húmido inverno português
um de cada lado abrigados no capote do nosso avô
de pé quase por debaixo da roda-de-fogo.
Não esqueci o orgulho que sentia de não haver ninguêm
que visse o fogo de mais perto que nós os três.

5. Amiais era uma povoação de serradores
e madeireiros de serrações e várias fábricas
de cerâmica de barro hoje seria um cluster
das telhas tijolos e tijoleiras com patrões
e trabalhadores com trabalho na terra.

Foram as primeiras vítimas do progresso
da desmaterialização da economia
e do primado do comércio e dos serviços
da falta de emprego da não fixação
e das novas mobilidades e acessibilidades
mas quem sou eu para falar eu que nas Útimas
Águas escrevi: “Partir é prolongar o coração.”

Eram as adegas do vinho e da água-pé
do açouge dos talhos da típica carne de capado
das hortas de terra dura e seca com tanta pedra
dos muitos emigrantes quase todos a salto em França
alguns na Alemanha Suécia. Um amialeiro não o seria
se não viesse a Portugal de propósito para vir à Festa.

6. A Cova Funda era a taberna-café do ti’Zé
e da tia Olinda irmã do meu pai dos meus primos
o cartão de visita eram os petiscos deliciosos
elevado ao seu máximo nos sábados à tarde
com fama que chegava a todas as aldeias vizinhas.

Estou a pensar nos molhinhos feitos de tripas
e os pézinhos com feijão branco e um molho divinal
para acompanhar com um copinho medido do barril.

Na extensa família como tio da Branca ti’Canica
boa gente eles eram dos mais próximos
apesar da distância e da idade ainda hoje é assim.

7. Para recordar o passado e preparar o futuro
uma pequena homenagem à minha terra.

Como quem junta ao saibo
terra tijolos e barro
para a construção da vida
com as pedras da felicidade
cozida no forno a lenha
e amassada no pão-caseiro

com a arca ao canto da loja
o ritual pagão do amor legítimo
madeira de pinho da serra
do futebol sem invasão de campo
dos que quem os come em chibo
não os têm em bode
e é fino como à seda o retróz!

Pois já se sabe que quem chutar
a bola mais alto ganha um bacalhau
trazido pelo tenreiro da noruega
iguarias comidas como petiscos
nas linhas do século passado
do pintassilgo solar da manhã
a precisar de sopas de cavalo cansado.

Porque perdi o fio à meada
esqueci o que queria escrever
a seguir ir em grupo aos ninhos
e talvez aos gambesinos
à noite recolher caga-lumes num frasco
e iluminar assim a escuridão
caçar um grilo com uma perna a menos
guardá-lo numa gaiola de cana verde.
Coxo? Protesta! Mas é para cantar ou para dançar?

A casa do povo as faces da pedra
do poliedro raro do sonho
gente combativa e de coragem
que resistia unida às ameaças da guarda
da GNR de Alcanena e às vezes de Santarém.

Aves e pássaros à saída do mar e da serra
à entrada do largo e do rio quase seco
sem sardas carapaus ou gatos gulosos
que os cães vadios ferozes eram muitos.

Permitam-me este regresso sem verso
com muitas palavras e algumas metáforas
a viagem das minhas mãos dos meus pés chatos
pelos caminhos do coração voltar à minha terra
com o pensamento racional da razão
ao meu primeiro povo à minha única aldeia.

Budapeste, Outubro de 2007 – Março de 2009

AS TUAS MĂOS APENAS

A Victor Jara

AS MĂOS E AS PALAVRAS

“Pongo en tus manos
abiertas”
Victor Jara



Finge fugir do toque e foge da paixão
e deixa-se apanhar preguiçosa
pelo barro pelo salitre das mãos.

Tocam a sua pele de formação recente
como quem chega do deserto de ninguêm
de um rio do mistério mais próximo.

Guardam na cave a aritmética das palavras
nas paredes o sujeito e o predicado do prazer.


LAS MANOS Y LAS PALABRAS

“Pongo en tus manos
abiertas”
Victor Jara


Finge huir del toque y escapa de la pasión
y se deja cojer perezosa
por el barro por el salitre de las manos

Tocan su piel de formación reciente
como quien llega del desierto de nadie
de un rio del misterio más próximo

Guardan en el sótano la aritmética de las palabras
en las paredes el sujeto y el predicado del placer

(Traducción: Victor Medina)

A UTOPIA DAS MĂOS

Descendo a pé pelas encostas
da cordilheira inóspita da utopia
as metáforas chegavam frescas
dos bosques até ao sopé da poesia.

Era o mar salgado do Chile
de quase todos que trazia
nas palavras recolhidas pelo povo
com caracóis e ervas secas
raminhos de oregão e tomilho.

Trazia no bolso da camisa
barcos pequenos a remos
barcos de pesca com água forte
de pescadores pescando
e na pele queimada do mar alto
calças grossas de cotim bravio
navios navegando contra o vento.

As suas mãos profundas
caiando de branco as casas escuras
dos mais simples no bairro operário
dos mineiros das minas de sempre.
Trazia nas unhas nas mãos ainda sujas
e brancas da cal a camisa de flanela
da moda futurista aos quadrados.

Trazia polvos dos perigos das rochas
pimentos para assar na brasa e peixe fresco
acabado de pescar pelo irmão do destino.
Com cuidado dizem até as praias
da madrugada já clara após a noite
mais triste dos que pensam ter castelos
serem muralhas mais fortes que Deus.

A noite mais fria apesar do lume das mãos
da guitarra que oferecera ao seu povo.
Era o mar salgado do Chile
a noite mais longa por vezes iluminada
pelos seus versos proibidos
pela luz frágil da liberdade sincera
do farol da memória sem fim
na alegria destemida da voz.

Carlos Violeta Rodrigo Isabel
não sei se Victor Jara terá escrito
talvez não mas poderia ter cantado.

- Os trabalhadores sempre tabalharam
e quando não o fizeram é porque
estavam doentes ou no desemprego.


LA UTOPIA DE LAS MANOS

Desciendo a pié por las laderas
de la cordillera inhóspita de la utopía
las metáforas llegaban frescas
de los bosques hasta las faldas de la poesía

Era el mar salado de Chile
de casi todos que traía
en las palabras recogidas por el pueblo
con caracoles y hierbas secas
ramillos de orégano y tomillo

Traía en el bolsillo de la camisa
barcos pequeños a remos
barcos de pesca con agua fuerte
de pescadores pescando
y en la piel quemada de la mar alta
pantalones gruesos de lona brava
navíos navegando contra el viento

Sus manos profundas
enmascarando de blanco las casas oscuras
de los más simples en el barrio obrero
de los mineros de las minas de siempre
Traía en las uñas, en las manos aun sucias
y blancas de cal la camisa de franela
de moda futurista a cuadrados

Traía polvos del peligro de las rocas
pimientos para asar en la braza el pez fresco
acabado de pescar por el hermano del destino.
Con cuidado dicen hasta las playas
de la madadrugada ya clara después de la noche
mas triste de los que piensan tener castillos
serán murallas más fuertes que Dios

La noche mas fría a pesar del fuego de las manos
de la guitarra que ofreciera a su pueblo
Era el mar salado de Chile
la noche más larga a veces iluminada
por sus versos prohibidos
por la luz frágil de la libertad sincera
del farol de la memoria sin fin
de la alegría sin temores de la voz

Carlos Violeta Rodrigo Isabel
no sé si Víctor Jara habra escrito
tal vez no pero podría tener cantado

- Los trabajadores siempre trabajarán
y cuando no lo hicieran será porque
estaban enfermos o en el desempleo


(Traducción: Victor Medina)

AS MĂOS DA MANHĂ

“Yo no creo em nada
sino en en calor de tu mano com mi mano”
Victor Jara


Juntam conquilhas com nuvens
que arenosas descem o sol devagar
e crescem fortes com as chuvas
que anunciam o calor da tempestade
decorada com as tuas e as minhas mãos.

Sei dos teus dedos frios de inverno
que não trocaria por nenhuma primavera.

Os corpos iluminados pelo candeeiro
tão enrolados no papel de parede
da sala de visitas que desce liso do tecto
até ao pedacinho de madeira dos lábios
ao ritual dos cabelos espalhados na almofada.

São amor manhãs afectos e são carinhos
das colheitas plenas que as nossas mãos guardam.


LAS MANOS DE LA MAÑANA
“Yo no creo em nada
sino en el calor de tu mano con mi mano”
Victor Jara

Juntan coquinas con nubes
que arenosas desciende el sol lentamente
y crecen fuertes con las lluvias
que anuncian el calor de la tempestad
decorada con tus manos y las mías

Se de tus dedos fríos de invierno
que no cambiaría por ninguna primavera

Los cuerpos iluminados por el candelabro
tan enrrollados en el papel de la pared
de la sala de visitas que desciende liso del techo
hasta el pedacito de madera de los labios
al ritual de los cabellos esparcidos en la almohada

Son amor mañanas afectos y son cariños
de las cosechas plenas que nuestras manos guardan.


(Traducción: Victor Medina)

AS MĂOS DO CORAÇĂO

Deixem-me com a luz do seu sorriso
arquitecto de todos os espelhos distantes
e de mensagens nos limites do milagre
partículas da densidade intensa
da erosão argila dos vocábulos finitos.
Deixem-me abrir uma rosa vermelha
habitada por muitas formigas brancas
de asas pretas na transparência das águas.

Eu deixava-me ficar pois era a sede
da serpente que se protegia no lodo
e se escondia nas margens
no casúlo esquecido da seda
a do feitíço perfeito do quarto vazio
de nadas junto ao coração das mãos.
As palavras passageiras da sedução
entre as folhas da sua boca tão sedutora


LAS MANOS DEL CORAZÓN

Dejenme con la luz de su sonrisa
arquitecto de todos los espejos distantes
y de mensajes en los límites del milagro
partículas de densidad intensa
de la erosión arcilla de los vocablos finitos
Dejenme abrir una rosa enrojecida
habitada por muchas hormigas blancas
de alas negras en la transparencia de las aguas

Yo me dejaba quedar puesto que era la sede
de la serpiente que se protegía en el lodo
y se escondía en las margenes
del capullo olvidado de seda
y del hechizo perfecto del cuarto vacio
de nadas junto al corazón de las manos
Las palabras pasajeras de la seducción
de su boca entre hojas tan seductora

(Traducción: Victor Medina)

A NOITE E AS MĂOS

“Las manos parecían colgarle de los brazos en extraňo ángulo
como si tuviera rotas las muňecas; pero era Victor, mi marido, mi amor”
Joan Turner


Prometo-te que um dia meu amor
um dia de sol ao fim da tarde partilhando
dores dos joelhos dores nas costas
as rugas vadías no oceano dos rostos
partilhando um copinho de aguardente
de uva fabrico caseiro não certificado.

Prometo-te que um dia meu amor
já com uma mão-cheia de netos
filhos das nossas filhas do vento
que como se fosse a última vez
seguro com as minhas as tuas mãos
pequenas cúmplices de tantos segredos.

Seguro as tuas mãos sedosas
ainda húmidas da maresia da manhã
pego em ti meu amor
como se faz a um ouriço perdido
a atravessar descuidado a estrada da vida
fora da passadeira do sonho.

Prendo-te entre os meus braços
de laranjeira recém-plantada
do próximo ano em flor
e nunca mais te devolvo à poesia
à nossa canção primeira
às palavras do futuro do passado.

Meu baguinho de arroz doce.
Quando repousei os meus olhos
fechados à força sobre a grossa manta
solidária que te protegia do frio da noite
meu amor soube então meu amor
sei que essas mãos eram as tuas.



LA NOCHE DE LAS MANOS

“Las manos parecían colgarle de los brazos en extraňo ángulo
como si tuviera rotas las muňecas; pero era Victor, mi marido, mi amor”
Joan Turner

Te prometo mi amor que un día
un día de sol al final de la tarde compartiendo
dolores de las rodillas dolores en las espaldas
las arrugas vagabundas en el océano de los rostros
compartiendo una copa de aguardiente
de uva fabricación casera no certificada

Te prometo mi amor que un día
con una mano ya llena de nietos
hijos de nuestas hijas del viento
que como si fuese la última vez
seguro con mis manos tus manos
pequeñas cómplices de tantos secretos

Seguro tus manos sedosas
todavía húmedas con el aire del mar de la mañana
cojo en tí mi amor
como se hace a un erizo perdido
atravesar descuidado el camino de la vida
fuera de la pasadera del sueño

Te cojo entre mis brazos
de naranjal recién plantado
del próximo año en flor
y nunca más te devuelvo a la poesía
a nuestra canción primera
a las palabras del futuro del pasado

Mi porción de arroz dulce
Cuando coloqué mis ojos
cerrados a fuerza sobre la manta gruesa
solidaría que te protegía del frío de la noche
mi amor supe entonces mi amor
se que esas manos eran las tuyas


(Traducción: Victor Medina)
Budapeste, Janeiro-Fevereiro 2009